Título: O Brasil e suas estratégias conflitantes para crescer
Autor: Schmidt , Cristiane A. J.
Fonte: Valor Econômico, 02/08/2012, Opinião, p. A16

O Produto Interno Bruto (PIB) é um ótimo medidor da saúde econômica de um país, principalmente o per capita, e um bom indicador de bem-estar para as economias emergentes. Se não fosse, o governo não teria festejado quando o Brasil alcançou a 6ª posição global. Devido a sua relevância, o debate sobre como despertar a economia brasileira tomou fôlego. Diante da crise global e dos desafios do país, diagnosticar as causas da sua freada é imprescindível para mapear os instrumentos adequados para estimulá-la.

O Brasil se defronta com dois tipos de problemas: um conjuntural, a crise internacional, e outro, estrutural. Este último segmenta-se em dois grupos: um concernente à oferta (custo Brasil), onde prevalecem fatores como o complexo sistema tributário e estrutura logística ineficiente; e outro, à demanda, onde se estabelecem as decisões de alocação de recursos entre consumo e poupança. É importante, pois, que as metas de longo prazo estejam compatíveis com os instrumentos anticíclicos usados no curto prazo (políticas monetárias e fiscais).

Se não visualizar taxa de retorno atrativa e bom ambiente de negócio, o empresário não investe

A paralisia do país desde 2010, em particular da indústria, é resultado da crise, mas principalmente da falta de poupança e da rigidez estrutural. Esta última, por sua vez, como salientaram Ferreira e Fragelli (Valor, 18/7), também é fruto de escolhas equivocadas feitas pelo governo desde 2005, sobretudo a partir de 2008. Para acirrar o espírito animal dos empresários, os veículos de curto prazo não devem conflitar com o objetivo maior de gerar meios propícios ao desenvolvimento sustentável. Diferentemente do que expressou o presidente do BNDES, Luciano Coutinho ("Folha de S. Paulo", 8/6), o empresário não tem humor ciclotímico. Ele reage aos incentivos dados. Se não visualizar taxa de retorno atrativa e bom ambiente de negócio, ele não investe. Hoje, mesmo setores eficientes são pouco competitivos, com ou sem crise global.

Se houver aumento das despesas de custeio, por exemplo, como forma de desanuviar os efeitos da crise, deve-se ter clareza se esses gastos são temporários. Se forem permanentes (exemplo: salário do funcionalismo), quando a economia voltar a crescer, a inflação poderá ser pressionada, assim como os juros. Mas ter inflação e juros baixos não são metas de longo prazo para o país? Além disso, dada certa arrecadação, ou o governo a gasta em custeio ou em investimento. No Brasil, a escolha tem sido a de aumentar muito o custeio e a carga tributária - o que tem elevado o custo Brasil - e pouco o investimento. Entre o 1º semestre de 2011 e o 1º semestre de 2012, o investimento aumentou 5,8% e o custeio cresceu 9,7%, em termos reais.

O consumo privado, similarmente, é outro veículo possível de ser usado como política anticíclica, tanto pela via do crédito e das isenções fiscais, quanto pela do salário mínimo (cuja regra de reajuste está contratada até 2015). Essa variável, porém, esbarra com a meta de longo prazo de elevar a poupança interna do país, hoje em 17% do PIB. Ademais, depois de aproximadamente 9 pacotes de estímulo ao consumo, observa-se aumento na inadimplência, que tende a diminuir a voracidade dos agentes a tomar crédito, mesmo com taxa de juros menor, e indica esgotamento no seu uso como instrumento. Mais ainda, não colabora para o declínio do spread bancário. Conclui-se, assim, que custeio e consumo não são instrumentos de curto prazo apropriados a serem usados no Brasil de hoje, muito embora possam ter sido em 2009/10 e possam vir a sê-lo futuramente.

O investimento é um meio de fazer com que os objetivos de curto e longo prazos convirjam. O problema está na execução. No caso do setor público, a inépcia gerencial e complexidade dos processos burocráticos são entraves preocupantes. Hoje o governo acumula recursos empenhados de R$ 60 bilhões para investimentos e não consegue gastá-los. Programas como PAC equipamentos e PAC mobilidade urbana, porém, podem ser formas de lidar com o tema. Melhor ainda, pois, são as desonerações na conta de energia para a indústria e na folha de pagamento para certos setores e na regulamentação do cadastro positivo. Ou seja, há alternativas.

A imposição de critérios internacionais para o setor automobilístico no intuito de torná-lo menos poluente e mais competitivo e a ampliação do programa de concessão nos setores de infraestrutura (rodovias, ferrovias, aeroportos e energia elétrica) são outros exemplos. Fazer concessões, aliás, deixou de ser uma discussão ideológica. É uma necessidade iminente do país.

Promover programas direcionados ao capital humano é também louvável. Se bem gerenciados, são esforços que devem afetar positivamente o crescimento do PIB futuro. Nesse sentido, a Lei 12.513/11, que tributa empresas que investem em seus funcionários, vai na via oposta e por isso deveria ser revista.

Não são pequenos nem simples os desafios do governo. Por isso deve-se ter um planejamento estratégico consistente intertemporalmente e evitar repetir políticas equivocadas do passado. O mais sensato é ter o longo prazo como prioridade e, a partir dele, decidir quais instrumentos anticíclicos de curto prazo usar. Nunca será uma boa opção, todavia, focar no crescimento do PIB do ano vigente ou não reconhecer e desconsiderar as políticas bem sucedidas de governos anteriores.

Seguir incitando custeio e consumo, portanto, pode acabar potencializando o problema estrutural do Brasil, logo a paralisia do país, principalmente se somados a outras políticas questionáveis (conteúdo nacional, protecionismo, etc.). A estratégia, se existe, parece ser dinamicamente conflitante com os instrumentos de curto prazo. Exceto se o crescimento do PIB não for relevante.