Título: Rússia: avanços e retrocessos
Autor: Wolf, Charles
Fonte: Valor Econômico, 08/01/2007, Opinião, p. A9

Quinze anos após o colapso e desagregação da União Soviética (URSS), a Rússia ainda se encaixa perfeitamente na descrição de Stalin por Winston Churchill quase sete décadas atrás: "um charada envolta num mistério contido em um enigma".

Durante as presidências de Boris Yeltsin, na década de 90, e de Vladimir Putin, a Rússia abriu suas portas ao comércio, investimentos e mídia internacionais, bem como ao turismo e à internet. Em gritante contraste com a URSS, a Rússia hoje publica grandes volumes (ainda que nem sempre confiáveis) de informações econômicas, sociais e demográficas.

Entre as muitas economias rotuladas como "transicionais", a russa é a segunda maior, com cerca de um quinto do Produto Interno Bruto (PIB) da China, mas com o dobro do alcançado pelos chineses em termos per capita. Mas não está claro em que ponto está a Rússia na escala da "transição". Estará o país avançando rumo a tomadas de decisões descentralizadas e alocação de recursos norteadas pelo mercado, ou a tomada de decisões centralizadas e alocação de recursos controladas pelo Estado? Ou estaria oscilando entre os dois?

Yegor Gaidar, um destacado economista do governo Yeltsin e primeiro primeiro-ministro da Rússia pós-comunista, opina que a plena transição da Rússia para uma economia baseada no mercado provavelmente levará 75 anos, devido à longa "duração do período socialista e das distorções a ele vinculadas".

Por outro lado, os EUA e a União Européia (UE) aceitaram formalmente a Rússia como sendo uma "economia de mercado", um status que torna menos provável que outras economias de mercado venham a impor tarifas "anti-dumping" ou outras medidas protecionistas às exportações russas. Mas o fato de a Rússia não ter ainda se qualificado para participar da Organização Mundial de Comércio (OMC) sugere que esse status pode ter sido atribuído tanto por razões políticas como econômicas.

Na realidade, um acalorado debate está atualmente em curso na Rússia relativo ao rumo de sua transição econômica, que reflete as ênfases nitidamente distintas que os campos antagônicos atribuem às "boas notícias" apontando para mudanças tendentes à orientação pelo mercado, ou a "más notícias" apontando na direção oposta. O debate também ressalta a discordância sobre a confiabilidade de dados oficiais.

A partir de 1991, a taxa real de crescimento do PIB russo tem sido maior que o dobro da média (não ponderada) dos outros membros do G-8 (Japão, Alemanha, França, Canadá, Itália, Reino Unido e EUA). Durante o mandato de Putin, a partir de 2000, o crescimento anual do PIB russo foi de 6%, em comparação com 2% no G-7, sua dívida externa foi reduzida de 50% do PIB para menos de 30%, e sua dívida de US$ 3,3 bilhões para com o Fundo Monetário Internacional (FMI) foi quitada antes do prazo, em 2005. Dos US$ 40 bilhões devidos a seus credores no Clube de Paris, a Rússia pagou US$ 15 bilhões antes do vencimento, e suas reservas em moeda estrangeira mais que triplicaram, para mais de US$ 250 bilhões.

Os otimistas também citam evidências de que o número de empresas privadas mais que dobrou na década passada, para quase 80% de todas as empresas, ao passo que a participação de companhias estatais encolheu de 14% para menos de 4%. Analogamente, o número de empregados em empresas privadas cresceu 41%, ao mesmo tempo em que diminuiu 15% nas estatais. Com efeito, os otimistas alegam que os dados oficiais sobre o crescimento do setor privado podem, na realidade, subestimar o ritmo e a magnitude do avanço russo rumo à implementação da propriedade privada, tendo em vista os esforços de empresas privadas para esquivarem-se de suas responsabilidades tributárias, não registrando ou subnotificando suas transações.

-------------------------------------------------------------------------------- A inflação continua oscilando em torno de 10% e a fuga de capital foi superior a US$ 9 bilhões em 2004, e cresceu ainda mais em 2005 --------------------------------------------------------------------------------

Um indicador final de "boas notícias", refletindo tanto influências externas (os preços do petróleo e gás) como progressos internos, está na recente substancial melhoria na pontuação atribuída pelas principais empresas de classificação de crédito à dívida soberana russa, que passou de "junk" para "investimento recomendado". Essa decisão reduz os custos com que Rússia precisa arcar para ter acesso a capital estrangeiro e indica que os mercados exibem confiança pelo menos moderada nas perspectivas econômicas.

Mas, embora haja muitas boas notícias econômicas, há também muitas más notícias. A inflação continua oscilando em torno de 10% e a fuga de capital - um indicador do enfraquecimento da confiança na economia russa - foi superior a US$ 9 bilhões em 2004, e cresceu ainda mais em 2005.

Além disso, os pessimistas discordam da veracidade do quadro de crescimento do setor privado pintado pelos dados oficiais. O nível de participação proprietária, produção e emprego estatais na economia russa é pelo menos tão alto agora quanto em 2003, quando Mikhail Khodorkovsky, o executivo-chefe da companhia petrolífera Yukos, foi preso e o Estado apropriou-se dos ativos da companhia, juntamente com os de diversas outras companhias privadas.

Outra questão crucial sobre as "boas notícias" é até que ponto elas deveriam ser corretamente atribuídas à receita extraordinária decorrente da alta dos preços do petróleo e do gás natural (ou seja, a fatores fora do controle da Rússia), e não à melhoria nas políticas econômicas e a reformas.

Estudos empíricos recentes da Rand Corporation, uma organização de pesquisas sem fins lucrativos, enfatiza a forte dependência russa em relação aos combustíveis fósseis. O aumento nos preços do petróleo e do gás natural explicam entre 33% e 40% do crescimento da economia ao longo do período de 1993 a 2005. A produção de petróleo e gás russos respondeu por entre 16% e 20% do PIB russo e entre 44% e 55% das receitas totais de exportação desde 2004. O acúmulo de reservas em moeda estrangeira pela Rússia é uma ilustração adicional dessa dependência.

Para onde está rumando a economia russa? Para uma alocação descentralizada de recursos balizada por mercados competitivos, ou retrocedendo rumo à tomada de decisões pelo Estado e sua burocracia? A resposta continua extremamente incerta. Não menos incerta é a implicação dessas incógnitas econômicas no papel e comportamento russos na arena internacional.

Charles Wolf é assessor econômico sênior e observador empresarial para economia internacional na Rand Corporation, e pesquisador sênior na Hoover Institution. Wolf é co-autor (com Thomas Lang) de Russia´s Economy: Signs of Progress and Retreat on the Transitional Road (A Economia Russa: Sinais de Progresso e Retrocesso na Via de Transição). © Project Syndicate 2007. www.project-syndicate.org