Título: "Políticas sociais cumpriram seu papel"
Autor: Lyra, Paulo
Fonte: Valor Econômico, 08/01/2007, Política, p. A6

Virtualmente confirmado na equipe do segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ministro Patrus Ananias, do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e à Miséria, é o comandante do Bolsa Família, programa que, segundo a oposição, se transformou numa poderosa máquina de fazer votos nas eleições de 2006. Ele não discorda: ao lado do carisma, da liderança "da força física, moral e espiritual do presidente", o ministro admite: "As políticas sociais, é claro, cumpriram um papel". Não o Bolsa Família isoladamente, mas a rede de proteção social montada pelo governo como um todo. Para o ministro, a grande conquista do governo foi, sem dúvida, ter colocado a questão social "no campo das políticas públicas, dos direitos, superando a fase do assistencialismo e, com todo o respeito, da filantropia".

Ananias destaca, no entanto, que "é preciso fazer justiça" ao papel da equipe econômica, que garantiu a estabilidade, controlou a inflação "e assegurou o poder de compra do salário mínimo e dos benefícios". Mas ele acha que é hora de se "repensar a questão do crescimento econômico à luz das questões sociais". Reclama uma "nova compreensão do que seria o Produto Interno Bruto (PIB)", vinculando o crescimento e o PIB às conquistas sociais.

"O Brasil, em quatro anos, retirou da pobreza e colocou em níveis dignos de vida cerca de nove milhões de pessoas. Isso não tem impacto no crescimento econômico?", questiona, citando como exemplo do que está propondo a rediscussão do conceito de riqueza que o economista Patrick Viveret aborda em seu livro "Reconsiderar a Riqueza". A metodologia de cálculo do PIB usada no Brasil obedece a padrões internacionais e representa a soma do consumo, dos investimentos, dos gastos governamentais e das exportações, abatidas as importações. De certa forma, portanto, já contabiliza os efeitos das políticas sociais.

A curto prazo, Patrus Ananias quer reajustar os benefícios do Bolsa Família, algo em torno dos 15%. Discute também a criação de um prêmio para os alunos do programa com bom desempenho escolar - poderia ser o Bolsa Jovem - e planeja uma ação mais "vigorosa" nas periferias das grandes cidades e regiões metropolitanas.

A seguir, os principais trechos da entrevista concedida pelo ministro ao Valor:

Valor: Durante o primeiro mandato, o governo conseguiu conciliar a estabilidade e a distribuição de renda. Mas agora o país precisa crescer. O cobertor não é curto?

Patrus Ananias: Nós devemos repensar a questão do crescimento econômico à luz das questões sociais. Temos economistas, estudiosos, formuladores de políticas públicas, cientistas políticos, sociólogos, propondo uma nova compreensão do que seria o Produto Interno Bruto (PIB), vinculando o crescimento econômico e o PIB à conquistas sociais. O Brasil, em quatro anos, retirou da pobreza e colocou em níveis dignos de vida cerca de nove milhões de pessoas. Isso não tem impacto no crescimento econômico? Quais os indicadores, com que referências nós trabalhamos para medir o crescimento econômico e o PIB? Quando você calcula o PIB, calcula toda a produção, inclusive a mortífera - os ganhos econômicos, por exemplo, com a violência. Mas não inclui os ganhos reais que a sociedade está tendo: melhores condições de vida, longevidade, redução da mortalidade infantil. Penso que devemos, cada vez mais, aproximar as duas dimensões. Não dissociar o crescimento econômico do cotidiano das pessoas.

Valor: Vocês têm idéia do impacto desses nove milhões no crescimento da economia?

Ananias: Não temos pesquisas específicas. Mas é fundamental que tenhamos vigorosos investimentos sociais - investir no social é investir também no econômico. O Desenvolvimento econômico não é um fim em si mesmo. O fim em si é o bem comum do país. Temos de garantir a eficácia, buscar cada vez mais e melhores resultados. Temos que estabelecer prioridades.

Valor: Mas sem crescimento a longo prazo, a massa dos incluídos, mais cedo ou mais tarde, não ficará desprotegida novamente?

Ananias: Para isso, o próximo passo será intensificar ações intersetoriais. As políticas sociais não são isoladas. Uma criança, para ter um bom desempenho escolar, precisa ter saúde. Para isso, precisa ter alimentação, saneamento básico. Quanto mais integrarmos as políticas sociais, mais estaremos integrando as políticas econômicas. Essa oposição entre econômico e social me parece completamente equivocada.

Valor: Para crescer não seria preciso cortar despesas correntes, enfrentar a questão da Previdência e enxugar a máquina pública?

Ananias: Em tese sim. A gente sabe que os recursos são escassos, sobretudo no nosso caso, que acumulamos ao longo dos anos uma dívida social que nos desafia profundamente. O país não vai se encontrar plenamente enquanto não incluirmos nos direitos de nacionalidade e cidadania todos os compatriotas brasileiros. O Brasil tem que se acertar consigo mesmo.

Valor: No discurso de posse, o presidente falou que não era populista, e sim, popular. Qual a diferença?

Ananias: Populismo, no sentido mais imediato, é: atender determinadas demandas sem ter compromisso com o futuro, com o equilíbrio fiscal, com as condições necessárias para garantir o desenvolvimento sustentável. O popular é ter compromisso com o povo.

Valor: Mas durante a campanha o governo foi acusado de assistencialismo.

Ananias: A grande conquista nossa até aqui foi discutir as políticas públicas, políticas de Estado. Não há que se falar de assistencialismo, populismo, clientelismo, porque são políticas normatizadas, juridicamente falando, com critérios, regras, procedimentos, envolvendo os Estados, municípios, controle social etc.

Valor: Seria populismo então aprovar o 13º salário para o Bolsa Família?

Ananias: Não diria que é populismo, diria que é um ato que foge às características do programa. O que estamos discutindo com seriedade é a ampliação do valor do benefício do programa.

Valor: Esse aumento de 15%?

Ananias: Não está definido. Mas é um valor que faça a correção do benefício dentro da inflação acumulada no período.

Valor: Seria o mesmo percentual para todas as faixas, desde aqueles que recebem R$ 15 até os que recebem R$ 95?

Ananias: Ainda estamos discutindo para levar ao presidente os cenários até o fim deste mês. Nós podemos trabalhar com faixas diferentes. A idéia é um reajuste como fizemos com os níveis de entrada. Quando o programa, quando foi instituído, estabelecemos dois níveis. No primeiro, estavam as famílias muito pobres, com renda familiar mensal, por pessoa, de até R$ 50. E famílias pobres, com renda familiar, por pessoa, de até R$ 100. Essa linha de entrada foi reajusta de R$ 50 para R$ 60 e de R$ 100 para R$ 120 para acompanhar a inflação.

Valor: O Bolsa Família beneficia hoje 11 milhões de famílias. É o limite?

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Ananias: Nós atingimos, basicamente, o objetivo do programa. A última PNAD (Pesquisa Nacional por Amostragem Domiciliar) de 2004 apontou que, no Brasil, vivem hoje 11,1 milhão de famílias abaixo da linha da pobreza. É o que estamos atendendo hoje. Muitas vezes retiramos famílias do programas, outras saem porque atingiram níveis melhores de condições de vida.

Valor: Vocês têm essa estimativa?

Ananias: Temos 21 mil famílias que saíram por conta própria. Por outro lado, temos suspendido e cancelado benefícios quando constatamos irregularidades.

Valor: Como é feita a fiscalização?

Ananias: Antes do Bolsa Família, os programas sociais eram isolados, com cadastros próprios, antigos, que não se comunicavam. O primeiro passo foi a implantação do cadastro único. E pretendemos ampliá-lo com essas ações integradas. Para medir a pobreza, trabalhamos com renda e outros cruzamentos que indicam o maior ou menor potencial das famílias. Estamos aperfeiçoando, em parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento, as ferramentas tecnológicas de controle interno. O próprio cadastro indica irregularidades, caso de duplicidade de nomes, crianças que atingem a idade limite. Fazemos cruzamento com os cadastros do PIS, por exemplo, para saber quem está trabalhado.

Valor: Tudo centralizado no ministério?

Ananias: É uma ação integrada com a Caixa Econômica Federal. No caso do Benefício de Prestação Continuada (BPC), a ação é em conjunto com o Ministério da Previdência Social e Dataprev. Fizemos convênio com todos os Ministérios Público - Federal e estaduais, termos de cooperação com Tribunal de Contas da União (TCU) e queremos estender aos Tribunais de Contas nos Estados. Temos rede de parceiros com as Pastorais, ações integradas com a CGU. Além disso, estamos repassando os recursos para as prefeituras e pedindo que trabalhem conosco, fiscalizem as condicionalidades e propondo a construção de ações complementares.

Valor: Se o limite do Bolsa Família foi atingido, qual é o salto de qualidade para o próximo período?

Ananias: Esse número de 11,1 milhões exige um monitoramento permanente. O Brasil é um país muito dinâmico. Nós trabalhamos com a PNAD de 2004 que se remete à pesquisa do IBGE de 2000. O Brasil, em cinco, seis anos, muda muito social e demograficamente. Dentro das injustiças e desigualdades sociais, temos razoável mobilidade. Conhecemos pessoas que melhoraram suas condições de vida, pessoas que decaíram. Temos a questão dos pobres sem certidão, comunidades afastadas, quilombolas, indígenas, ribeirinhos, extrativistas.

Valor: E o salto?

Ananias: Atingida essa meta, considero que temos alguns desafios que já estamos enfrentando. O primeiro são as ações intersetoriais. O Bolsa Família não é um programa em si. Ele se insere num contexto, numa rede de políticas públicas de proteção e promoção social. Temos a integração do Bolsa Família com o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti). Estamos integrando o Bolsa Família com outro programa exitoso, que são os Centros de Referência e Assistência Social (CRAS). Com outros ministérios, estamos integrando o Pronaf. Além de ações conjuntas nas áreas de saúde e educação.

Valor: O senhor já dispõe de uma avaliação das contrapartidas na educação, por exemplo?

Ananias: O controle da freqüência nós temos. O próximo desafio é o controle do rendimento escolar. Pensamos, entre os aperfeiçoamentos do Bolsa Família, adotar uma recompensa para os alunos que tenham melhor aproveitamento escolar.

Valor: Seria o quê? Um estímulo financeiro?

Ananias: É isso. Uma bolsa, por exemplo. O presidente chamou de Bolsa Jovem, uma coisa assim. É uma idéia.

Valor: São as chamadas portas de saída do programa - condições para que as pessoas deixem de ser beneficiadas e passem a ser cidadãs?

Ananias: Estamos eliminando o termo portas de saída. Na minha terra, diz-se que "porta de saída é a serventia da casa". Quando a pessoa é indiscreta, é desagradável, dizemos isso. Dá a impressão que os pobres são indesejados, que estão incomodando. O que estamos fazendo é ampliar as portas de entrada para o trabalho, para a cidadania, para o empreendedorismo, para a inclusão em outros programas de geração de trabalho e renda. Além disso, há um desafio forte que se coloca para nós: a necessidade de uma ação mais vigorosa nas grandes cidades.

Valor: É o chamado pacote de cidadania?

Ananias: Eu ainda não conversei sobre isso com o presidente. A gente viaja pelo Brasil, vai nas médias cidades, nas menores, no interior, na área rural, a mudança é visível a partir dos nossos programas. Você sente claramente a mudança nessas comunidades. O desafio mais forte, mais vigoroso, é nas grandes cidades, especialmente na periferia das regiões metropolitanas. Lá a competição é mais difícil, mais penosa. Tem o crime organizado, o narcotráfico, o tráfico de armas, de pessoas, exploração sexual. É claro que cada ação (Bolsa Família, Prouni, Luz para todos) tem a sua especificidade. Mas quando o presidente falou em "pacote da cidadania" é exatamente isso: fazer com que o governo atue integradamente.

Valor: Uma pergunta que nunca ninguém lhe fez: o Bolsa Família ganhou a eleição para o presidente?

Ananias: Não. O primeiro ponto fundamental nisso tudo é a marca, o carisma do presidente. A liderança dele. É claro que além disso, as políticas sociais, é claro, cumpriram um papel. Do ponto de vista dos programas sociais, o governo avançou muito e acho que tem agora condições de avançar mais ainda nisso que o presidente chama de "pacote de cidadania". E há algo também muito importante: vamos fazer justiça também à política econômica, à estabilidade, ao controle da inflação, que asseguraram o poder de compra do salário mínimo e dos benefícios sociais. O país se colocou também diante de uma discussão importante.

Valor: Qual, ministro?

Ananias: Essa discussão sobre o papel do Estado. Não há crescimento econômico, desenvolvimento econômico e social sem a mais ampla e vigorosa participação da iniciativa privada, sem que sejam asseguradas as condições para os negócios. Mas nós sabemos que a empresa privada, por mais consciência e responsabilidade social, tem que visar o lucro. O fator Estado é fundamental para pensar a Nação a curto, médio e longo prazos e o compromisso com as gerações futuras, o planejamento estratégico. Eu acho que uma conquista importante do nosso governo foi exatamente essa: tratar a questão dos pobres de maneira responsável, colocar a questão social no campo das políticas públicas, no campo dos direitos, superando a fase do assistencialismo e, com todo o respeito, da filantropia.