Título: Inflação cresce mais no Brasil, mesmo com a atividade fraca
Autor: Lamucci , Sergio
Fonte: Valor Econômico, 06/08/2012, Brasil, p. A3

De 27 países que adotam o regime de metas de inflação, em apenas seis o índice de preços ao consumidor subiu mais do que os 4,9% registrados pelo indicador brasileiro nos 12 meses até junho. A comparação mostra que a inflação no Brasil segue elevada para padrões internacionais, mesmo com o fraco desempenho da atividade econômica brasileira desde o terceiro trimestre de 2011.

O mercado de trabalho aquecido, o grau de indexação ainda alto, a baixa taxa de investimento e a melhora da distribuição de renda nos últimos anos são os principais fatores apontados pelos economistas para explicar a resistência dos preços ao consumidor no país. Do grupo de 27 que usam o regime de metas, o Brasil é um dos 13 em que o índice em 12 meses está acima do centro do alvo perseguido pelo banco central - no caso brasileiro, de 4,5%.

A alta dos serviços continua a ser a principal fonte de pressão sobre a inflação brasileira, como nota o economista Francisco Pessoa, da LCA Consultores, que faz o acompanhamento dos países que seguem o regime de metas. Nos 12 meses até junho, o grupo formado por itens como aluguel, mensalidades escolares, cabeleireiro e empregado doméstico subiu 7,5%. No Chile, no mesmo período, os serviços avançaram 3,6%, mais que os 2,6% do índice "cheio", mas nada exagerado.

No Brasil, os serviços pressionados refletem em parte o mercado de trabalho apertado, com desemprego baixo e renda em alta, e a indexação ainda forte, acredita Pessoa. O salário mínimo, que subiu 14% neste ano, é uma referência poderosa para o rendimento dos empregados domésticos. No Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), esse item teve alta de 13,23% nos 12 meses até junho. A indexação à inflação passada influencia itens de serviços, como aluguéis, corrigidos em geral pelo Índice Geral de Preços de Mercado (IGP-M), e alguns preços administrados, como tarifas de energia elétrica e telefonia.

Para ele, a mudança estrutural em curso na economia brasileira, com melhora da distribuição de renda, também contribui para explicar a pressão sobre a inflação. Esse processo de elevação dos rendimentos aumenta a demanda por serviços, ajudando a explicar por que esse grupo anda a um ritmo tão superior aos outros preços.

O chefe de pesquisa para a América Latina do Goldman Sachs, Alberto Ramos, discorda dessa avaliação. "Países como Colômbia e Peru também passam por mudanças na estrutura social similares ao do Brasil, com a pobreza em queda e aumento da classe média, mas têm índices de inflação bem mais baixos", diz Ramos. Nos 12 meses até junho, o IPC na Colômbia ficou em 3,2%.

Para ele, há uma tolerância com um nível mais alto de inflação no Brasil, o que fica claro na própria meta definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). "A meta é de 4,5%, um número já elevado em comparação com os 3% do Chile e do México, por exemplo", diz Ramos, lembrando que ainda há uma banda de tolerância de 2 pontos percentuais, para mais ou para menos. Dos 27 países que adotam o regime de metas, apenas Gana (8,5%) e Turquia (5%) têm um centro da meta superior ao brasileiro. Desde 2005, o centro do alvo no Brasil está em 4,5%, nível já estabelecido também para os próximos dois anos.

Ramos afirma ainda que a inércia é elevada no Brasil, referindo-se ao fenômeno pelo qual a inflação passada alimenta a inflação futura. A indexação está bastante presente na economia, diz ele, fazendo coro com Pessoa. O salário mínimo, por exemplo, é corrigido pela inflação acumulada em 12 meses mais a variação do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos antes.

Esses fatores tornam mais fácil entender por que a inflação brasileira segue relativamente elevada, mesmo com o país crescendo pouco. Neste ano, o PIB deve crescer menos de 2%, e mesmo assim o IPCA tende a ficar um pouco acima do centro da meta, de 4,5% - os analistas ouvidos semanalmente pelo BC projetam 4,98% para 2012.

Para o ex-presidente do Banco Central (BC) Carlos Langoni, esse aparente paradoxo se deve ao fato de que a economia brasileira mostra estagnação do lado da oferta, com uma produção industrial capenga, mas ainda exibe um consumo privado forte, como evidenciam os números de vendas no varejo. "O mercado de trabalho segue apertado, próximo do pleno emprego, com salários reais em alta", diz Langoni, observando que isso leva a uma pressão sobre os serviços, que impedem uma queda mais forte do IPCA.

Ramos chama a atenção para a baixa taxa de investimento no Brasil, na casa de 19% do PIB, o que, para ele, limita o crescimento potencial a 3,5% a 4%. Conceito controvertido, o PIB potencial é aquele que não acelera a inflação. Países que investem mais conseguem crescer mais com menos inflação, diz ele. O Chile, que investiu o equivalente a 23% do PIB em 2011, pode ter mais crescimento com uma inflação mais baixa. No primeiro trimestre, a economia chilena teve uma expansão de 1,4% sobre o trimestre anterior, feito o ajuste sazonal. Na mesma base de comparação, o Brasil cresceu apenas 0,2%. Para Langoni, diretor do Centro de Economia Mundial da Fundação Getulio Vargas (FGV), o fato de a economia brasileira ser relativamente fechada, com exportações e importações na casa de 20% do PIB, também contribui para uma inflação relativamente mais alta.

Outro fator, esse mais conjuntural, é que o BC brasileiro passou a cortar os juros mais agressivamente a partir de agosto do ano passado, em resposta à deterioração do cenário externo e à desaceleração da atividade doméstica. Com isso, a convergência mais rápida do IPCA para a trajetória das metas ficou em segundo plano, embora a queda do indicador desde setembro de 2011 tenha sido razoável: no acumulado em 12 meses, caiu de 7,3% para 4,9% em junho deste ano. Não é um recuo desprezível, mas nessa base de comparação deixou o IPCA abaixo apenas dos 9,4% de Gana, dos 8,9% da Turquia, dos 5,6% da Hungria, dos 5,5% da África do Sul e da Sérvia e dos 5,4% da Islândia.