Título: Perpétuos do BB são "híbridos"
Autor: Lucchesi, Cristiane Perini
Fonte: Valor Econômico, 04/10/2006, Finanças, p. C10

O Banco do Brasil pleiteou ao Banco Central e conseguiu. Os US$ 500 milhões emitidos como bônus perpétuos no exterior em janeiro foram enquadrados em seu balanço como "instrumento híbrido de capital e dívida" do capital de nível 2 e não como "dívida subordinada nível 2". Com a decisão, o BB tem mais espaço para emissão de títulos que entram como capital e portanto para alavancagem futura, afirmou Augusto Braúna, diretor da área internacional do Banco do Brasil. Mais alavancagem com o mesmo total de recursos dos acionistas permite um retorno maior.

Somado, o capital de nível 2 só pode chegar a 100% do capital de nível 1, que inclui o dinheiro dos acionistas e reservas de lucros. Mas, segundo explica Fernanda Peres Arraes, analista máster do Banco do Brasil, o "instrumento híbrido de capital e dívida" pode chegar a 100% do total de capital de nível 1, enquanto a "dívida subordinada de nível 2" não pode passar os 50%. Ou seja, agora o BB tem mais espaço para emitir perpétuos ou papéis de dívida subordinada nível 2, além de outros instrumentos de dívida que entram no balanço como capital.

Pelas regras do BC brasileiro, os bancos precisam ter, no mínimo, um capital equivalente a 11% dos ativos ponderados pelo risco - é o chamado índice de Basiléia. Mais capital, portanto, significa mais espaço para gerar empréstimos e ativos rentáveis de uma forma geral. Se o aumento do capital é feito com dívida, "poupando" o dinheiro dos acionistas, cresce o retorno. Afinal, a rentabilidade de um banco é calculada pela divisão do lucro pelo capital em ações - quanto menor o denominador, maior o resultado da conta, portanto.

Os títulos perpétuos do BB puderam ser enquadrados como "instrumento híbrido de capital e dívida", pois possuem as características necessárias para isso, explica Fernanda Peres Arraes. Diferentemente da "dívida subordinada nível 2", o "instrumento híbrido" não pode ter prazo de vencimento final.

O "instrumento híbrido" tem que ter pagamento subordinado ao pagamento dos demais passivos, na hipótese de dissolução, com exceção das reservas de lucros, inclusive a reserva legal, e das reservas de capital. Deve permitir a postergação do pagamento de encargos (juros) enquanto não estiverem sendo distribuídos os dividendos das ações ordinárias. Em caso de colocação no exterior, devem ter estabelecido o tribunal para onde deverão ser encaminhadas as demandas jurídicas, no caso do Banco do Brasil, Nova York.

Com a decisão, o BB contabilizou um capital de nível 1 de R$ 19,138 bilhões em 30 de junho e de R$ 8,367 bilhões de nível 2, dos quais R$ 1,076 bilhão como "instrumento híbrido de capital e dívida" - o valor dos perpétuos.

Os bancos brasileiros já captaram US$ 1,5 bilhão no mercado internacional em bônus perpétuo (sem vencimento final) emitidos desde 2005. Além dos US$ 500 milhões do BB, o Bradesco, o pioneiro, captou US$ 300 milhões. O Unibanco obteve US$ 500 milhões e o Santander Banespa, US$ 500 milhões. Mas, o BC ainda não tem uma norma sobre como deve ser contabilizado esse dinheiro no balanço dos bancos, que têm adotado procedimentos diferentes.

Os bancos querem que o BC brasileiro inclua esses títulos como capital de nível 1, pois consideram que esses papéis são quase como ações preferenciais. A fórmula permitiria ainda maior alavancagem e retorno. Os bancos centrais dos Estados Unidos, França e Reino Unido já aceitam os bônus perpétuos como capital de nível 1, dentro de condições estritas. Nesses mercados, os bônus perpétuos podem compor apenas pouco mais de um terço do capital de nível 1. Outras autoridades monetárias, porém, ainda discutem o tema.

O Bradesco vem contabilizado os seus perpétuos como dívida subordinada de nível 2, explica o diretor José Guilherme Lembi de Faria. "Estamos aguardando uma regulamentação do BC com maiores definições", diz ele.

(Colaborou Alex Ribeiro, de Brasília)