Título: A virtualização da Justiça do Trabalho
Autor: Leal, Ronaldo
Fonte: Valor Econômico, 08/01/2007, Legislação, p. E2

O dia de hoje tem significativa importância não só para a Justiça do Trabalho. Seus desdobramentos para o futuro ainda serão devidamente avaliados pela sociedade, mas é possível vislumbrá-los desde já. A partir de hoje, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) adota oficialmente o "e-Recurso", passo fundamental para a virtualização do processo.

O e-Recurso exemplifica a nova forma de atuação da informática da Justiça do Trabalho. É um projeto inovador, desenvolvido em conjunto pelo TST e por quatro Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs), com foco na eliminação do maior gargalo da Justiça do Trabalho: o resíduo processual do TST, que, no fim de 2006 era de 233.942 processos.

O sistema foi implantado em 2006 nos 24 TRTs do país, permitindo a digitalização das peças processuais indispensáveis ao exame de recursos de revista e agravos de instrumento pelo TST e facilitando o exame de admissibilidade desses recursos. O módulo TST, que entra em funcionamento hoje, é completamente integrado ao sistema dos TRTs e foi idealizado para aproveitar os dados produzidos pelos regionais e para permitir ao tribunal superior uma ampla administração de seu acervo textual. No TST, o e-Recurso permitirá também a análise dos recursos extraordinários, com o envio eletrônico de informações e peças digitalizadas para o Supremo Tribunal Federal (STF).

Trata-se do resultado - parcial ainda, mas profundamente significativo - de um ano extraordinário, em que estivemos voltados para o futuro, para uma nova dimensão do Poder Judiciário: a dimensão da própria celeridade. Com a consolidação da informatização, teremos dado um passo gigantesco rumo ao processo judicial eletrônico, em que a prioridade é fazer com que a demanda chegue rapidamente ao fim, despida da burocracia tradicional que emperra e emperrou durante tanto tempo a Justiça. É o começo do fim do Judiciário como o conhecemos hoje, em que o processo convencional reúne centenas, às vezes milhares de folhas de papel e exige cada vez mais espaço físico para armazenamento nos órgãos judiciários.

Muitas foram as frentes em que tivemos de atuar para podermos, hoje, afirmar isso com tal segurança. Foram 13 anos de estudos e três de investimentos maciços em equipamentos e softwares com o objetivo de criar uma infra-estrutura que viabilizasse a completa informatização dos processos. Não é tarefa fácil: a integração de toda a Justiça do Trabalho exige uma padronização (de equipamento, de sistemas, de procedimentos e de rotinas de trabalho) que alcance as 1.378 varas do trabalho, os 24 TRTs e o próprio TST.

Entre 2004 e 2007, foram investidos mais de R$ 137 milhões, sempre priorizando a atividade jurisdicional, visando à implantação do Sistema Integrado de Gestão da Informatização (SIGI). O SIGI é o ousado plano estratégico de informatização da Justiça de Trabalho cujo objetivo é modificar um cenário em que não havia integração alguma entre os tribunais para chegar, de forma conjunta e coordenada, ao processo judicial eletrônico, atento a todas as premissas necessárias, como segurança da informação, metodologias de gerenciamento e desenvolvimento, políticas de gestão e investimentos, infra-estrutura tecnológica e capacitação, entre outros.

-------------------------------------------------------------------------------- A informatização dos procedimentos permite a extinção do segundo gargalo da Justiça do Trabalho: a execução --------------------------------------------------------------------------------

O reconhecimento desse trabalho é uma realidade que pode ser constatada pelas premiações recebidas pelo SIGI: Prêmio e-Gov - Governo Eletrônico, Prêmio Desburocratização dos Serviços Públicos, da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) e Fundação Getulio Vargas (FGV), e Anuário TI & Governo, da Editora Plano. Também merece destaque o fato de o SIGI ter sido apresentado em diversos eventos nacionais e internacionais de informática, a fim de divulgar a experiência do Judiciário trabalhista.

O sucesso inicial do e-Recurso, que se utiliza de toda a infra-estrutura do SIGI e teve curtíssimo prazo de desenvolvimento e implantação, deve-se, certamente, à forma integrada e participativa como foi idealizado e desenvolvido.

A informatização dos procedimentos permitirá, também, a extinção do segundo gargalo da Justiça do Trabalho: a execução. A adoção da sentença líquida, em que os valores da condenação já vêm expressamente definidos, eliminará uma fase processual - a da liquidação, ou seja, do cálculo do valor devido -, que, nos moldes atuais, pode se estender por até dois anos. E a execução propriamente dita encontrou no Bacen-Jud - sistema desenvolvido pelo Banco Central que permite ao juiz bloquear recursos de empregadores para o pagamento de condenações - uma ferramenta poderosa para impedir a protelação do pagamento das dívidas judiciais trabalhistas.

O desafio, porém, não se restringe a investimentos, máquinas e sistemas. Trata-se sobretudo de uma mudança de cultura - e este talvez seja o ponto mais difícil. Temos uma "cultura do papel", e as instituições públicas brasileiras sempre foram excessivamente burocratizadas. E mudanças geram receio. Àqueles que temem a extinção do processo em papel, afirmo que não há porque temer que a Justiça informatizada vá cancelar garantias ou impedir o exame adequado das questões. Os processos vão continuar processos, apenas o meio é que muda. O juiz vai continuar com sua tarefa institucional e intransferível: a aplicação do direito ao caso concreto, dando a satisfação, ou não, daquilo que a parte pede. E isso em um prazo muito mais curto. Ganham, portanto, todos: o Judiciário, a sociedade e, sobretudo, o trabalhador brasileiro - aquele a quem nosso trabalho se destina.

Ronaldo Lopes Leal é presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST)

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