Título: Emissão em moeda local ganha terreno ante dólar
Autor: The Economist
Fonte: Valor Econômico, 26/02/2007, Finanças, p. C5

Rafael Correa proporcionou uma nova face à presidência no Equador e certos hábitos anacrônicos ao Tesouro do país. Na semana passada ele reclamou de US$ 135 milhões em juros devidos sobre bônus de seu país lançados no mercado internacional, antes de se render no último minuto. Correa acha que parte da dívida do Equador é "ilegítima" e que não precisa ser paga no prazo e no todo.

Esse tipo de volubilidade está fora de moda entre os vizinhos e parceiros do Equador. Os títulos de dívida soberana dos mercados emergentes nunca foram considerados tão seguros, a julgar pelos preços que os investidores estão dispostos a pagar por seus papéis. Nos últimos 15 anos, a medida tradicional desse risco foi o índice de bônus dos mercados emergentes (Embi), compilado pelo JP Morgan, que monitora os preços dos bônus denominados em dólar desde que os mercados de capitais internacionais voltaram a abraçar as economias emergentes, no começo da década de 1990. A versão global deste índice rendeu no mês passado apenas 1,67 ponto porcentual mais que os títulos do Tesouro dos Estados Unidos. Foi o menor spread de todos os tempos. Os chiliques que Correa teve desde então mal provocaram uma marola nos mercados.

A aposentadoria, e não por delinqüência, é um destino mais elegante para os bônus dos mercados emergentes hoje em dia. Muitos governos vêm tentando recomprar quase todas as suas dívidas externas, num esforço para impressionar credores e alcançar o grau de investimento.

O estoque de dívida externa está tão baixo - e os spreads, tão pequenos - que o JP Morgan está perdendo a fé em seu próprio índice referencial. Spreads sobre o Embi global não "refletem dinâmicas atualmente em curso nos mercados emergentes", diz o banco.

A obsolescência do índice reflete o declínio do dólar enquanto moeda preferencial das economias emergentes para a tomada de empréstimos. Os bônus em dólar respondem por apenas 28% das dívidas pendentes desses governos. Títulos emitidos locais estão recebendo mais atenção dos investidores, afirma o JP Morgan.

É uma boa mudança. Depois de crise financeira asiática, Barry Eichengreen da Universidade da Califórnia em Berkeley e Ricardo Hausman, de Harvard, observaram que todas as economias emergentes atingidas pela crise sofreram com o mesmo "pecado original": seus governos não podiam tomar crédito em suas próprias moedas. Até países com políticas sólidas, como o do Chile, sofriam desse problema. Como resultado, as crises cambiais automaticamente se transformaram em crises de dívida. Quando uma moeda local caía, o peso das dívidas do país denominadas em dólar aumentava, sempre a níveis insustentáveis.

Desde então, as economias emergentes vêm passando por um tipo de redenção. Os preços favoráveis das commodities nos mercados globais e as boas exportações de industrializados têm dado a eles superávit comercial coletivo. O dólar, tido como porto seguro na década de 1990, agora vê o pessimismo em relação a seu futuro elevar a demanda dos investidores por moedas consideradas subvalorizadas. Até a Argentina, que ainda está brigando na justiça com detentores de bônus descontentes com o calote aplicado em 2001 está emitindo dívida nova em pesos e encontrando compradores.

Há mais nessa transformação que uma oscilação padrão no ciclo de negócios. Muitos países agora lançam suas moedas no mercado até certo ponto. A maioria abandonou as emissões desenfreadas que prepararam o caminho para os defaults subseqüentes. E embora emitir bônus denominados em dólar seja mais barato, numerosos ministros de Finanças parecem pensar que a segurança da tomada de crédito em suas próprias moedas vale o custo. É sempre reconfortante saber que você pode imprimir o dinheiro que você deve.

Além disso, quanto mais divida soberana - e corporativa - for emitida em moedas locais, mais intensos e resistentes os mercados de capitais locais se tornam. Até mesmo os governos com superávits orçamentários saudáveis estão emitindo novos títulos, num esforço para agregar liquidez aos seus sistemas financeiros. Seus títulos fornecem um referencial para os bônus corporativos, permitindo às empresas tomar recursos por períodos mais longos. Com as moedas sob um melhor controle, os mercados de derivativos e a securitização de produtos como hipotecas, também começam a crescer. Em algum momento, a classe média dessas nações poderá gozar do tipo de acesso ao crédito que os consumidores dos países ricos têm como garantido.

Apesar do crescimento explosivo projetado para esses mercados de capitais, ainda é muito cedo para "dar baixa" no pecado original ou no Embi. Os analistas ainda valorizam esse índice, tomando como um indicador do risco de se investir nesses países. E poderá ser preciso apenas um banqueiro central velhaco para fazer os investidores correrem de volta para o dólar. "A capacidade de tomar empréstimos em nossa própria moeda é uma grande conveniência", diz Arijit Dutta, que cobre os mercados emergentes para a Morningstar, uma firma de análises de investimentos. "No longo prazo, serão as melhorias estruturais que vão determinar se eles continuarão com esse privilégio." Os redimidos sempre podem ter uma recaída.