Título: Lewandowski vota com o relator
Autor: Basile , Juliano
Fonte: Valor Econômico, 23/08/2012, Política, p. A7

Utilizando argumentos diferentes do relator do mensalão, ministro Joaquim Barbosa, e uma ordem diversa de votação, o revisor, ministro Ricardo Lewandowski, seguiu as mesmas conclusões do primeiro e votou pela condenação dos quatro réus envolvidos no desvio de dinheiro público por meio do fundo Visanet: Henrique Pizzolato, ex-diretor de marketing do Banco do Brasil, o publicitário Marcos Valério e seus sócios Ramon Hollerbach e Cristiano Paz.

A inversão de Lewandowski acabou deixando para hoje a votação sobre as acusações contra o deputado João Paulo Cunha (PT-SP). Barbosa começou a votar o mensalão apontando desvio de dinheiro da Câmara num contrato assinado por João Paulo com a agência SMP&B, de Valério. Depois, o relator pediu punição a Pizzolato e aos sócios do publicitário na DNA Propaganda por causa de desvios do BB através do fundo Visanet.

Lewandowski alegou que seria mais lógico começar por Pizzolato e deixou João Paulo para depois. "Por uma questão de lógica, racionalidade e melhor condução dos trabalhos, iniciarei o meu voto pelos fatos relatados nos contratos de publicidade do Banco do Brasil", justificou.

O revisor advertiu que está seguindo a ordem definida pela maioria dos ministros pela qual o mensalão será decidido por itens - da qual ele discorda, mas, vencido, aderiu. Ontem, ele alterou a ordem dentro do item três da denúncia, que envolve tanto o episódio de desvio de dinheiro no BB quanto na Câmara.

Lewandowski também afirmou que, uma vez definida essa ordem por itens, ele só pode se manifestar sobre um réu após o relator fazê-lo. "Anuncio que não ultrapassarei os lindes tratados por vossa excelência [Barbosa]. Entendo que, se assim o fizesse, estaria ultrapassando o relator e ferindo o artigo 135 do regimento interno", completou, referindo-se ao dispositivo que determina que os demais ministros só podem votar após o relator e o revisor.

Com isso, Lewandowski deu o recado de que não concordaria com uma eventual antecipação de votos pelos demais ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre fatos não apreciados previamente pelo relator e por ele mesmo. Foi uma mensagem, ainda que indireta, contra a hipótese de o ministro Cezar Peluso, que se aposenta em 3 de setembro, antecipar seu voto sobre itens que o relator ainda não tratou.

Caso Peluso não antecipe o seu voto, o STF pode chegar a empates em relação a alguns réus, pois a Corte vai ficar com 10 ministros, ao invés de 11. Peluso não participaria da maior parte das votações e ficaria de fora do item final - o ponto mais importante do julgamento do mensalão: a acusação de formação de quadrilha, que, segundo o Ministério Publico, teve José Dirceu, ex-ministro-chefe da Casa Civil, como chefe.

Como o relator e o revisor votaram por punições a Pizzolato, Valério, Paz e Hollerbach, a expectativa é a de que os demais ministros condenem todos eles. As penas serão conhecidas apenas ao fim do julgamento. Já Luiz Gushiken, ex-ministro da Comunicação Social do governo Lula, deve ser absolvido, pois tanto o relator quanto o revisor não encontraram provas de que ele tratou dos desvios com Pizzolato. Ao todo, foram desviados R$ 73 milhões do BB num contrato com a DNA.

O esperado contraponto que Lewandowski faria a Barbosa ficou apenas na linha de argumentação. Ao condenar Pizzolato por peculato, o revisor seguiu um fundamento distinto do usado pelo relator. Barbosa identificou desvio de R$ 2,9 milhões na retenção de bônus pela DNA, que, segundo ele, deveriam ter sido remetidos ao BB por determinação contratual. Já Lewandowski entendeu que os bônus de volume são de propriedade da agência. "São aqueles prêmios, aqueles incentivos que as agências recebem dos veículos de comunicação pelo número de publicidade que veiculam nesses meios de comunicação", definiu.

Após sinalizar que poderia absolver Pizzolato nesse ponto, Lewandowski disse que mudou de ideia ao ver que a DNA falsificou notas fiscais sobre esses bônus. "Eu estava convencido até ontem à noite e me deparei com documentos que me fizeram dar uma guinada em direção ao voto de Barbosa", disse o revisor.

"Ainda bem. Eu estava preparado para minha réplica", afirmou o relator. "Deixemos a réplica para outra oportunidade", respondeu Lewandowski. "Na medida em que alguém grosseiramente cobre o bônus de volume por outros tipos de serviço, como agenda ou artigos de escritório, me parece que a fraude é flagrante", completou.

Assim como Barbosa, Lewandowski condenou Pizzolato por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Já Valério, Paz e Hollerbach sofreram votos por corrupção ativa e peculato. Os três teriam sido responsáveis pelo repasse de R$ 326 mil ao ex-diretor do BB e se beneficiaram de antecipação indevida de verbas do fundo Visanet à DNA. O revisor disse que Valério "apropriou-se de recursos públicos em conluio com Pizzolato, forjando notas fiscais e adulterando a contabilidade para conferir legalidade a operação fraudulenta". Paz "não estava totalmente alheio às negociações de doações de campanha que passaram pela agência" e Hollerbach "era partícipe dessa trama".

A réplica de Barbosa pode ser feita hoje, caso Lewandowski discorde do voto em que o primeiro condenou João Paulo por peculato, lavagem de dinheiro e corrupção passiva. O deputado recebeu, em 2003, R$ 50 mil - dinheiro sacado por sua mulher, o que, de acordo com Barbosa, foi a contrapartida para contratar a agência SMP&B para serviços de publicidade na Câmara dos Deputados.

Lewandowski deve fazer uma reavaliação da imputação de cada um dos três crimes a João Paulo. Certamente, o revisor vai adotar um caminho diferente, mas pode chegar a conclusões semelhantes às do relator. Como Lewandowski admitiu que mudou na véspera o teor de seu voto sobre o desvio de dinheiro no BB, o resultado sobre o desvio na Câmara se tornou imprevisível.

"Nós tivemos o contraponto que o revisor disse que faria apenas em termos doutrinários e de fundamentação, mas não para absolver ou condenar", resumiu o ministro Marco Aurélio Mello. "O voto do revisor é complementar ao meu", disse Barbosa. "Mas são abordagens diferentes", concluiu.