Título: Dissídios do trimestre mantêm aumento real
Autor: Maia, Samantha e Bueno, Sérgio
Fonte: Valor Econômico, 09/10/2006, Brasil, p. A3

As categorias com data-base no terceiro trimestre continuaram a negociar acordos salariais com pagamento de aumento real. Negociações como a dos bancários - sem percentual de correção acima da inflação - têm sido raras no setor industrial. Mesmo aquelas categorias cujos setores estão afetados pelo câmbio apreciado - caso de calçadistas e têxteis - têm feito acordos com aumento real superior ao negociado no ano passado. Os baixos índices de inflação - que em 12 meses estão inferiores a 3% - têm sido um dos fatores que estão tornando as negociações deste ano mais tranqüilas.

Os 12 mil trabalhadores nas indústrias calçadistas da Grande São Paulo receberam este ano um reajuste de 2,15% além da inflação acumulada até junho deste ano - a data-base da categoria é em julho. De julho do ano passado até junho deste ano, a inflação acumulada foi de apenas 2,8%, segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), o que acabou por facilitar a negociação de um percentual maior.

Em 2005, o aumento real foi de apenas 1% e a inflação no período havia sido bem maior, de 6,28%. "Na Grande São Paulo, o setor calçadista é mais voltado para o mercado interno e tem conseguido resultados bons nas vendas", diz José Carlos Guedes, presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Couro e Calçados de São Paulo.

Mesmo tendo uma parcela maior do mercado no exterior, as indústrias de calçados de Novo Hamburgo, cidade gaúcha localizada no Vale do Rio dos Sinos, fecharam um acordo para pagar 4% de correção salarial, sendo 2,87% de variação do INPC mais aumento real de 1,13%. A data-base da categoria é agosto.

O sindicato dos trabalhadores queria 10%, mas admite que o resultado foi melhor do que o 0,46% de aumento real obtido em 2005, ainda mais no cenário de crise do setor, inclusive com a extensão da validade das cláusulas sociais de um para dois anos, incluindo garantia no emprego para trabalhadores a 18 meses da aposentadoria, além de estabilidade adicional de dois meses após a licença-maternidade, auxílio-creche, auxílio-funeral e bolsa de estudos de R$ 157 mensais. Já o piso salarial dos sapateiros voltou a acompanhar a variação do salário mínimo regional e subiu 8,35%, para R$ 1,88 a hora, ou R$ 413,60 por mês, informou o diretor do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Calçados, Luciano Fagundes.

Para os metalúrgicos do ABC do setor de bens de capital (máquinas e eletroeletrônicos, chamado grupo 9) o reajuste foi de 5%. O valor superou em 2,07% a inflação acumulada no ano, de 2,8%. Os demais setores (montadoras, autopeças e fundição) já fecharam, em 2005, acordo de aumento real entre 1,3% e 1,99% estendido para este ano, que já previa a reposição pela inflação, com exceção do grupo 10, dos funcionários de lâmpada e estamparias, que tem data-base em novembro. Em 2005, pela primeira vez, a categoria negociou cláusulas econômicas válidas por dois anos.

A negociação do Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Têxteis de Blumenau, Gaspar e Indaial (Sintrafite), com os empresários durou três rodadas e foi fechada no dia 23 de setembro - mês da data-base - com aumento real de 1,15%, sendo o reajuste total de 4%. O pedido inicial dos trabalhadores foi de 5% de aumento real e mais 2,85% para repor as perdas da inflação, baseada no INPC acumulado de setembro de 2005 a 31 de agosto de 2006. Mas os empresários alegaram a competitividade com chineses e ainda os efeitos do câmbio para puxar o valor da negociação para baixo.

Segundo Jaimir Ferrari, presidente do sindicato que representa 27 mil trabalhadores, na terceira rodada os patrões melhoraram a oferta, que envolveu também reajuste do piso da categoria em 11%, saindo de R$ 410 para R$ 450 e mudança em benefícios: o trabalhador poderá tirar dois dias de folga do trabalho para levar seu filho de até seis anos ao médico, sem que isso seja descontado do seu salário. Antes o benefício contemplava apenas um dia. E houve reajuste de 10% no auxílio creche.

Embora a negociação não seja avaliada como satisfatória pelo sindicato, ela foi tida como boa se comparada com a negociação do próprio setor no ano passado, quando os trabalhadores ganharam apenas 0,5% de reajuste e 9% de aumento no piso. Para Ferrari, a conjuntura do setor está melhorando e existe a expectativa de um bom segundo semestre, depois de ajustes de redução de custos que foram feitos nas empresas exportadoras, após a valorização do real.

No Paraná, de acordo com o economista Cid Cordeiro, do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-econômicos (Dieese), mesmo no segundo semestre foram conseguidos ganhos reais na maioria das negociações. Ele citou os acordos verificados na empresa de alimentos Kraft Foods e das montadoras de automóveis Volkswagen, Renault e Volvo. "Nesses casos o aumento real ficou acima de 2% e todos os trabalhadores tiveram pagamento de abono salarial", contou.

No caso da Kraft, cuja data-base é agosto, foi dado reajuste nominal de 5% e real de 2,07%, além de abono de 0,4 salário. Para conseguir isso, eles não precisaram fazer greve, ao contrário dos mais de 8 mil metalúrgicos, que no fim de setembro cruzaram os braços por quase uma semana para exigirem propostas com aumento real de 5%. O acerto só foi feito na quinta proposta, quando foi oferecido reajuste real de 2,68% mais abono de R$ 700.

"Os resultados estão no mesmo ritmo do primeiro semestre", garante Cordeiro. Ele contou que outra empresa que está em negociação com os funcionários é a companhia de energia do Paraná, a Copel, que tem 8 mil trabalhadores e data-base em outubro. De acordo com ele, há a expectativa de que, além de aumento real, a empresa negocie o adicional por tempo de serviço. "Os trabalhadores tiveram perdas de 1998 a 2003 e os sindicatos estão tentando recuperar isso", explicou o economista, que cita outros dois fatores para esse movimento: o aumento real do salário mínimo e a baixa taxa de inflação, que resulta em reajustes muito pequenos.

Um levantamento do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese) apurou que no primeiro semestre deste ano 96% das categorias conseguiram negociar acordos que repuseram pelo menos a inflação. O percentual de acordos que superaram a inflação, medida pelo INPC, chegou a 82%, número bem acima dos 67,4% dos seis primeiros meses do ano passado.

Os comerciários de São Paulo, que reúnem cerca de 600 mil trabalhadores, têm data-base em setembro, mas, como os bancários, ainda não conseguiram fechar acordos. A categoria pede reajuste de 5% e adicional de horas extras de 60%. "O setor este ano foi morno, deve crescer apenas 2%, mas há ganhos de anos anteriores que não foram repassados aos trabalhadores", diz o presidente do Sindicato dos Comerciários de São Paulo, Ricardo Patah.

Além das cláusulas econômicas, está na mesa de negociação o trabalho no dia 1º de maio e a instituição de folga de um fim de semana em cada três. Hoje a categoria trabalha dois para folgar um. Segundo Patah, a categoria não aceitará flexibilizar esses pontos. "O 1º de maio, 25 de dezembro e 1º de janeiro são as únicas datas em que não abrimos mão da folga."

Os farmacêuticos que trabalham em drogarias e distribuidoras em São Paulo, com data-base em julho, também conseguiram reajuste acima da inflação, de 4,5%. Mas o diretor do Sindicato dos Farmacêuticos, Deodato Rodrigues Alves, diz que a categoria - cerca de 30 mil trabalhadores em todo o Estado - tinha expectativa de conseguir no mínimo 6%. "O setor teve um crescimento favorável, e no ano passado o reajuste foi de 7,25%", diz. O piso foi fixado em R$ 1.401,50 e houve ampliação de direitos como o auxílio creche e vale transporte.