Título: Dilma faz as contas
Autor: Rothenburg, Denise
Fonte: Correio Braziliense, 08/11/2010, Política, p. 4

A nova presidente disse que não pretende encaminhar a CPMF ao Congresso. Mas a pergunta não é essa. Precisamos saber se ela arregimentará a ampla base governista em favor da contribuição, uma vez que o tema já está em discussão no Parlamento

A transição começa hoje marcada pela lebre da volta da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), o tal imposto do cheque. A grita geral contra mais essa carga no bolso do contribuinte que tem conta em banco e, em especial, as reclamações sobre a falta de discussão desse tema na eleição só ajudam a reforçar a tese de que a nossa campanha presidencial foi pobrezinha. Os candidatos, se brincar, foram mais a igrejas do que a debates. E, quando debateram, era tudo tão engessado que mal dava para saber o pensamento real sobre vários temas.

Agora que a marquetagem acabou, chegamos a menos de dois meses da posse da presidente eleita sem saber direito o que ela fará. Sabemos apenas que dará continuidade ao governo Lula. Sim, mas e os detalhes? Ninguém sabe ao certo. Estamos às escuras e não seria diferente se José Serra tivesse vencido. Isso porque não houve uma discussão e nem comparação de programas de governo. Mas, agora é tarde e a campanha é morta. Temos Dilma Rousseff presidente e cheia de vontade de acertar, embora ainda não tenhamos claramente nada a respeito de seu futuro governo.

Sabemos apenas que, sem os marqueteiros no comando, todos voltaram às roupas de guerra, sem maquiagens fortes e com o discurso voltado à dura realidade das contas públicas. Nesse contexto, ressurge a CPMF. E não é para menos. No sábado, reportagem de Leandro Kleber, do Correio Braziliense, mostrou que o restos a pagar de anos anteriores chegam a R$ 50 bilhões. Se levarmos em conta que os investimentos públicos anuais, descontadas as estatais, são inferiores à metade desse valor não é demais concluir que se alguém quiser aumentar o bolo da saúde terá que buscar recursos extras, seja pela CPMF ou outra ação qualquer.

A presidente Dilma disse há uma semana que não pretendia encaminhar a recriação da CPMF ao Congresso. Mas a pergunta não é essa. Precisamos saber se ela arregimentará a ampla base de seu futuro governo em favor da contribuição, uma vez que o tema já está em discussão no Parlamento, travestido de Contribuição Social da Saúde (CSS). A agenda parlamentar da presidente eleita é ainda uma incógnita. Sabemos apenas que dará prioridade à saúde e à segurança pública.

Se ela não quiser mobilizar a sua bancada para aprovar a CPMF, essa tarefa ficará por conta dos governadores. Se eles tiverem sucesso, será, se não me falha a memória, a segunda vez em oito anos que os governadores conseguem levar os congressistas a favor de seus desejos. A primeira foi a distribuição de royalties do pré-sal entre todos os estados.

A diferença é que a divisão igualitária dos royalties aumentava a receita sem mexer no bolso do contribuinte. Agora é diferente. E, para completar, o levantamento feito dia desses pelo jornal Estado de S.Paulo apontou que apenas 14 dos 27 governadores defendem o imposto. Ontem, o governador de Sergipe, Marcelo Déda, me disse que a conta não é bem assim: ¿Hoje, existem aqueles que defendem abertamente e aqueles que estão dentro do armário e torcem pela aprovação da CSS¿. Referia-se aos outros 13.

A avaliação geral é de que aprovar a CPMF só mesmo com um saco de bondades que compense o contribuinte. E, se for assim, o governo terá que cortar gastos em algum lugar. O cenário atual mostra que a receita cresceu duas vezes o que o governo perdeu de CPMF, mas os recursos da saúde não aumentaram.

Caberá à equipe de transição que começa hoje avaliar se o melhor é a ampla reforma tributária, a CPMF curta e grossa ou a redução dos juros, como sugeriu o governador do Ceará, Cid Gomes. Pode ainda simplesmente juntar várias ações que enxuguem a administração pública e ajudem a compor um caixa capaz de fazer jorrar dinheiro na Saúde. Veremos o que fará. Pena não ter havido uma discussão assim durante a campanha. Um tempo que não volta mais. Que fique de lição para a próxima.