Título: Quanto custa o mensalão? Uma análise econômica do julgamento
Autor: Basile , Juliano
Fonte: Valor Econômico, 27/08/2012, Política, p. A6

Quanto custa o mensalão? Há várias formas possíveis de resolver essa questão. A primeira delas é mais facilmente perceptível nas notícias que têm veiculado o Valor em sua cobertura do "julgamento do século". Desde a primeira plenária, o ministro Marco Aurélio Mello pediu sessões extras para o Supremo Tribunal Federal (STF), visando superar os entraves de um "tribunal de um processo só". O Valor também se dedicou à análise dos custos gerados pela "invasão da pauta do STF" provocada pela Ação Penal nº 470, obstruindo o julgamento de causas bilionárias. E outra preocupação que se deve ter com a metodologia do fatiamento é não engessar a prestação jurisdicional, sem perder de vista que o funcionamento do STF é um fator decisivo também na dinâmica da vida negocial.

Sabe-se que o tempo do processo pode ainda afetar a composição do tribunal, já que é grande a expectativa em torno da aposentadoria do ministro Cezar Peluso. Se chegará a apresentar seu voto ou se pedirá a antecipação, o certo é que o "fatiamento" do julgamento do mensalão tende a prejudicar a consistência de sua decisão.

E enquanto se vai realizando a solução do caso, os efeitos danosos que a corrupção gera a respeito do Brasil seguem ocupando as principais análises estrangeiras a nosso respeito. No mundo da economia, o que importa realmente é a capacidade que tem o nosso ordenamento jurídico-penal de prevenir que os investidores tenham afetada a dinâmica dos seus negócios ou a incerteza quanto à existência ou não de vínculos dos agentes econômicos com o governo a ponto de inibir a liberdade de mercado. Se a análise econômica do mensalão tem algo a nos ensinar é que confiança nos negócios representa, antes de tudo, valor agregado.

Até o momento, o julgamento se baseou em pouco usual interpretação da "infração de dever de cuidado" dos agentes econômicos. É de se perguntar se pode, de fato, uma decisão de tão elevados custos se apegar a elementos genéricos, tais como "violação geral do dever de cuidado" ou mesmo demonstrações um tanto imprecisas de existência de dolo em vista da "múltipla violação de deveres". À diferença de uma aferição específica de provas ou identificação concreta dos comportamentos ilícitos, a persistir essa fundamentação dos votos, é bem provável que haja condenações pela simples omissão de dever de cuidado, algo difícil de se aceitar.

Entre os penalistas, reconhecem-se figuras como o "déficit de organização", que leva em consideração o dever de cuidado desde uma perspectiva menos volátil. Muitas vezes, na dinâmica dos negócios, as informações revelam imperfeições ou não são imediatamente verificáveis, tamanha a complexidade das informações prestadas ou até mesmo a ausência de clara metodologia da instituição responsável pela fiscalização dos dados. Ou bem se diz que as provas são insuficientes ou os ministros poderiam se valer de um grupo de analistas experimentados - um corpo de "jurados economistas" - para auxiliar a formação de seu livre convencimento, de tal forma que a demonstração cabal das provas admitidas em direito não seja tão drasticamente reduzida à subjetividade do decisor. E tudo isso tem um custo.

Uma expectativa razoável em relação ao manejo técnico da decisão poderia ser a definição do risco permitido nos negócios especulativos, que, aliás, a partir de análise econômica, poderia converter a atuação penal do STF em elogiosa capacidade de regulação penal em contextos de fragilidade econômica e crise financeira. Em uma palavra: definir os níveis de risco negocial e corrupção mais ou menos suportáveis às garantias constitucionais próprias ao modelo brasileiro de Estado de Direito.

Será que devemos insistir em buscar os "custos da aplicação das garantias constitucionais"? Não parece que seja esse o caso, isso já nos custou muito. A decisão do STF custará à sociedade brasileira a configuração do seu modelo de Estado, se de fato vale nossa Constituição e vivemos em um de Direito. Só assim é que o crime não compensa. A análise econômica do julgamento pode seguir nos auxiliando a definir ou a criticar o modelo jurídico adotado pelo STF, por permitir estabelecer parâmetros para ponderar sobre o rendimento de nossas instituições e avaliar seu alinhamento às normativas internacionais. Com esse comportamento, o STF certamente pode contribuir para controlar o risco país, os entraves à segurança pública e o incentivo ao desenvolvimento econômico.