Título: Publicitários são os primeiros condenados
Autor: Basile, Juliano; Magro, Maíra
Fonte: Valor Econômico, 28/08/2012, Política, p. A10

O ex-diretor de marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato e os publicitários Marcos Valério, Cristiano Paz e Ramon Hollerbach são os primeiros a receber maioria de votos pela condenação no julgamento do mensalão. Ontem, 6 dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) concluíram que eles devem ser punidos por corrupção e peculato por desvio de dinheiro público do BB.

Já o deputado João Paulo Cunha (PT-SP) recebeu quatro votos contrários e dois favoráveis. Ele é acusado de desvio de verbas da Câmara.

O julgamento será retomado amanhã com os votos dos cinco ministros que ainda não se manifestaram, a começar por Cezar Peluso, que terá mais duas sessões no STF antes de se aposentar, em 3 de setembro, quando completa 70 anos.

A tendência é de confirmar o placar desfavorável a Cunha, assim como a outros réus. Ontem, ao apresentar seus votos, os ministros Luiz Fux e Rosa Weber levantaram premissas que, se acompanhadas por outros integrantes da Corte, podem levar à condenação de José Dirceu, ex-ministro-chefe da Casa Civil, e de outros integrantes do partido, como Delúbio Soares, e parlamentares que foram beneficiados por saques feitos no Banco Rural com aval de Valério.

Fux e Rosa são os dois únicos integrantes do STF que foram indicados pela presidente Dilma Rousseff. Junto com a ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, eles seguiram o voto do relator, ministro Joaquim Barbosa. Rosa discordou apenas de uma das acusações de peculato contra Cunha, envolvendo a subcontratação de uma empresa na Câmara, mas manteve outra - a que trata do contrato daquela Casa com a agência SMP&B, de Valério -, além das punições por corrupção.

Já o ministro José Antonio Dias Toffoli, que foi indicado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva após ter advogado para o PT e trabalhado com Dirceu na Casa Civil, seguiu o voto do revisor, ministro Ricardo Lewandowski. Toffoli absolveu Cunha e os demais réus das acusações de desvio de dinheiro na Câmara, indicando que deve ser bastante brando no julgamento. O ministro condenou apenas os réus acusados de desvio de dinheiro no BB. No começo do julgamento, Toffoli evitou declarar-se impedido, apesar das ligações estreitas e históricas com o PT.

Numa prévia a uma das discussões centrais do julgamento, Rosa ressaltou que pretende considerar as provas testemunhais. Isso vai ser fundamental no caso de Dirceu, pois as provas contra ele são basicamente de depoimentos que descrevem o papel central do ex-ministro nas negociações para busca de apoio político. Para enfatizar essa tese, a ministra comparou casos de corrupção com crimes hediondos. "No estupro é quase impossível uma prova testemunhal. Nos delitos de poder não deve ser diferente. Quanto maior o poder ostentado, maior a facilidade de esconder o ilícito."

Fux seguiu Rosa em outro ponto importante: ambos pretendem levar em consideração as provas produzidas em CPIs. Advogados dos réus foram praticamente unânimes em defender que apenas provas que foram submetidas ao contraditório nos autos do STF deveriam ser utilizadas. Com isso, eles querem afastar os depoimentos da CPI dos Correios do julgamento. "Não podemos abrir uma CPI dentro do STF, mas podemos usar os dados que nos foram trazidos aqui", afirmou Fux.

Rosa disse ainda que não é fundamental mostrar a contrapartida dada por quem recebeu dinheiro ilícito para condená-lo por corrupção. Essa é uma das discussões, pois vários réus alegam que o dinheiro que receberam não foi utilizado para votar a favor do governo Lula no Congresso, mas sim, caixa dois de campanha. A ministra não apenas refutou essa tese de que é necessária a comprovação dos chamados "atos de ofício" como acrescentou que o fato de alguns réus terem cargos de comando deve ser considerado contra eles pelo STF.

"A indicação de ato de ofício [contrapartida] não integra o tipo legal da corrupção passiva", afirmou Rosa. "Basta que o agente público tenha o poder de praticar atos de ofício para que se possa consumar o crime do artigo 317 do Código Penal", completou, referindo-se ao dispositivo que trata de corrupção. Para a ministra, primeiro pune-se por corrupção e, depois, ao se comprovar o ato de ofício, aumenta-se a pena. "Quem vivencia o ilícito procura a sombra e o silêncio. O pagamento de propinas não se faz perante holofotes."

Rosa ressaltou ainda que, se um réu recebeu dinheiro ilícito, não é necessário verificar a destinação que ele deu a esse montante para que seja condenado. "Não importa como aplicou o dinheiro depois, como efetuou a despesa, se foi dinheiro para pesquisas eleitoral ou para campanha. Em qualquer hipótese, a vantagem não deixa de ser indevida."

A ministra fez essas premissas para, em seguida, dizer que "é incontestável o recebimento de R$ 50 mil por João Paulo Cunha". O dinheiro foi retirado pela mulher do então presidente da Câmara, em 2003, no Banco Rural, com autorização de Valério, após a agência desse último ter vencido licitação para prestar serviços de publicidade para a Câmara.

Para Fux, o fato de Cunha ter se reunido diversas vezes com Valério, recebido presentes, como uma caneta Mont Blanc e o pagamento de viagens para sua secretária pesou contra ele. "No contexto, ressoa com gravidade", disse Fux. "Logo após, as empresas obtiveram empréstimos milionários, já contando com aquele evento licitatório", completou, referindo-se aos R$ 32 milhões concedidos pelo Rural às agências de Valério e ao PT.

"Não me parece possível imaginar que tudo tenha sido lícito do ponto de vista penal", disse Cármen Lúcia ao votar sobre o desvio de dinheiro na Câmara. "Sabia-se que era vantagem indevida porque não havia nenhum débito [de Valério com Cunha], valeu-se de interposta pessoa [a mulher para efetuar o saque] e não me cala a circunstância de ter recebido de sua própria esposa", continuou. "Eu acho que houve a dissimulação. Estava às claras para esconder", concluiu Cármen.

Rosa Weber deixou para o fim do julgamento a votação sobre as acusações sobre lavagem de dinheiro, mas o fez com uma advertência que preocupou os advogados de defesa dos réus. "Como a ocultação ou dissimulação da lavagem é nada mais do que um iceberg, a ponta de um esquema criminoso de proporções mais amplas, penso que o exame das imputações do crime de lavagem há que ser deixado para um segundo momento", disse a ministra.

A esperada troca de réplicas e tréplicas por Barbosa e Lewandowski não aconteceu no início da sessão, mas no meio. Assim que Rosa terminou o seu voto, Barbosa pediu a palavra. Porém, ao invés de contestá-la, direcionou-se a Lewandowski. "O revisor comparou a assessora [de imprensa] do STF com a da Câmara. A assessora do Supremo é nomeada da maneira mais apropriada possível. O STF jamais usou ou usará dessa prática enviesada de contratar um alto dirigente através de uma empresa que presta serviços a ele, STF."

Lewandowski respondeu que o Tribunal de Contas da União (TCU) julgou que os serviços de assessoria contratados pela Câmara foram devidamente prestados. "Em quase um quarto de século de magistratura aprendi que o contraditório está nas partes e não nos juízes", disse Lewandowski, tentando fugir da polêmica.

Em outro debate tenso, Toffoli rebateu a alegação de Fux de que os réus têm que apresentar provas de seus álibis. "A acusação é que tem que trazer provas", disse Toffoli. "Isso é das maiores garantias que a humanidade alcançou", continuou.

"Vossa excelência afirmou que a defesa não é obrigada a comprovar as suas versões? É isso?", questionou Fux. "Quem tem que provar é a acusação", insistiu Toffoli.

Barbosa passou, então, a rebater o voto de Toffoli, dizendo que a licitação da Câmara, com a vitória da SMP&B, tinha sido irregular. Lewandowski saiu em defesa de Toffoli, alegando que, antes de Cunha, a gestão de Aécio Neves na Câmara também fez subcontratações. "São contingências do mercado publicitário."

"Mas não há notícia de que essa empresa [na gestão de Aécio] tenha pago propina à Câmara", rebateu Barbosa. "E o fato de uma empresa ter cometido deslizes em contratos anteriores não autorizam a se fazer o mesmo", completou.

Ao fim da sessão, seis ministros concluíram pela absolvição de Luiz Gushiken, pois o Ministério Público não encontrou provas de que o ex-ministro da Comunicação Social teve contatos com Pizzolato no desvio de dinheiro do BB.