Título: Relator e revisor condenam banqueiros por gestão fraudulenta
Autor: Basile, Juliano; Magro, Maíra
Fonte: Valor Econômico, 04/09/2012, Política, p. A6

O relator do processo do mensalão, ministro Joaquim Barbosa, e o revisor, Ricardo Lewandowski, chegaram à conclusão de que os réus do núcleo financeiro do mensalão devem ser condenados por gestão fraudulenta por terem concedido empréstimos simulados de R$ 32 milhões ao PT e às agências do publicitário Marcos Valério.

Barbosa votou pela condenação dos quatro acusados ligados ao Banco Rural - a ex-presidente Kátia Rabello e os ex-diretores José Roberto Salgado, Ayanna Tenório e Vinicius Samarane, atual vice-presidente. Lewandowski votou por punições a Kátia e Salgado e, alegando cansaço, deixou a análise de Samarane e Ayanna para a próxima sessão, na quarta-feira.

O relator e o revisor indicaram que devem impor novas punições no julgamento do próximo item no Supremo Tribunal Federal (STF) - o que trata das acusações de lavagem de dinheiro envolvendo tanto Valério quanto os ex-dirigentes do Rural. A votação sobre esse item terá início apenas depois de Lewandowski e os demais ministros do STF decidirem sobre a acusação de gestão fraudulenta no banco.

Barbosa adiantou que vai pedir a condenação dos réus do banco por lavagem de dinheiro e procurou desmontar a defesa feita por três dos maiores criminalistas do país - os ex-ministros da Justiça Marcio Thomaz Bastos e José Carlos Dias, além de Antonio Claudio Mariz de Oliveira.

"Ao contrário do que foi alardeado pelos réus e suas defesas, a acusação não decorre da imputação de responsabilidade penal objetiva (que dispensa provas e indícios), mas do que foi revelado pelo conjunto de provas aqui realçado", disse o relator. Segundo ele, a tese da defesa de que a conduta dos réus não teria o condão de prejudicar o Sistema Financeiro Nacional "é muito mais uma opinião".

Lewandowski ressaltou que os empréstimos só foram concedidos por causa de relações pessoais dos réus com Valério. "As práticas delituosas dos dirigentes do Rural restaram comprovadas, sobretudo pelas relações promíscuas que tinham com Valério. Cumpre destacar que Valério atuava como agente de negócios e de relações públicas com o banco, encarregando-se de intermediar relações entre dirigentes do banco e integrantes do governo", afirmou.

Até aqui, o tribunal está no segundo dos sete itens do mensalão a serem julgados. A situação dos réus políticos só será analisada no quarto item, que trata da estrutura que teria sido organizada pelo ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu para angariar ilicitamente o apoio de partidos ao governo Lula.

Ontem, o relator anunciou que iria condenar os quatro réus do Rural logo no início do 18º dia de julgamento. "Na última sessão [quinta-feira passada], eu apresentei provas de gestão fraudulenta pelos réus", disse Barbosa. "Os laudos expõem as inúmeras fraudes que foram cometidas pelo banco." Em seguida, ele enumerou as quatro fraudes do banco. A primeira foi a sucessiva renovação dos empréstimos ao PT e às agências do publicitário Marcos Valério, que totalizaram R$ 32 milhões. Para Barbosa, os empréstimos foram renovados por três ou até quatro vezes, a partir de 2003, justamente para que não fossem quitados. Eles só foram pagos pelo PT quando sobreveio o escândalo, enfatizou o ministro.

A segunda fraude foi a incorreta classificação de risco dos empréstimos. O relator considerou que era alta a chance de não pagamento, mas o Rural descreveu-a como baixa e não provisionou os valores. A terceira fraude foi a ausência de garantias efetivas para o pagamento dos empréstimos. O relator citou o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares como um dos fiadores do empréstimo de R$ 3 milhões ao PT, ressaltando que esse último não teria bens suficientes para cobrir um eventual rombo. Por fim, Barbosa afirmou que, ao conceder o empréstimo, o Rural não seguiu nem as suas normas internas de prevenção de riscos.

Após enumerar essas "falhas", Barbosa passou a descrever as condutas de cada um dos quatro réus e, nesse momento, não poupou os advogados de defesa, em especial os dois ex-ministros da Justiça. "A defesa de Salgado [feita por Márcio Thomaz Bastos] esforça-se em levantar a tese de que essas renovações não estariam contidas na denúncia [feita pelo Ministério Público] e, por isso, não poderiam ser consideradas. Tal tese não é verdadeira. Ao contrário do que diz a defesa, a denúncia menciona as renovações", disse Barbosa.

No caso de Kátia Rabello, o relator desqualificou as testemunhas de defesa ao dizer que elas são rés em outras ações ou tinham "vínculos de amizade ou ascendência profissional" com a ex-presidente do banco. "Muitas incorreram no mesmo crime examinado (gestão fraudulenta), pois são corréus dos acusados em outras ações penais que, assim como essa, também tratam de crimes financeiros", afirmou Barbosa. Como exemplo, ele citou o depoimento de Plauto Gouvea, ex-diretor do Rural que não é réu no mensalão, a favor de Kátia. Barbosa disse que Gouvea foi punido pelo Banco Central com três anos de inabilitação para atuar no mercado financeiro por prestar informação falsa às autoridades monetárias e, por isso, não poderia ser considerado como testemunha confiável no mensalão.

"Ayanna aprovou essa renovação (de empréstimo) mesmo havendo parecer contrário da área técnica do banco", continuou o relator, referindo-se à ex-diretora que é defendida por Mariz de Oliveira, um dos criminalistas mais conhecidos do país. "Houve alerta dos técnicos para os riscos e, mesmo assim, ela aprovou."

Barbosa afirmou ainda que os acusados procuraram distorcer o que foi atestado nos laudos para dizer que os empréstimos foram lícitos, e não simulados. "Mas o laudo foi realizado a pedido da defesa, após a contabilidade das empresas de Valério ter sido fraudada e ilicitamente alterada", disse Barbosa. "Essa alteração ilícita foi observada pelos peritos."

Após o voto do relator, o revisor passou a concordar com ele, item por item. "Não só os empréstimos como as suas renovações também caracterizam atos de gestão fraudulenta", disse Lewandowski. Segundo ele, os empréstimos "mais se assemelharam a negócios de pai para filho do que a mútuos legais. Eram praticamente doações". "A provisão era formal, talvez, mínima, para inglês ver", concluiu.