Título: Petrobras pode investir no gasoduto da Bolívia
Autor: Schüffner, Cláudia
Fonte: Valor Econômico, 05/01/2007, Especial, p. A10

O presidente da Petrobras, José Sergio Gabrielli, afirmou que a estatal estuda ampliar o Gasoduto Brasil-Bolívia para atender as necessidades do mercado brasileiro de gás em 2009 ou 2010. Segundo ele, "do ponto de vista dos investimentos já realizados na Bolívia, a rentabilidade da Petrobras é adequada" e os investimentos futuros "precisarão ser analisados separadamente".

Entre os desafios da Petrobras neste e nos próximos anos está a gestão do seu imenso portfólio de investimentos, que chega a R$ 47 bilhões em 2007 e a R$ 218 bilhões nos próximos cinco anos no Brasil e no exterior. "Temos uma enorme carteira de investimentos e isso significa um relacionamento com milhares de fornecedores, cronogramas diferenciados apertados, com a gestão de projetos extremamente complexos em um momento em que o mercado está extremamente aquecido no Brasil e fora do Brasil", afirma.

Gabrielli, que esteve cotado para assumir o Ministério da Fazenda no lugar de Guido Mantega, diz que não fala sobre esse assunto. Afirma apenas que "está" presidente da Petrobras e é professor da Universidade Federal da Bahia. Sobre a economia brasileira ele prevê mais investimentos, aumento do consumo interno, menores taxas de juros e câmbio estável, o que segundo ele, são condições que contribuirão para a retomada do crescimento. Na entrevista que concedeu ao Valor pouco antes de viajar em férias para Salvador, Gabrielli também criticou os agentes que cobram uma legislação específica para o gás natural. "A regulação que se cobra é o quê? Proteção do investidor ou a abertura do nosso investimento para quem não investiu?", questiona.

Valor: Que cenário o sr. prevê para o Brasil em 2007?

José Sergio Gabrielli: Vamos ter uma contínua queda da taxa de juros, o que significa que novos instrumentos de aplicação financeira vão se tornar viáveis e portanto vão surgir fundos voltados ao financiamento de investimentos com taxas mais adequadas para o capital produtivo. O aparecimento de aplicações com rendimento ex-post, dependendo da taxa de inflação futura, tenderá a substituir parcialmente as aplicações em títulos públicos. Ao mesmo tempo acho que o pacote de investimentos públicos e privados é extremamente agressivo e alavancador de investimentos, com efeito multiplicador na economia. A Petrobras vai assumir riscos. Vamos fazer gasodutos e investir na produção de gás mesmo sem a Lei do Gás. E mais do que isso, tem toda a parte de estradas, portos, ferrovias e saneamento básico, um conjunto de investimentos públicos e privados, que têm um impacto e um efeito multiplicador grande. Mas não é só. Existe um terceiro componente, que é a continuidade do que aconteceu nos últimos dois anos e que terá um impacto muito grande na economia, que é a expansão do crédito interno e do nível de emprego e do rendimento das famílias. Isso faz com que o mercado interno tenha um dinamismo especial.

Valor: Tudo isso sem inflação?

Gabrielli: Exatamente. Sem inflação, primeiro porque o crescimento está sendo modular e não um crescimento por choque. E segundo porque a restrição cambial está fora do horizonte. Então eu vejo que os investimentos devem crescer, o consumo interno deve crescer, as taxas de juros devem cair, o câmbio deve permanecer estável e portanto teremos todas as condições para retomar o crescimento.

Valor: Essa pergunta é inevitável - o sr. vai para o Ministério da Fazenda?

Gabrielli: (rindo) Você está entrevistando o presidente da Petrobras. Eu estou presidente da Petrobras e sou professor da Ufba (Universidade Federal da Bahia).

Valor: Alguma mudança à vista na diretoria da Petrobras?

Gabrielli: "Je ne c'est pas". Isso depende do conselho de administração.

Valor: Quais as perspectivas da companhia para 2007 e os próximos anos?

Gabrielli: Vamos ter rampas de crescimento da produção e a entrada em operação da P-34 é importante. Na área de refino, temos uma série de projetos da carteira de qualidade da gasolina e do diesel, de conversão, de reduzir os gargalos de refinarias e melhoria da utilização de gás. Temos um leque de investimentos que individualmente são grandes para os padrões brasileiros e de empresas menores, mas que são relativamente menores para a Petrobras do que uma plataforma. Serão investimentos grandes e diversificados. No refino, por exemplo, serão R$ 8,907 bilhões em investimentos diretos e mais R$ 965 milhões por meio de sociedades de propósito específico em 2007. Também vamos investir fortemente em ciência e tecnologia. Planejamos investimentos fortíssimos em treinamento através de um programa, o Prominp, que pretende treinar 77 mil pessoas até 2008, e vamos acelerar os investimentos na produção de gás no Espírito Santo. No total, os investimentos em 2007 são de R$ 47 bilhões. Isso representa 22% dos R$ 218 bilhões que a companhia vai investir nos próximos cinco anos.

Valor: E no gás, qual é o foco?

Gabrielli: A área de gás está fervendo e tem um volume de investimentos muito grande.

Valor: Que cenário o sr. espera para o mercado brasileiro de petróleo e derivados?

Gabrielli: Temos na área de líquidos, os derivados do petróleo, um mercado relativamente estagnado nos últimos dez anos. Isso é resultado também do crescimento do gás e dos alternativos, como o etanol e o biodiesel. Hoje, em qualquer circunstância se tem uma queda da elasticidade da demanda de líquidos em relação ao PIB.

Valor: É por isso que a balança comercial do petróleo e derivados continua negativa?

Gabrielli: Objetivamente, o que tem acontecido é que temos aumentado nossas exportações de gasolina e de óleo combustível. Como tem havido simultaneamente um diferencial muito grande entre os preços dos derivados leves e do óleo pesado, às vezes mesmo que o preço do petróleo esteja subindo, a melhor alternativa é importar óleo bruto leve, processar nas nossas refinarias e atender à demanda de diesel no país.

Valor: A balança comercial da Petrobras já não é a mesma da brasileira de petróleo e derivados...

Gabrielli: São várias questões aí. Existem hoje produtos como a nafta, que é importada pelas centrais petroquímicas, o gás natural que é importado não apenas pela Petrobras, e exportações que não são apenas da Petrobras. Existe cada vez mais uma diferença entre a Petrobras e o Brasil nas estatísticas. Vamos fechar a balança da Petrobras positivo em termos físicos e acreditamos que vamos fechar também positivo em termos de valor dos líquidos. Isso, evidentemente, sem contar o resultado do gás natural (na balança) que é claramente negativo.

Valor: E a Bolívia? Eles continuam pedindo aumento do preço do gás, apesar de a Petrobras dizer que o preço já está ajustado.

Grabrielli: Depois de maio de 2006 tivemos uma sucessão de reuniões e negociações com a Bolívia. O primeiro cenário importante é na exploração e produção, onde chegamos a um acordo que permite uma rentabilidade adequada frente às novas regulações do Estado boliviano. Do ponto de vista dos investimentos já realizados na Bolívia, a rentabilidade da Petrobras é adequada. Já investimentos futuros precisarão ser analisados separadamente.

Valor: Como falar em novos investimentos quando a Bolívia ainda não indenizou a Petrobras pelas duas refinarias?

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Gabrielli: Do ponto de vista do refino, onde a Bolívia pretende nacionalizar 51% das refinarias, as condições vão depender de dois elementos fundamentais. Um deles é o valor da indenização pelas nossas refinarias e o outro diz respeito às condições de operação. A Petrobras, evidentemente, vai querer receber o valor justo dos seus ativos. Com relação à operação, temos algumas condições para continuar como operadores. Em nenhum momento pensamos em abandonar as refinarias. Em qualquer circunstância teremos um processo de retirada programada ou um aumento da participação programada.

Valor: Fica a impressão que as refinarias ficaram em segundo plano.

Gabrielli: Isso vai ser discutido agora em janeiro. E nossa permanência no varejo vai depender de margens. Então, a análise sobre a Bolívia é a seguinte - os problemas foram principalmente na imprensa, e o processo negocial acabou ocorrendo fora dos holofotes, com resultados positivos.

Valor: Que investimentos a Petrobras estuda na Bolívia?

Gabrielli: Para responder a isso é preciso ver o mapa do Brasil e da Bolívia. Em 2011, teremos 71 milhões de metros cúbicos por dia de produção nacional, mais importações de 30 milhões da Bolívia pelo Gasbol e 20 milhões de gás natural liquefeito (GNL). Isso significa uma oferta de 121 milhões de metros cúbicos no Brasil, supondo um crescimento de 17,7% ao ano da demanda. Já tenho o Gasbol, que está colocado no centro do mercado que mais cresce, que é o Sudeste. Estou construindo um gasoduto, o Gasene, que fica pronto no final de 2008 e vai permitir ligar o Gasbol ao Nordeste, que tem demanda crescente. Portanto, vou ter em 2009 e 2010 um mercado brasileiro de gás. E esse mercado precisa remunerar o custo da molécula e o investimento em transporte. A infra-estrutura de gás vai custar US$ 18 bilhões a US$ 19 bilhões. É muito dinheiro e muito investimento.

Valor: E os novos investimentos?

Gabrielli: A capacidade de produção da Bolívia é em torno de 40 milhões de metros cúbicos por dia e ela tem contratos para venda de 37 milhões de metros cúbicos por dia, mais uns 3 a 4 milhões de consumo interno, o que dá quase toda a capacidade de produção. A YPFB (estatal boliviana) tem contrato de 27 milhões com a Argentina, mas vai precisar de mais gás. Podemos ampliar o Gasbol.

Valor: Mas a Bolívia não chegou ao limite da produção?

Gabrielli: É claro que para ampliar o Gasbol é preciso saber de onde viria o gás. Até porque o custo não é "peanuts", está tudo muito caro atualmente. Mas tem todo o sentido se buscar uma fonte alternativa na Bolívia no médio prazo. O custo de exploração na Bacia de Santos é alto, já que o gás está em alta temperatura e alta pressão. Portanto, olhando um horizonte mais longo, ter acesso a fontes novas é uma questão estratégica.

Valor: O mercado projeta uma demanda de gás maior que a estimada pela Petrobras...

Gabrielli: Todo mundo quer gás. Mas a questão de preço hoje é essencial. E dado o preço atual, é óbvio (o aumento da demanda). É só ver o custo de 1 milhão de BTUs (medida que mede o poder calorífero do gás para geração de energia) para um consumidor hoje. O gás é muito barato em relação ao combustível alternativo. E o problema é que o GNL é uma forma intermitente de oferta. Não vou ter 20 milhões de metros cúbicos contínuos de GNL por dia entregues no Brasil. Vou ter um potencial de 20 milhões de metros cúbicos, a depender da demanda sem interrupção de gás que eu tenha. Conseqüentemente, essa é uma espécie de válvula de ajuste.

Valor: Analistas avaliam que Petrobras sempre ganha, já que se não vender gás vende óleo ou energia.

Gabrielli: Resta saber quem está investindo no Brasil nesse montante. Estamos investindo US$ 18 bilhões na área de gás somente nesses três a quatro anos e ninguém está investindo nesse volume. O que o mercado brasileiro de gás precisa é crescer. Ter maturidade de agentes e "players" e criar a infra-estrutura de transporte e de produção. E esse tipo de situação exige investimento de risco.

Valor: Quais serão os principais desafios da companhia?

Gabrielli: Temos uma enorme carteira de investimentos e isso significa relacionamento com milhares de fornecedores, cronogramas diferenciados apertados, com a gestão de projetos extremamente complexos em um momento em que o mercado está extremamente aquecido no Brasil e lá fora. A gestão desse portfólio é muito desafiadora. Além do mais, de 2000 para cá, a Petrobras deve ter admitido mais de 20 mil funcionários. Em 2006 foram 7.600 pessoas novas. Teremos desafios tanto na gestão de projetos como na de pessoas.

Valor: Como vê as avaliações de que a Petrobras é culpada pela falta de gás para termelétricas?

Gabrielli: O mercado de gás não é um mercado de prateleira, é de contrato. As térmicas da Petrobras são resultado do programa prioritário de termeletricidade. Em função do risco de apagão no governo anterior se definiu como alternativa para a estabilidade do setor elétrico a construção de uma rede de termelétricas, em um momento em que havia abundância de gás, inclusive porque a infra-estrutura da distribuição era inexistente. A empresa assumiu uma série de riscos com várias termelétricas em que havia desequilíbrio econômico dos contratos. Elas hoje pertencem à Petrobras e têm uma capacidade de produção superior ao volume de energia elétrica vendido, em função da disponibilidade real de gás para elas.

Valor: Como o sr. avalia o desempenho da Petrobras nos últimos quatro anos?

Gabrielli: Tivemos alguns grandes sucessos. O primeiro foi destravar os grandes projetos que estavam muito atrasados, como a P-43 , P-48 e P-50. Colocamos essas plataformas em operação e isso foi fundamental. O segundo grande sucesso na produção foi o ritmo da entrada da P-51 e da P-52, também alvo de agressões e ataques por parte da imprensa por causa do conteúdo nacional. E elas estão desempenhando, tanto em termos físicos como em termos de valor, melhor que as importadas. A terceira questão importante é a mudança na configuração do portfólio exploratório. A empresa estava reduzindo o seu portfólio em termos de áreas no Brasil e houve uma inversão deliberada, para ampliar esse portfólio, participando ativamente dos leilões da Agência Nacional do Petróleo. Do ponto de vista do refino e abastecimento, eu acho que todo o investimento realizado na área de biocombustíveis e o retorno à petroquímica foram destaque nos últimos quatro anos. Na Transpetro, o programa de renovação de frota me parece importante e estratégico.

Valor: O sr. não mencionou a internacionalização.

Gabrielli: Nosso crescimento internacional foi muito importante, particularmente no Golfo do México. Mas não só lá, também houve uma diversificação exploratória em outras áreas, novas, como Turquia, Líbia, Tanzânia e Irã.

Valor: A impressão que se tem é que essa internacionalização aumentou o risco da companhia, que foi afetada na Venezuela, Bolívia e mais recentemente no Equador.

Gabrielli: O nosso risco não aumentou. Quando eu era diretor-financeiro, visitei todas as agências de rating e fiz exatamente essa pergunta que você está fazendo. E perguntei se à medida que a gente entra em países que são mais complicados que o Brasil, aumenta ou diminui o nosso risco. A resposta de algumas foi a seguinte: "Infelizmente, não há petróleo na Suíça."

Valor: A refinaria de Pernambuco será feita com ou sem a PDVSA?

Gabrielli: Esse é um projeto que leva tempo para ser discutido e para se montar todas as questões técnicas, societárias e econômicas. A refinaria está sendo desenhada com uma dupla otimização. De um lado, será otimizada para produzir diesel e de outro para usar petróleo pesado brasileiro e venezuelano. Além disso, ela vai permitir, como projeto integrado, a participação da Petrobras na produção no campo de Carabobo I, na Venezuela, que é uma das maiores reservas do mundo de petróleo ultra-pesado. A produção em Carabobo e a refinaria são projetos integrados e não isolados.