Título: Um "rodeio" nas verbas públicas
Autor: Sassine, Vinicius
Fonte: Correio Braziliense, 15/11/2010, Política, p. 2/3

ONGs citadas entre as suspeitas de irregularidades por CPI do Senado continuaram recebendo repasses e celebrando contratos com a União no valor de quase R$ 29 milhões. Entidades ligadas ao MST também permanecem entre as beneficiadas Investigadas por três anos por uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Senado e suspeitas de praticar irregularidades com o dinheiro público, oito organizações não governamentais (ONGs) continuaram a ser financiadas e a firmar convênios com a União nos últimos dois anos. As transferências de recursos e os gastos diretos do governo federal com essas entidades chegam a R$ 22,17 milhões em 2009 e em 2010. Nesse período, as ONGs já respondiam a acusações de mau uso do dinheiro repassado por meio de convênios anteriores. Mesmo assim, a União firmou novos contratos com quatro dessas entidades, no valor de R$ 6,7 milhões.

Entidades sem fins lucrativos cujos dirigentes são ligados ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) também continuaram a ser irrigadas com dinheiro público, mesmo com a existência de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) para investigar desvios de recursos. O governo federal gastou em 2009 e em 2010 (a CPMI foi aberta no ano passado e encerrada no último mês de julho) mais de R$ 18,4 milhões com ONGs ligadas ao MST. Novos convênios publicados nesses dois anos preveem repasses de R$ 14,86 milhões.

O Correio fez os dois levantamentos com base nas informações divulgadas no Portal da Transparência, atualizado pela Controladoria-Geral da União (CGU). Os repasses a ONGs envolvidas em suspeitas de irregularidades ou ligadas ao MST diminuíram após as constatações de problemas no uso do dinheiro, mas não cessaram. As entidades analisadas foram investigadas e citadas no relatório final da CPI das ONGs, encerrada na semana passada no Senado. No caso de associações, cooperativas e centros de capacitação ligados ao MST, a análise dos repasses do governo levou em conta uma lista elaborada pela ONG Contas Abertas em março do ano passado. Nela aparecem 43 entidades cujos dirigentes desempenham alguma função no movimento dos sem-terra. Boa parte delas continua a ser financiada pelo governo federal. O MST não pode receber repasses diretos de verbas públicas porque a entidade não tem registro oficial como empresa, o CNPJ.

Laço Dentre as quatro ONGs citadas no relatório final da CPI e que continuaram a firmar convênios com a União, a principal beneficiada é a entidade Os Independentes, responsável pela Festa do Peão de Barretos (SP). Mesmo investigada, a entidade assinou três convênios com o Ministério do Turismo neste ano e mais dois no ano passado, no valor de R$ 5,7 milhões. O dinheiro deveria ser utilizado em três diferentes eventos em Barretos ¿ o maior montante é para a Festa do Peão. Mas, conforme o próprio Ministério do Turismo, a prestação de contas de pelo menos um convênio foi insatisfatória.

Em nota enviada ao Correio, a assessoria de comunicação do ministério informa que a prestação de contas do convênio firmado para a realização do 7º Barretos Motorcycles deixou de apresentar documentos essenciais, necessários para a comprovação da correta aplicação do dinheiro público. ¿O convenente foi notificado a apresentar documentação complementar sob pena de inscrição no cadastro de inadimplentes¿, informa a nota.

Outros dois convênios, para a realização da Festa de Barretos (são quase R$ 2,5 milhões), ainda dependem de análise do Ministério do Turismo. Por causa do ¿atraso¿ para a liberação do dinheiro, a vigência de um dos convênios foi prorrogada até 20 de dezembro. Os Independentes teriam até o dia 13 deste mês para apresentar a prestação de contas do outro convênio. Como é um sábado, e por causa do feriado de hoje, o último dia para a prestação de contas é amanhã.

¿No momento da assinatura dos convênios, não havia qualquer impedimento legal para tanto¿, justifica o Ministério do Turismo. O senador Raimundo Colombo (DEM-SC), governador eleito em Santa Catarina, chegou a pedir a quebra dos sigilos bancário e fiscal da entidade, como parte dos trabalhos da CPI das ONGs. Segundo o relatório final da CPI, o Tribunal de Contas da União (TCU) instaurou dois processos, em 2006 e 2007, para apurar a aplicação de dinheiro da União na Festa do Peão de Barretos. A quantia em análise é de R$ 1,4 milhão. ¿Desde 1999, nenhuma ONG de Barretos surge na contabilidade pública como destinatária de recursos para a promoção anual da festa. Em 2006, Os Independentes recebem R$ 2,93 milhões¿, cita o relatório final da CPI. O Correio tentou ouvir os representantes da ONG, mas a assessoria de imprensa da entidade não deu retorno até o fechamento desta edição.

Finatec na lista Em outubro do ano passado, a Fundação de Empreendimentos Científicos e Tecnológicos (Finatec), ligada à Universidade de Brasília (UnB), firmou convênio com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) para a elaboração de um estudo sobre a leishmaniose. A entidade continuou recebendo recursos da União nos últimos dois anos, tanto por meio de convênios firmados anteriormente quanto por gastos diretos do governo federal. Neste ano, há repasses da Fundação UnB, da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais e de outras duas fundações, que somam quase R$ 400 mil.

Reitor A Finatec é acusada de realizar contratos com a União para a ¿realização de atividades diversas de seus fins estatutários¿, como cita o relatório final da CPI das ONGs. ¿Como exemplo, pode-se citar a construção de um shopping center em Águas Claras (DF).¿ As suspeitas de irregularidades na entidade foram reveladas em 2008, ano em que veio à tona o escândalo envolvendo o então reitor da UnB, Timothy Mulholland. A universidade gastou R$ 470 mil para decorar o apartamento funcional do reitor. Os repasses do governo federal à Finatec diminuíram desde a divulgação do escândalo. Diretores da entidade não quiseram comentar sobre o assunto.

MST segue na conta

Nove entidades ligadas ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) firmaram novos convênios com a União nos últimos dois anos, principalmente com o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). A quantidade e o valor dos convênios, no entanto, caíram vertiginosamente de um ano para o outro. No ano passado, ficou acertado o repasse de R$ 12,8 milhões às ONGs, dinheiro a ser utilizado principalmente na capacitação de assentados rurais. Neste ano, até agora, os convênios preveem repasses de pouco mais de R$ 2 milhões.

Algumas entidades conseguiram ser contratadas diretamente pelo governo. É o caso da Associação Agrícola de Mato Grosso do Sul, uma das principais beneficiadas por repasses da União ao longo dos anos. A grande maioria das entidades que firmaram novos convênios com o MDA é de cooperativas, seja de trabalhadores, de prestação de serviços, de produção agropecuária ou de assentamentos. Todas elas, segundo um levantamento da ONG Contas Abertas, são dirigidas por militantes do MST.

O Correio tentou ouvir o MDA na sexta-feira, mas não houve retorno da assessoria de imprensa até o fechamento desta edição. A Comissão Mista Parlamentar de Inquérito (CMPI) do MST, instalada em outubro no Congresso, foi encerrada no último mês de julho sem responsabilizar nenhum dos dirigentes das entidades agrárias ligadas ao MST, nem o MDA pelos repasses feitos às ONGs. O relatório final da CPMI concluiu que o repasse de dinheiro público para as entidades não foi ilegal e que não houve crime algum no suposto mau uso do dinheiro por parte de algumas associações.

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das ONGs, que durou três anos no Senado, teve um desfecho semelhante na semana passada. O relatório final, de quase 1,5 mil páginas, foi concluído e apresentado sem votação e aprovação pelos senadores. O relator da CPI, senador Inácio Arruda (PCdoB-CE), da base do governo Lula, não pediu nenhum indiciamento no relatório final, nem apontou culpados nas dezenas de casos investigados.

Efeito dos ¿aloprados¿ Um dos casos mais discutidos na CPI das ONGs foi o da Unitrabalho, entidade que contou com a colaboração do petista Jorge Lorenzetti, conhecido como churrasqueiro do presidente Lula. Segundo as acusações na época, o dinheiro para o pagamento do dossiê elaborado pelos ¿aloprados¿ do PT, nas eleições de 2006, teria saído da Unitrabalho, que recebeu diversos repasses de dinheiro da União. Em junho deste ano, um convênio com o Ministério da Ciência e Tecnologia permitiu o repasse de R$ 494 mil para que a entidade consolide uma rede de incubadoras de empresas na Bahia.

O ministério sustenta que ¿não há impedimento legal¿ para o repasse de recursos à Unitrabalho, ¿desde que apresente as documentações completas¿. ¿Não houve nenhuma condenação contra a entidade e as prestações de contas apresentadas até agora mostram que o convênio está funcionando direito¿, informa a assessoria de comunicação.

Desde o escândalo dos ¿aloprados¿, a Unitrabalho perdeu diversos convênios com a União. A parceria com o Ministério da Ciência e Tecnologia é uma exceção. ¿Perdemos parcerias importantes dentro do governo. Fomos colocados de escanteio pelo Ministério do Trabalho¿, afirma o presidente da Unitrabalho, Arquimedes Diógenes Ciloni, ex-reitor da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Convênios com a pasta garantiram repasses para a Unitrabalho avaliar programas de qualificação profissional de jovens e adultos.

Requisitos Segundo Arquimedes, a entidade congrega mais de 60 universidades. Depois das acusações de envolvimento em irregularidades, a ONG passou a ter dificuldades para captar recursos da União. O convênio com o Ministério da Ciência e Tecnologia, conforme o presidente da Unitrabalho, cumpre todos os requisitos legais. ¿Apenas repassamos recursos às incubadoras.¿ Arquimedes afirma que uma auditoria realizada em dezembro de 2006 constatou que o dinheiro para a compra do dossiê dos ¿aloprados¿ não saiu da Unitrabalho. ¿A entidade foi inocentada num documento da Curadoria de Fundações de São Paulo.¿