Título: Bolsa de Nova York espera fusão com Euronext no fim deste mês
Autor: Bautzer, Tatiana
Fonte: Valor Econômico, 16/10/2006, Finanças, p. C2

A lei Sarbanes-Oxley deve mudar em breve para exigir apenas controles internos que sejam relevantes para as companhias, acredita o presidente da Bolsa de Nova York, John Thain. Ex-executivo do banco Goldman, Sachs, Thain está em São Paulo para a assembléia da Federação Mundial das Bolsas. Ontem, em São Paulo, Thain disse esperar para o fim do mês a autorização para a fusão com a Euronext , depois de muita negociação com os reguladores. Ontem, as duas bolsas propuseram conversar com as bolsas da Itália e Alemanha, tentando conter as resistências na Europa, segundo o Financial Times.

Um novo estouro da bolha é apenas questão de tempo, prevê Thain, para quem o padrão secular de ciclos de euforia e pânico não mudou. Ele acha difícil criar regras para operações de hedge funds. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Valor: A transformação das bolsas em companhias não cria um conflito de interesse entre o papel de empresa e o de regulador?

John Thain: Acho que isso é uma coisa que precisamos gerenciar. Visar o lucro permite que a bolsa opere de maneira mais eficiente, participe da onda de consolidação e levante capital, que são coisas boas. Uma boa regulação é positiva para os negócios em bolsa, porque os investidores precisam confiar na gestão da bolsa e no tratamento igualitário e justo a todos.

Valor: Mas as bolsas devem manter seu papel regulatório ou transferi-lo, por exemplo, à Securities and Exchange Commission (SEC)?

Thain: Acho que não, a SEC continua sendo a reguladora de última instância. As bolsas devem manter uma parcela regulatória, porque têm o conhecimento de como funciona o mercado, e as pessoas que observam o dia a dia da negociação, essa habilidade reside nas bolsas. Mas é preciso garantir que as equipes tenham independência e recursos para trabalhar.

Valor: Com a tendência de consolidação internacional, há muita resistência de reguladores em vendas de bolsas para estrangeiros...

Thain: Existe algo de nacionalismo em negócios envolvendo as bolsas, porque os reguladores locais temem perder a habilidade de fiscalizar o mercado. O modelo que estamos usando agora na fusão da NYSE com a Euronext oferece a consolidação da tecnologia e dos pools de liquidez, mas mantém a autoridade do regulador sobre o mercado local. A Euronext tem bolsas em Paris, Lisboa, Amsterdã e Bruxelas, que negociam numa plataforma única. Mas cada uma é regulada pela sua autoridade nacional. Isso é o que faremos, discutimos nos últimos dois meses com os órgãos reguladores e esperamos ter a aprovação do negócio no fim do mês. Estamos mantendo também o respeito à jurisdição de cada regulador, o que é importante para as autoridades européias em relação à SEC.

As bolsas continuarão separadas e haverá uma holding NYSE-Euronext. A capitalização de mercado, hoje de US$ 23 trilhões na NYSE, será de US$ 28 trilhões na nova empresa. Teremos listadas 80 das 100 maiores empresas mundiais e negociaremos mais de US$ 100 bilhões por dia.

Valor: O senhor acha que a lei Sarbanes-Oxley vai mudar? As empresas reclamam do alto custo de seu cumprimento.

Thain: A lei trouxe algumas mudanças muito positivas, como a independência dos integrantes do conselho de administração e dos comitês de auditoria, além da responsabilidade da diretoria financeira e do presidente sobre os balanços. Hoje os conselhos têm muito mais poder do que tinham antes para lidar com os presidentes (CEOs). O que gera mais críticas é a seção 404, de controles internos. A intenção da lei é boa, mas sua implementação foi feita sem teste de relevância ou avaliação de risco. Criaram-se procedimentos caros e que desperdiçam tempo. Se você tem uma subsidiária que representa 0,1% dos ativos de uma empresa global, instituir controles rígidos nessa subsidiária não é um bom uso do dinheiro e do tempo da empresa. Então a seção 404 deve ser modificada para fazê-la focar-se no que é realmente importante. Acho que é isso que será feito.

Valor: Mas na Enron foram justamente algumas subsidiárias que quebraram a empresa...

Thain: Nenhuma dessas regras prevenirá a fraude pura. Sempre haverá fraude, e no caso da World Com, por exemplo, a fraude foi simples. A melhor maneira de lidar com isso é colocar as pessoas na cadeia, Ebbers teve uma sentença longa. [Ex-CEO da World Com, Bernard Ebbers foi condenado a 25 anos no ano passado]. Isso é bom. No caso da Enron, é possível que a fiscalização de algumas subsidiárias pegasse a fraude, porque elas não eram irrelevantes. Algumas delas estavam consumindo bilhões de dólares, e alguns de nós sempre estávamos curiosos em saber para onde ia todo aquele dinheiro.

Valor: O senhor é favorável a regras mais rígidas para os hedge funds? Eles hoje movem mercados e têm uma multidão de investidores...

Thain: Os hedge funds são hoje muito importantes no mercado, há muito mais investidores de varejo envolvidos. Acho que o problema de fiscalizá-los é que eles podem facilmente mudar sua sede para sair de uma determinada jurisdição. É preciso também pensar que tipo de informação realmente ajudaria um regulador a controlá-los. As operações que eles fazem são muito complicadas e seria difícil um regulador determinar se eles estão tomando risco demais ou não. Os reguladores não saberiam exatamente onde os hedge funds estão fazendo coisas perigosas. Espero que os investidores comecem a cobrar mais, perguntem mais sobre as políticas de risco e controles internos. Mas também cabe às corretoras observar melhor essas operações.

Valor: Não cabe às bolsas, de futuros por exemplo, um papel maior na limitação das operações?

Thain: O problema é que não sabemos quando um hedge fund está comprando ou vendendo, as ordens vêm por meio de suas corretoras, misturadas com a carteira própria e a de outros clientes. O corretor tem que lidar com isso, porque é ele que sabe o que os fundos estão fazendo.

Valor: A consolidação das bolsas não pode acabar com os mercados locais, tornar os mercados latinos, por exemplo, irrelevantes?

Thain: Acho que haverá no futuro poucas grandes bolsas globais, com enorme volume de negociação e liquidez. Mas continuará a haver bolsas regionais, que prestam um serviço para empresas que precisam acessar seus mercados locais de capitais e não são globais. Mas nós somos a favor que as empresas estrangeiras listadas na NYSE continuem em seus mercados locais, porque assim mantém uma base local de acionistas. Todas as 31 empresas brasileiras na NYSE também estão na Bovespa.

Valor: As empresas estrangeiras são importantes para a NYSE?

Thain: Do valor de mercado de US$ 23 trilhões das empresas listadas, US$ 8 trilhões são de companhias internacionais. O Brasil é um dos países mais importantes, e tem sido um dos mais ativos em novas emissões, junto com a Índia, China e Canadá.

Valor: O senhor acha que o padrão de ciclos de euforia e pânico mudou nesta década?

Thain: Acho que seria ótimo ter saído desse padrão, mas eu duvido. O mais provável é que estejamos na parte boa do ciclo de euforia e pânico, de inflação e estouro da bolha. Pode ser que o estouro demore 5 ou 10 anos, mas o padrão é contínuo num período de algumas centenas de anos. Há um excelente livro sobre o assunto que menciona a mania das tulipas no século XVIII, então isso sempre existiu e deve continuar.

Valor: Como começará a próxima crise?

Thain: Ninguém consegue prever a causa do próximo estouro de bolha. Se conseguisse, provavelmente não aconteceria.