Título: O leilão de energia poderia ter sido bem me
Autor: Sérgio Werlang
Fonte: Valor Econômico, 01/12/2004, Opinião, p. A9

No dia 7 deste mês foi leiloada grande parte da capacidade instalada de geração de energia elétrica do país (cerca de 33%). O leilão transcorreu sem incidentes, mas o preço médio da energia elétrica resultante do leilão foi abaixo do esperado. Isso é um problema? Por quê? Como resolvê-lo? Antes de mais nada, é preciso descrever o que foi o leilão e qual a idéia básica por trás dessa sistemática. Em 2001, quando houve o apagão, várias medidas foram tomadas, como o incentivo à redução de demanda de energia elétrica e o aumento da oferta através de construção de usinas termelétricas. Ao mesmo tempo, as chuvas nos verões de 2002 e 2003 permitiram que os reservatórios das geradoras atingissem níveis muito elevados. Como conseqüência, há hoje sobra de energia elétrica não consumida. Ao mesmo tempo, faz-se necessária a expansão do sistema gerador, uma vez que o Brasil vai continuar crescendo. Ora, o Brasil tem muito de sua energia construída sobre a base hidrelétrica e, embora parte considerável da expansão do sistema tenha que ser feita através de térmicas, ainda assim espera-se alguma participação de geração hídrica. Para construir e tornar operacional uma usina geradora hidrelétrica, mesmo após aprovadas as licenças ambientais, ainda leva um tempo considerável. O governo tem trabalhado com um horizonte de cinco anos. Assim, o problema é como fazer excesso de oferta de energia no curto prazo conviver com o excesso de demanda no longo prazo (caso não houvesse expansão da oferta). Para isso, o governo criou uma sistemática onde a capacidade de geração de energia já existente (conhecida como "energia velha") é leiloada por prazos longos, começando nos anos de 2005 a 2009. Para prazos mais longos, quando terá sido possível construir novas geradoras (de 2010 em diante), vai-se leiloar a "energia nova". É de se esperar que o preço da energia nova seja maior que o da energia velha, não só porque há excesso de oferta no curto prazo, mas também porque o custo da capacidade geradora de energia hidrelétrica nova é mais alto do que o existente, assim como também são mais altos os custos da energia gerada por termelétrica. Assim, o governo decidiu fazer três leilões: o primeiro para geração de energia que começa a ser fornecida em 2005, 2006 e 2007, por um prazo de oito anos. Este foi o leilão realizado em dezembro. Numa segunda etapa, serão leiloados contratos de cinco anos de duração para fornecimento de energia elétrica a partir de 2008 e 2009. Por último, será realizado o leilão de energia nova para prazos daí por diante. O resultado do leilão foi de um preço de R$ 57,51 para os contratos que iniciam-se em 2005, R$ 67,33 para os de 2006, e R$ 75,46 para os de 2007. Análises apressadas, feitas por alguns especialistas, indicavam que a energia de 2005 deveria sair ao redor de R$ 70,00. Por isso houve tamanha desilusão do mercado acionário com o leilão. Por exemplo, Eletrobrás PN caiu 21,5% em três dias. O setor elétrico, como um todo, caiu 7,9% em três dias, na Bovespa.

Não apenas as estatais de geração terão menos recursos para investir, como as empresas privadas terão menos interesse em fazê-lo

A despeito disso, setores do governo afirmaram que o leilão foi um sucesso, pois o objetivo básico não era assegurar rentabilidade mínima aos geradores de energia, mas sim uma tarifa de energia módica, que fosse mais barata para os consumidores. Para justificar tal ponto de vista, esses setores dizem que, com a sobra de energia velha, e a energia nova que será contratada num próximo leilão, não haveria problema, pois cada uma teria um preço. Assim sendo, a energia nova seria remunerada de forma distinta da existente, e a energia velha seria mais barata e seu menor custo repassado ao consumidor. Há dois pontos de vista nesse caso. O primeiro, que seria o liberal extremo, que diz que o preço da energia não deveria ser regulado, e que o preço deveria sempre ser repassado ao consumidor. O inconveniente dessa visão é a enorme volatilidade de preços que um país com forte dependência em energia hidrelétrica (e, portanto, do clima) sofreria. Nenhum país do mundo favorece esse mecanismo de mercado. O segundo seria que deve haver regulação que imponha preço máximo, mas também um piso que assegure o equilíbrio econômico-financeiro das empresas no médio prazo. As duas visões são compatíveis com um sistema eficiente de provisão de energia elétrica (esse também é o ponto de vista do professor Aloisio Pessoa de Araújo, da EPGE/FGV e do Impa, que, aliás favorece mais a primeira visão). O caso chileno ilustra bem a importância do preço mínimo, sempre que há limitação no repasse ao consumidor. O Chile também teve sua crise de energia. As geradoras acabavam sendo pouco remuneradas, apenas o suficiente para cobrir os custos correntes, com pequeno lucro. Não havia incentivo para investimento em novas plantas, uma vez que as empresas sabiam que, se houvesse escassez, não poderiam cobrar dos consumidores. Até o dia em que houve falta de oferta. Nesse dia viu-se que o sistema (lá também fortemente dependente de geração hidrelétrica) necessitava de um preço mínimo que garantisse um incentivo ao sistema ser expandido. A questão é: foi a decisão governamental correta? Infelizmente, não. De fato, há limitação de preços e não há preço mínimo, que garanta o equilíbrio econômico-financeiro de médio e longo prazos de uma geradora típica. E o preço da energia velha no leilão saiu abaixo desse valor. Como conseqüência, não só as estatais de geração terão menos recursos para investir, como as empresas privadas terão menos interesse em fazê-lo, mesmo no leilão de energia nova. O ponto principal é que a energia nova de hoje é a energia velha de amanhã. Numa eventualidade no futuro de excesso de oferta de energia, não haverá preços mínimos e os empresários do setor privado terão que levar isso em consideração ao participarem no leilão de energia nova. Isso quer dizer que cobrarão preços mais elevados e terão menos interesse em investir no setor. O que deve ser feito? O governo deve preparar-se para despender recursos orçamentários nas estatais. Contudo, ainda há como mitigar o problema. Como o leilão de geração de energia para 2008 e 2009 ainda não ocorreu, as autoridades do setor poderiam colocar um preço mínimo para eles, corrigindo o problema do primeiro leilão e sinalizando que a futura energia velha terá um tratamento que vai assegurar um mínimo de rentabilidade.