Título: Relator e revisor entram em novo embate
Autor: Basile , Juliano
Fonte: Valor Econômico, 13/09/2012, Política, p. A15

O Supremo Tribunal Federal (STF) começou o dia de ontem anunciando que faria uma sessão semanal extra para agilizar o julgamento do mensalão, mas uma nova discussão entre o relator, ministro Joaquim Barbosa, e o revisor, Ricardo Lewandowski, acabou atrasando ainda mais os trabalhos e a Corte não conseguiu superar o terceiro item dos sete que serão julgados.

Durante a discussão, Barbosa apontou a existência de um "jogo de intrigas" na Corte. A proposta de realização de uma sessão extra, nas manhãs das quartas-feiras, sequer foi votada.

O debate teve início quando Lewandowski defendeu a absolvição de Geiza Dias, ex-gerente financeira da SMP&B, agência do publicitário Marcos Valério. O revisor mencionou uma entrevista do delegado Luís Flávio Zampronha, que presidiu o inquérito do mensalão na Polícia Federal, e concluiu que Geiza não tinha conhecimento dos delitos.

Joaquim Barbosa, que na segunda-feira, votou pela condenação de Geiza, não gostou do uso da entrevista pelo revisor. "Veja como as coisas são bizarras nesse país. Um delegado preside um inquérito e, às vésperas do julgamento, vai à imprensa e diz "fulano não deveria ter sido denunciado". Isso é um absurdo! Em qualquer país civilizado esse delegado estaria no mínimo suspenso", declarou o relator.

O ministro Gilmar Mendes apoiou Barbosa. "Há argumentos suficientes para discutir a questão nos autos, sem a necessidade de invocar testemunhos dados em jornais. É um debate heterodoxo nos valer de entrevistas", disse Mendes.

Lewandowski advertiu que não levaria a entrevista em conta em seu voto e reclamou, aumentando o clima de tensão: "Por falar em heterodoxia, esse julgamento não é um dos mais ortodoxos que já se processou no Supremo". "Eu discordo", respondeu Barbosa.

Alguns minutos depois, Lewandowski passou a ler os e-mails de Geiza sobre repasses de dinheiro para defender que ela estava apenas seguindo ordens e não deveria ser condenada por lavagem de dinheiro. Barbosa já havia se referido aos e-mails, mas Lewandowski enfatizou que era preciso levar em conta o princípio do contraditório pelo qual, para cada alegação da acusação, há uma resposta da defesa.

"Vossa excelência está insinuando que eu não fiz isso", disse Barbosa. "Leia o meu voto. Isso aqui não é academia. É um tribunal. Nós estamos aqui para examinar fatos e dar uma decisão." Lewandowski respondeu que não compreendia as alegações de Barbosa: "Eu não estou entendendo o argumento de vossa excelência". "Ora, vamos parar com esse jogo de intrigas", rebateu Barbosa. "Faça o seu voto de maneira sóbria", completou.

O presidente da Corte, Carlos Ayres Britto, e o decano, Celso de Mello, procuraram apaziguar os ânimos. O primeiro deu a palavra a Lewandowski para continuar o voto. O segundo tentou minimizar o episódio. "A mim não me parece que o revisor está censurando o relator, mas apenas relembrando uma garantia constitucional", disse Celso de Mello.

"Eu concordo com vossa excelência, ministro Celso. Mas o revisor não, pois acaba de dizer que o processo vem sendo conduzido de maneira heterodoxa", reclamou Barbosa. "Ele [Lewandowski] está tentando mostrar essa heterodoxia nas entrelinhas de seu voto. Então, leia o meu voto e demonstre isso, que eu não faço uso do contraditório", continuou o relator. "Nós temos estilos diferentes. Eu digo uma coisa em duas ou três linhas, não preciso mais do que isso."

Lewandowski se disse "perplexo" com as declarações de Barbosa. "Há pontos que discordamos, mas eu jamais ousaria insinuar que o voto de vossa excelência esteja incompleto ou não tenha atendido aos cânones processuais", afirmou. O revisor disse ainda que o relator estava "fazendo uma ilação completamente descabida". "Eu não tenho nenhuma crítica ao trabalho de vossa excelência. Estou apenas ressaltando a importância do contraditório no processo penal", enfatizou o revisor.

"Todos nós temos experiência suficiente e não necessitamos de lições", respondeu Barbosa. "Então, vou saltar aos argumentos de defesa. É isso?", retrucou Lewandowski. A discussão foi contornada por Ayres Britto, que garantiu a Lewandowski o "direito de proferir o seu voto na plenitude". "Eu não tenho nenhuma pretensão de dar lições a ninguém", continuou Lewandowski. "É um segundo olhar. É só isso. É como alguém que procura um médico para dar uma segunda opinião", minimizou.

Após a sessão, Lewandowski alegou que se referiu ao tamanho do processo quando disse que o caso não era ortodoxo. Ele também desconversou quanto ao "jogo de intrigas" alegado por Joaquim Barbosa. "Sabe que eu nem ouvi? Só ouço coisas boas", declarou o revisor.