Título: Orçamento impositivo requer reforma política
Autor: Góes, Francisco
Fonte: Valor Econômico, 18/10/2006, Política, p. A7

A mudança no Orçamento da União, de autorizativo para impositivo, terá de ser acompanhada de uma reforma política que estabeleça como prioridade a fidelidade partidária. Sem ela, e caso o Orçamento passe a ser mandatário - o que significa desvincular a liberação das emendas dos parlamentares da negociação com o Executivo -, em um ou dois anos haveria risco à governabilidade, avalia o cientista político Márcio André de Carvalho, da Fundação de Getúlio Vargas (FGV).

O cenário resultaria em maior dificuldade do Executivo na aprovação de medidas provisórias e de projetos de interesse do governo. Reduziria-se, assim, o poder de barganha representado pelo uso estratégico das emendas de parlamentares como forma de manter e ampliar a base de sustentação do governo no Congresso. "O ideal seria um Orçamento impositivo somado à fidelidade partidária, o que tornaria o processo mais transparente e racional", diz Carvalho.

Ele fez parte da equipe de técnicos da FGV que preparou o documento "Temas para o Desenvolvimento com Eqüidade", a ser entregue hoje ao ministro Tarso Genro, da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência. O documento foi elaborado a pedido de Genro para subsidiar as discussões no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES).

O texto, de 111 páginas, analisa alguns dos principais problemas que precisam ser resolvidos para o Brasil voltar a se desenvolver, incluindo política econômica (crescimento, inflação e situação fiscal), políticas sociais (redes de proteção social e desigualdade, saúde e educação) e a eficácia do Estado.

Em um dos capítulos, o documento discute a interdependência entre a reforma política e a mudança no processo orçamentário. "A interrelação entre as duas reformas é fundamental", diz o presidente da FGV, Carlos Ivan Simonsen Leal.

No trabalho, os técnicos da FGV lembram que o Senado aprovou proposta de emenda constitucional para transformar o Orçamento em impositivo. Dessa forma, todas as emendas aprovadas no texto final do Orçamento devem ser executadas, independente da vontade do Executivo. A proposta, que ainda tem de ser votada na Câmara, altera a relação de forças.

A falta de uma maioria estável no Congresso faz com que o governo lance mão de duas estratégias principais para garantir apoio: nomeações para cargos e aprovação de emendas ao Orçamento. Levantamento da FGV com base na execução orçamentária de recursos de Investimentos do Orçamento Geral da União mostra que, entre 1999 e 2003, grande parte destas execuções foi paga em dezembro de cada ano.

Em 2003, 76% dos investimentos foram executados em dezembro. A situação pode levar à conclusão de que existe um descompasso entre o planejamento de arrecadação, a arrecadação efetiva e a disponibilidade de recursos para execução. Outra hipótese é de que as emendas dos parlamentares são executadas pelo Executivo no fim do ano, quando o governo tem uma análise do comportamento do congressista via Sistema de Acompanhamento Legislativo (Sial).

"Desta maneira, a execução (orçamentária) seria utilizada como um dos mais importantes mecanismos de que o Executivo dispõe para negociar com parlamentares", diz o relatório da FGV. Segundo os técnicos da entidade, as mudanças propostas pelo Congresso apontam para um aumento da influência do Legislativo no Orçamento.

O documento destaca, porém, que o Orçamento impositivo poderia levar a um aumento do déficit público, já que haveria um excesso de emendas parlamentares sem poder de veto pelo Executivo. Eles também argumentam que o governo poderia minimizar as perdas com a adoção do sistema impositivo: "A mudança pode ser compensada com o advento da fidelidade partidária, em que, ao invés de negociações pontuais com parlamentares, o eixo da negociação possa se transferir para uma negociação mais profunda com os partidos políticos".

Para os técnicos da FGV, o custo político e econômico da manutenção da maioria no Congresso é alto e vem aumentando, pois faz com que o governo dependa de partidos pequenos e de indivíduos para obter a sua governabilidade. Na visão da FGV, a fidelidade partidária reduziria o número de deputados que utilizam o partido de maneira particular, aumentando a coesão nos partidos que apóiam o governo. A FGV reconhece, no entanto, que a reforma política com base na fidelidade partidária e a mudança do Orçamento exigiriam uma costura política hábil.