Título: EUA não farão nova oferta na OMC sem contrapartidas, diz especialista
Autor: Leo, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 19/10/2006, Brasil, p. A2

É um erro pensar que o fim das eleições parlamentares nos Estados Unidos, neste ano, permitirá ao governo americano fazer ofertas mais generosas nas negociações internacionais na Organização Mundial de Comércio (OMC). É o que garante a especialista Regina Vargo, ex-número 2 do USTR, o equivalente ao ministério de Comércio Exterior dos Estados Unidos, para quem os EUA não farão novo movimento na OMC sem contrapartidas. O Brasil tem de pressionar a Índia, seu parceiro no G-20, para abrir mais o mercado indiano aos outros países, afirma Vargo.

"Um mercado importante como a Índia tem tarifas de importação autorizadas na OMC de 144%, está oferecendo um corte delas para 70%, enquanto, na prática, suas tarifas já estão em torno de 35%", disse ela, em entrevista ao Valor.

Caso fosse aceita, a oferta indiana representaria uma abertura real de apenas 3% do mercado indiano de bens, calcula a especialista, hoje diretora para comércio global da firma de advocacia americana Greenberg Traurig. "Por que aceitaríamos isso?", pergunta ela, ao acusar a Índia de esconder-se por trás de economias mais pobres, enquanto, em outros fóruns mundiais, anuncia a intenção de superar a China em dez anos.

Vargo, que chefiou as delegações dos EUA nas negociações de acordos de livre comércio com o Chile e países da América Central, vê poucas possibilidades de um acordo semelhante, em curto prazo, com o Uruguai, devido a resistências internas nos dois países.

Segundo ela, se o Brasil quiser algum tipo de acordo para ter maior abertura a seus produtos no mercado dos EUA, terá de aceitar a inclusão de temas que levaram ao colapso das negociações na Área de Livre Comércio das Américas (Alca): maior proteção à propriedade intelectual, abertura para firmas americanas nas compras e licitações dos governos do Mercosul, e normas mais fortes de proteção a investimentos estrangeiros.

"Entre os motivos que levaram ao rompimento entre o Mercosul e os Estados Unidos na Alca está o desejo brasileiro de concentrar as negociações só em acesso a mercados", comentou a especialista. "Não creio que no mundo globalizado isso seja suficiente."

Por enquanto, avalia, EUA e Brasil elegeram como prioridade nas relações bilaterais o esforço conjunto para não deixar retrocederem as negociações na OMC. "O Brasil tem importante papel de liderança, mas tem de se cuidar para que a Índia não frustre seus objetivos", advertiu.

O esforço americano deverá ser para obter avanços que justifiquem, no Congresso, a extensão da Autoridade de Promoção de Comércio (TPA, da sigla em inglês, a autorização parlamentar para o Executivo firmar acordos comerciais sem risco de emendas no Congresso).

"Perdemos o bonde para um acordo final na OMC aproveitando a atual TPA", concorda ela. "O esforço, agora, será obter progresso suficiente nas negociações para atrair votos necessários a uma extensão da TPA, por mais um ano."

Vargo, que veio ao Brasil, a convite do governo americano, para mostrar aos empresários brasileiros o funcionamento do sistema de consultas oficial dos EUA com o setor privado para orientar as negociações, disse ter ficado impressionada com o interesse dos homens de negócio brasileiro em um acordo e liberalização de comércio com os Estados Unidos.

Desde 2000, quando ainda havia fortes resistências à abertura do mercado brasileiro aos EUA, as exportações americanas ao Brasil estagnaram, enquanto as brasileiras cresceram 75%. "Houve uma virada de US$ 10 bilhões no comércio", calcula Vargo.

Segundo ela, há consenso nos EUA, porém, que acordos de livre comércio só são eficientes se criam um ambiente favorável aos negócios. Por isso não há chance de um acordo com o Brasil limitado a mexer em tarifas de importação. "Por mais que queiramos relações com o Brasil, não há motivo para que o país seja a única exceção entre os acordos firmados pelos EUA com mais de 18 parceiros."

Negociação de um acordo de livre comércio com um país pequeno como o Uruguai é algo improvável, porque o grande esforço exigido nessas negociações tem levado tanto o governo quanto o Congresso dos EUA a dar preferência a mercados maiores, diz ela. O que foi acertado com o Uruguai é apenas um acordo de cooperação, que permite maior entrosamento entre as burocracias dos parceiros, explica Vargo.

Um aumento de cotas exclusivamente para produtos uruguaios, como quer o governo Tabaré Vazquez, também é muito difícil, porque as normas da OMC obrigariam o país a estender os benefícios a outros países, diz ela.