Título: Câmbio, inflação e salário
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Fonte: Correio Braziliense, 17/11/2010, Opinião, p. 20

Visão do Correio

A estabilidade da economia brasileira necessita hoje superar um dilema estrutural para que permaneça à margem de turbulências indesejáveis. Por um lado, o cenário requer a introdução de algum mecanismo apto a reverter a tendência de aumento da inflação, hipótese que se insere no horizonte como séria ameaça. Por outro, é imperioso contornar os percalços das relações cambiais, causados pela desvalorização do dólar. Algo, explique-se, que possa gerar novo dinamismo às exportações, fonte de apropriação eficaz de divisas e estratégica para o desenvolvimento do país.

Na visão monetarista, o aumento da taxa de juros seria instrumento eficiente para controlar as pressões inflacionárias. O problema é que a remuneração mais alta do capital aplicado inundaria o país de dólares. Então, a moeda norte-americana ficaria ainda mais desvalorizada, com efeito desastroso sobre o desempenho do estamento exportador. O pensamento mais desengajado recomenda solução capaz de conciliar as pontas do dilema.

Assim, o combate à inflação dar-se-ia por meio da redução das despesas correntes da administração pública. O próprio Banco Central crê que é possível diminuir os fluxos de gastos sem prejudicar investimentos de natureza infraestrutural e programas sociais. Quanto aos prejuízos resultantes do desequilíbrio cambial, poderiam estancar, ou pelo menos declinar a patamares suportáveis, mediante desoneração das exportações.

Sobre o painel de semelhantes desafios, que expõe apenas algumas questões cruciais, lançam-se agora novas complicações. A mais recente é a intensa movimentação de centrais sindicais em favor de aumento real do salário mínimo em 2011 acima das expectativas de produtividade da economia. A regra em vigor é a da reposição do valor erodido pela ascensão do custo de vida, medido pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), e mais ganho vinculado ao crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) nos dois anos anteriores.

Como em 2009 o PIB só avançou 0,02%, a rigor o mínimo de 2011 deveria apenas incorporar a inflação de 2010. Há margem, contudo, para revisão mais consistente. Nada mais justo do que remunerar com dignidade as classes assalariadas. Mas justo é também situar o reajustamento dentro das disponibilidades existentes. Não é aceitável que, à força de solução inadequada, se agravem a crítica situação da Previdência Social e, em particular, as folhas de pagamento dos estados e municípios mais carentes ¿ sem aditar a exacerbação nos custos das empresas.

A candidata eleita à Presidência República, Dilma Rousseff, vai governar em meio a conjuntura complexa, marcada pelos resíduos de crise mundial que ainda afetam o Brasil, como o desacerto no câmbio. Também há de ordenar certos e indispensáveis ajustamentos na máquina estatal. Cumpre ao Congresso, na faina de confeccionar o Orçamento da União, não ceder a apelos demagógicos, em particular na fixação do salário mínimo.