Título: PSDB joga as últimas fichas no discurso da moralidade
Autor: Felício, César
Fonte: Valor Econômico, 24/10/2006, Política, p. A10

Várias ausências ilustres marcaram ontem o último ato público de arrecadação de campanha do candidato tucano à Presidência, Geraldo Alckmin, em um clube numa área nobre de São Paulo. Cerca de mil pessoas, segundo os organizadores, pagaram R$ 100 para ouvir o candidato fazer um discurso centrado exclusivamente na bandeira da ética.

Antes mesmo de Alckmin usar a palavra, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso deu o tom, ao afirmar que "a diferença entre os dois candidatos nos programas econômico e social é muito pequena. O contraste é de moralidade".

O candidato tucano bateu na tecla do princípio ao fim. "A política não pode ser um clube de má fama", disse, ao iniciar um raciocínio que concluiu afirmando: "é um escândalo atrás do outro e o que chega ao conhecimento público é a ponta de um iceberg".

Não compareceram ao evento o governador eleito de São Paulo, José Serra, e os presidentes nacionais do PFL, senador Jorge Bornhausen (SC), PSDB, senador Tasso Jereissati (CE) e PPS, deputado Roberto Freire (PE), presenças constantes nas atividades do candidato. Debatendo no mesmo horário com o coordenador de campanha de Lula, Marco Aurélio Garcia, o coordenador da campanha tucana, senador Sérgio Guerra (PE), também não foi.

A desvantagem de 20 pontos percentuais para Lula nas pesquisas de intenção de voto provocou manifestações de desalento no evento. "A resposta deles vêm com rapidez, eles estão montados em uma porção de pontos, devolvendo tudo o que o Geraldo fala. Nós estamos sendo engolidos, será que vocês não vêem? Acordem!", disse a viúva do governador Mário Covas, de quem Alckmin foi vice e herdou o governo estadual em 2001, Lila Covas, reclamando da propaganda tucana.

Mesmo o impacto na campanha dos escândalos mais recentes envolvendo Lula foi avaliado com cautela. "Estou convencido de que três escândalos derrubam um governo, mas três mil escândalos, não. Vira paisagem, outdoor em posto de gasolina", disse o líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio Neto (AM).

Na sucessão dos discursos, o de Fernando Henrique foi o mais agressivo. Comparou a campanha de Lula às ações do ministro da propaganda nazista, Joseph Paul Goebbels, conhecido pela fórmula em que uma mentira, mil vezes repetida, passa a ser vista como verdade. Disse que, recentemente, o ex-premier italiano Silvio Berlusconi adotou a mesma tática na Itália e perdeu as eleições.

Chamou Lula de "Fanfarrão Minésio", "que conta muita prosa e joga uma cortina de fumaça" e disse que se tratava de um personagem do escritor barroco luso-brasileiro Gregório de Matos e Guerra. Na verdade, o ex-presidente confundiu-se. "Fanfarrão Minésio" é um personagem de "Cartas Chilenas", obra de Tomás Antônio Gonzaga escrita no fim do século XVIII, em que atacava o governador da capitania de Minas, Luis da Cunha Menezes (1783-1788), conhecido como corrupto e cruel.

A atriz Irene Ravache fez um apelo para que os adeptos de Alckmin lancem mão da abordagem pessoal para reverter a desvantagem na reta final da campanha. "Cabe a nós, da mesma forma que nossos avós nos contavam histórias quando crianças, passar o que está sendo publicado adiante para aqueles que não tiveram acesso. A nossos colegas, empregados, parentes. Reunir as pessoas, talvez na copa de nossas casas, e ler", recomendou a atriz.

No fim da tarde, o coordenador da campanha de Lula decidiu responder às críticas do ex-presidente. "A derrota parece haver subido à cabeça do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Diante da iminência do fracasso, FHC perdeu a compostura que a função de ex-presidente supõe", afirmou Marco Aurélio Garcia, em nota, aproveitando para voltar a ligar os tucanos com o tema da privatização. "No passado, ele havia pedido para esquecer o que ele escreveu. Agora parece querer que nós esqueçamos o que ele fez. O programa de privatização não é uma invenção nossa. Ele faz parte do DNA dos tucanos", escreveu Garcia.

O ministro das Relações Institucionais, Tarso Genro, também rebateu as críticas de FHC e devolveu a acusação de sua legenda usa técnicas "nazistas". "De técnicas nazistas e fascistas, eles (tucanos) é que entendem", afirmou. O ministro, no entanto, afirmou que, depois das eleições, o ex-presidente deve ser chamado a dialogar. " Eu não estou preocupado, porque essa tensão é normal em períodos eleitorais. Depois (das eleições), nós vamos procurar todos os setores de oposição para dialogar, independente da ideologia " .

Ele disse que o convite também deveria ser estendido ao ex-presidente FHC. " Não só pode (participar do diálogo com o governo), como deve, porque o Fernando Henrique é um líder político, que está guiando ideologicamente a discussão " . (Com agências noticiosas)