Título: Candidatos criticam participação da União nos gastos da saúde
Autor: Máximo, Luciano
Fonte: Valor Econômico, 27/09/2012, Especial, p. A12

A situação da saúde pública é considerada por eleitores de todo o país o problema mais urgente nas principais capitais brasileiras. A ânsia da população em ver definitivamente resolvidos dramas como carência de médicos em unidades básicas, falta de leitos em hospitais e intermináveis esperas por exames e cirurgias leva candidatos de diferentes partidos a fazer promessas que colocam na berlinda o verdadeiro peso do governo federal no financiamento do setor.

No universo das campanhas eleitorais, a maioria dos postulantes a prefeituras de muitas cidades atribui à parceria com o Ministério da Saúde a fórmula para a contratação de mais médicos da atenção básica, a construção de novos hospitais e postos de saúde, entre outras propostas. Mas no dia a dia das agruras da operação do Sistema Único de Saúde (SUS), gestores falam abertamente que as administrações municipais estão no limite da capacidade de gastos e acusam o governo federal de estar reduzindo gradualmente sua participação no total de despesas públicas com saúde em todo o país.

De acordo com a Emenda Constitucional 29, aprovada em 2000, as prefeituras são obrigadas a aplicar em saúde no mínimo 15% de sua arrecadação; os governos estaduais, 12%. O cálculo de investimento em saúde da União deve obedecer o valor do orçamento do Ministério da Saúde do ano anterior acrescido da variação nominal do Produto Interno Bruto (PIB).

Por essas regras, Estados e municípios respondem hoje por mais de 55% do total de gastos públicos com saúde, valor superior a R$ 150 bilhões. Em 2000, prefeituras e governos estaduais gastavam cerca de 40% do total. Já a participação da União, que era de 60% há mais de dez anos, se inverteu e hoje está na casa dos 45%. Segundo especialistas, a desigualdade no financiamento público da saúde chegou a esse estado porque, desde a criação do SUS, em 1988, os municípios passaram a responder diretamente às demandas da população por melhores condições de saúde. Resultado: os gastos municipais aumentaram gradualmente bem acima dos estaduais e federal e hoje estão, na média nacional, em 22% das receitas próprias.

"O grande trauma do financiamento da saúde hoje é o nível federal, a União está desfinanciando o SUS. Isso é fato", afirma o secretário municipal de Saúde de São Paulo, Januário Montone, fundador do PSDB e formulador de propostas para a área de saúde do tucano José Serra na eleição paulistana.

A crítica não vem só da oposição. Para Aparecida Linhares Pimenta, vice-presidente do Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (Conasems) e secretária municipal de Saúde da prefeitura de Diadema (PT), na região metropolitana de São Paulo, a participação federal no financiamento do setor é uma derrota do SUS. "É impossível fazer a saúde que temos na Constituição com a quantidade de recursos que recebemos hoje do governo federal. O maior ponto de estrangulamento do SUS está no financiamento federal", critica a médica petista.

O Ministério da Saúde afirmou, em nota, que segue à risca as regras da Emenda 29. Seu orçamento cresceu 185% nos últimos dez anos em termos nominais, passando de R$ 30,2 bilhões (2002) para R$ 86,2 bilhões (2012). A pasta informou também que os municípios podem ampliar os valores que recebem da União a partir da adesão a vários programas federais, como o Saúde da Família, Agentes Comunitários de Saúde, Saúde Indígena, Saúde Bucal. "Além disso, as prefeituras contam com o Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade (Pmaq), lançado em 2011. Por meio dele, os gestores podem elevar os recursos do incentivo federal desde que melhorem o padrão de qualidade no atendimento do SUS."

Embora estejam em campos políticos opostos, os médicos Januário Montone e Aparecida Linhares concordam que, a exemplo de municípios e Estados, o governo federal também deveria ter uma regra de vinculação orçamentária para a saúde. "É importante lembrar que a versão original da Emenda 29 estabelecia que a União deveria entrar com 10% de suas receitas para os gastos do setor", diz Montone. "Os 10% das receitas federais significam R$ 32 bilhões em recursos novos. Com isso, o subfinanciamento provocado pelo governo federal iria melhorar muito, mas foi uma medida derrotada quando a Emenda 29 foi regulamentada", acrescenta Aparecida.

Eles também reconhecem que pouco é falado sobre isso nas campanhas, mas trata-se de um debate que deve mobilizar o setor da saúde com a entrada dos novos prefeitos. "É um tema árido para ser tratado em campanha, mas crucial para a agenda dos futuros gestores", prevê Aparecida. "São Paulo já gasta 20% de suas receitas no critério da Emenda 29, e muitos municípios já chegaram no limite. A tendência é que passem a se organizar para pressionar a União a participar com mais recursos no financiamento", diz Montone.

Em poucas campanhas a queda da participação do governo federal no financiamento da saúde é lembrada. O prefeito de Curitiba, Luciano Ducci (PSB), candidato à reeleição, se comprometeu com o Movimento SUS +10 e assinou o Projeto de Lei de Iniciativa Popular (Plip) para forçar a União a destinar 10% de suas receitas correntes ao SUS. Ele também tem trabalhado com deputados federais para que sejam apresentadas emendas que busquem recursos federais para investimentos em saúde.

Na corrida eleitoral de São Paulo, o ex-ministro da Saúde José Serra destaca o atual investimento da prefeitura e alfineta a gestão da ex-prefeita Marta Suplicy (PT) e o governo federal. "O orçamento de R$ 6,7 bilhões [da Secretaria Municipal de Saúde em 2012] equivale a 179% do que era alocado na saúde na gestão do PT. A União repassa R$ 1,6 bilhão e sua participação no orçamento da saúde municipal caiu de 34% em 2004 para 24% em 2011. Ou seja, na prática o governo federal está tirando o time de campo no financiamento da saúde e jogando a conta nas costas dos municípios", diz Serra.

O candidato do PT em São Paulo, Fernando Haddad, que disputa com Serra uma vaga para o segundo turno, afirma que a gestão atual não soube formar parcerias com o Ministério da Saúde. "Vamos elevar os gastos com a saúde, trazendo recursos do governo federal que não foram aproveitados na gestão Serra-Kassab, e buscando a participação efetiva do governo estadual no financiamento do sistema municipal de saúde. De um modo geral, no que se refere à administração dos recursos da saúde, vamos resgatar a autoridade do gestor público e evitar desperdícios", promete Haddad.