Título: Gasto com juros este ano deve ser o menor desde 1997
Autor: Lamucci, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 22/02/2007, Brasil, p. A6

O Brasil vai gastar com juros neste ano o equivalente a 6,39% do Produto Interno Bruto (PIB), segundo estimativas do Banco Central (BC). Se concretizado, será o nível mais baixo desde 1997, ano em que as despesas financeiras do setor público atingiram 4,97% do PIB. O menor gasto com juros reflete principalmente a queda da taxa Selic. Em 2006, com uma Selic média de 15,3%, o país destinou 7,66% do PIB para o pagamento de juros, ou R$ 160 bilhões. Neste ano, com a expectativa de um juro básico médio de 12,16%, as despesas financeiras devem ficar próximas a R$ 140 bilhões.

Parte dessa folga fiscal será usada para aumentar investimentos públicos. As despesas com o Projeto Piloto de Investimentos (PPI), que reúne obras de infra-estrutura, pode consumir até 0,5% do PIB, o correspondente a R$ 11 bilhões. Se conseguir efetivamente gastar esse valor, o superávit primário (a economia para pagar juros) cairá de 4,25% para 3,75% do PIB. O governo opta, desse modo, por reduzir mais lentamente a relação entre a dívida líquida do setor público e o PIB, um dos principais indicadores de solvência de um país, que fechou 2006 em 50%. A dívida líquida é calculada abatendo-se do endividamento bruto ativos como as reservas internacionais.

Economistas mais ortodoxos torcem o nariz para a estratégia do governo, por considerar que o correto seria manter o superávit primário e, com isso, acelerar a queda da dívida, ainda alta para um país emergente. Os desenvolvimentistas, por sua vez, vêem com bons olhos o direcionamento de recursos, que antes eram gastos com juros, para investimentos em obras de infra-estrutura, uma das principais carências do país.

O economista-chefe do Pátria Banco de Negócios, Luís Fernando Lopes, acha que este não é o momento de diminuir a economia para pagar juros, uma vez que a dívida pública ainda é muito grande. O endividamento pesado, lembra ele, é um dos motivos que explicam por que o país ainda tem despesas financeiras tão elevadas. "Um juro alto incide sobre um débito ainda alto", resume Lopes. Países classificados pelas agências de classificação de risco como grau de investimento, considerados mais seguros, têm um endividamento líquido inferior a 30% do PIB. Com um endividamento tão elevado, o setor público absorve boa parte do dinheiro disponíveis na economia, tomando espaço do setor privado na busca por recursos. "Esse é um dos fatores que dificultam um crescimento mais rápido."

A economista Ana Carla Abrão Costa, da Tendências Consultoria Integrada, também diz que seria melhor não usar a folga fiscal aberta com a queda dos juros para aumentar investimentos. A prioridade, para ela, deveria ser reduzir mais rapidamente a relação dívida/PIB. "Uma dívida menor melhoraria a percepção de solvência e permitiria cortes maiores dos juros, o que se refletiria em mais crescimento lá na frente."

Mas o governo não vai seguir por esse caminho. Um dos principais motivos é que, com a Selic rodando em patamares mais baixos, é possível reduzir a relação entre a dívida líquida e o PIB mesmo com um superávit mais baixo. Cálculos do ex-diretor do BC Alexandre Schwartsman, economista-chefe do ABN Amro para a América Latina, mostram que um superávit de 2% a 2,5% do PIB é suficiente para estabilizar esse indicador de solvência. Qualquer esforço fiscal superior a esse já o derruba.

Nesse cenário tranqüilo, o governo decidiu que parte da redução dos gastos com juros vai financiar um aumento dos investimentos públicos federais, que totalizaram apenas 0,7% do PIB no ano passado. O professor Francisco Luiz Lopreato, da Unicamp, aplaude a idéia, lembrando que o investimento público tem sido muito baixo. Para ele, é uma estratégia mais nobre aplicar em infra-estrutura os recursos liberados pela redução das despesas com juros.

Lopreato ressalta que aumentar investimentos é fundamental para acelerar a atividade econômica, o que também tem um impacto fiscal positivo. "A melhor maneira de reduzir a relação dívida/PIB é com cortes de juros e com mais crescimento", afirma ele. Com uma expansão maior da economia, a dívida fica proporcionalmente menor em relação ao PIB. "Espero que o governo tenha virado definitivamente a página do ajuste fiscal baseado apenas em corte de gastos."

Outra opção para usar a folga fiscal aberta pelas menores despesas com juros seria reduzir a carga tributária. O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) traz algumas desonerações fiscais localizadas, mas a expectativa é que o bolo total de impostos aumente em 2007. O economista Sérgio Vale, da MB Associados, diz que o governo vai na direção errada. "O ideal seria tomar medidas que levassem ao corte dos gastos públicos e melhorassem o ambiente para o setor privado investir."

Com a decisão do governo de reduzir um pouco o superávit primário, o déficit nominal (que inclui os gastos com juros) também vai cair mais lentamente. Em 2006, esse déficit atingiu 3,35% do PIB, e deve recuar para 2% a 2,5% neste ano, dependendo de qual for efetivamente o superávit primário. Quando há déficit nominal, a dívida continua a crescer em termos absolutos, ainda que possa cair como proporção do PIB.