Título: Setor imobiliário pode fazer PIB crescer 4%
Autor: Lamucci, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 25/10/2006, Brasil, p. A3

Depois de anos de estagnação, o mercado imobiliário tem a possibilidade de crescer a taxas expressivas, devido à combinação de regras que favorecem a expansão dos financiamentos e da expectativa de continuidade de queda dos juros e da manutenção da inflação baixa. Um estudo da MCM Consultores estima que medidas como a possibilidade de se realizar empréstimos com juros prefixados com recursos da caderneta de poupança, num ambiente macroeconômico favorável, podem fazer os empréstimos habitacionais atingir R$ 300 bilhões em quatro anos, o equivalente a 15% do Produto Interno Bruto (PIB). Hoje, esse número está na casa de 3% do PIB. Se concretizado, esse salto pode levar o Brasil a crescer mais 4% ao longo desse período, avalia a MCM.

"A dinamização do mercado imobiliário pode ser uma das chaves para o Brasil começar a decolar", diz o economista-chefe da MCM, Celso Toledo. Ele destaca a importância do segmento para a economia, lembrando que a construção civil tem uma capacidade de geração de empregos muito expressiva. No setor, de janeiro a setembro foram criados 131,4 mil postos com carteira assinada, 22% acima dos primeiros nove meses de 2005. "O volume de empregos gerados é ainda maior se considerarmos os setores correlacionados na cadeia da construção, ainda que seja difícil mensurar esse total", aponta um relatório dos economistas do Bradesco.

A MCM calculou o potencial de crescimento tomando por base as famílias com renda acima de cinco salários mínimos que alugam imóveis, supondo que 30% da renda será usada para pagar o empréstimo. Com juros de 14% ao ano, trocar o aluguel pelo financiamento vale a pena para quem paga um aluguel equivalente a 0,9% do valor do imóvel, fazendo as contas na ponta do lápis. Na maior parte dos casos, porém, o aluguel equivale a 0,5% a 0,75% o valor do imóvel. Uma queda dos juros para 12% ao ano já seria interessante do ponto de vista financeiro para quem paga um aluguel de 0,75% o valor do imóvel.

O crescimento de 12 pontos percentuais do crédito habitacional, de 3% para 15% do PIB, se traduziria num crescimento de 4% ao longo de quatro anos porque cada R$ 3 investidos em capital fixo costumam levar à produção de R$ 1, diz o economista Genílson Santana, um dos autores do estudo. A MCM considera que os recursos recebidos por bancos e construtoras serão reemprestados ou direcionados para novos investimentos, e não para o consumo.

Com lembram os analistas do Bradesco, o bom desempenho da construção é fundamental para o investimento no país, uma vez que responde por cerca de 60% da formação bruta de capital fixo (FBCF) - os restantes 40% se referem a máquinas e equipamentos.

Santana ressalta a importância para o setor imobiliário de outras regras definidas ao longo dos últimos anos, como a questão da alienação fiduciária, que permite a retomada do imóvel em caso de inadimplência, e o patrimônio de afetação, que separa o patrimônio do empreendimento imobiliário do da construtora ou incorporadora. Com essas medidas, bancos e mutuários têm mais segurança para emprestar e para entrar em financiamentos longos. Mas apenas normas institucionais corretas não adiantariam, explica. Sem um cenário macroeconômico favorável, a MCM não apostaria num panorama tão positivo.

As perspectivas econômicas são realmente favoráveis para o setor. A inflação está se consolidando em patamares baixos e os juros devem seguir em queda, afirma Santana. "Pela primeira vez em muito tempo os bancos têm disposição para emprestar a taxas prefixadas e por prazos longos", diz o presidente em exercício do Secovi (sindicato da habitação) de São Paulo, Ricardo Yazbek. Segundo ele, os juros ainda estão elevados, mas caíram bastante e devem continuar em queda. De setembro de 2005 para cá, a taxa Selic recuou de 19,75% para 13,75% ao ano.

Yazbek lembra que já há operações com juros inferiores a 12% ao ano, como os da Caixa Econômica Federal. Na semana passada, a Caixa lançou uma linha de crédito, de R$ 1 bilhão, para financiamento habitacional com juros a partir de 11,9% ao ano. "A prestação começa a caber no bolso de mais gente", afirma ele, que considera possível o crédito habitacional atingir 15% do PIB no Brasil como prevê a MCM, ainda que talvez num prazo um pouco maior que quatro anos.

Yazbek nota que o crédito habitacional no Brasil é irrisório, na casa de 3% do PIB. Em países como os EUA, o número é de 75% do PIB. Mesmo em países latino-americanos o volume é muito maior que no Brasil, atingindo 17% do PIB no Chile e 11% do PIB no México.

Neste ano, o setor imobiliário mostra um bom desempenho, devendo ser fundamental para a construção civil fechar o ano com crescimento de 5,1%, nas projeções da economista Ana Maria Castelo, da GV Consult. Os empréstimos com recursos da caderneta de poupança totalizaram R$ 6,7 bilhões de janeiro a setembro, 105% acima do registrado no mesmo período do ano passado. O número de unidades financiadas no período também disparou, atingindo 82 mil, 112% acima do que ocorreu nos primeiros nove meses de 2005.

Para ela, o setor vive o melhor momento desde o começo do Plano Real, justamente pela combinação de regras adequadas , inflação baixa e juros cadentes. Ana Maria estima um crescimento de 5,1% para a construção neste ano, em boa parte devido ao bom resultado dos empréstimos habitacionais. Mesmo assim, ela é cautelosa e prefere não fazer previsões muito otimistas para os próximos anos.

Há alguns pontos sobre os quais ainda há interrogações, diz Ana Maria, como a reação da Justiça quando houver questionamentos sobre a execução do imóvel como garantia dos empréstimos. Além disso, ela lembra que boa parte do déficit habitacional se concentra nas camadas de renda mais baixa, inferior a cinco salários mínimos. Para essa população, são necessários subsídios oficiais para a compra da casa própria, opina.

O diretor de economia do Sindicato da Indústria da Construção Ciivl (Sinduscon) de São Paulo, Eduardo Zaidan, diz que, enquanto não houver aumento de renda consistente, é difícil apostar numa situação muito promissora para mercado imobiliário. Ele reconhece que as condições hoje são bem melhores que há alguns anos, mas afirma que o cenário ainda é bem mais fraco que o dos anos 80, quando chegaram a ser financiadas 660 mil unidades por ano.