Título: Custos e burocracia emperram doações pela internet
Autor: Cunto , Raphael Di
Fonte: Valor Econômico, 28/09/2012, Política, p. A12

Regulamentadas em 2010, as doações eleitorais pela internet prometiam uma revolução: democratizariam a distribuição de recursos, facilitariam a participação popular e diminuiriam a influência de grandes empresas. Mas não é o que se vê nestas eleições municipais. O único a usar da ferramenta até o segundo mês de campanha foi o candidato do PSOL à Prefeitura do Rio de Janeiro, Marcelo Freixo.

O motivo para a baixíssima adesão não é a má vontade dos candidatos, mas as dificuldades do sistema, dizem as empresas que trabalham com as doações online e equipes que tentaram obter recursos por esse modelo e desistiram diante do excesso de custos, burocracia e até a análise de que não valia a pena correr o risco de sofrer punição do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por eventuais erros no sistema.

"Não é que seja impossível [arrecadar pela internet], mas é tão trabalhoso que não justifica", afirma Roberto Oliveira, coordenador de informática da campanha de Otávio Leite (PSDB) à prefeitura carioca. O tucano registrou doação de R$ 2,3 mil pela internet, mas seu assessor diz que foi apenas um teste e o sistema no site do candidato já foi inclusive desabilitado. "A intenção é muito boa, mas a prática precisa ser aprimorada", afirma.

O principal motivo para desistirem, diz, foram as dificuldades com a operadora de cartão, que trata o candidato como se fosse um lojista. A cada depósito, ele paga para a administradora do cartão uma taxa de aproximadamente 3,8% para o crédito e de 2,5% para o débito - o valor depende da operadora e do volume movimentado. Outra possibilidade é receber por boleto, mas cada um emitido custa R$ 5 ao candidato, mesmo que o pretenso doador desista de contribuir.

Ainda há uma demora de 15 dias, contados a partir do momento em que o candidato recebe o CNPJ, no 1º dia da eleição, para abrir a conta da campanha e fazer à filiação à empresa de cartões. O maior problema, porém, é que, assim como os lojistas, o candidato só recebe o dinheiro do cartão depois de 30 dias. "Para uma campanha eleitoral, que dura 90 dias, isso é inviável", afirma Oliveira. A opção é "antecipar os recebíveis", o que gera mais uma taxa, equivalente a cerca de 5% do valor doado.

Ainda há gastos com empresas que fazem o sistema para colocar no site do candidato, como a interface que permitirá receber as doações com segurança. Para isso, Otávio Leite contratou a Doações Web, braço eleitoral da Kraftweb. A empresa vende o serviço em pacotes fixos com um teto no número de doações recebidas- estourado o limite, é preciso aderir a um plano maior.

O menor pacote, que foi o contratado pelo tucano, custa R$ 1.750 por mês e dá direito a receber até 500 doações. "Esperávamos fechar mais de uma centena de contratos, mas a procura foi muito pequena", afirma Cláudio Faria, um dos sócios da empresa, que fez o sistema de arrecadação da presidente Dilma Rousseff (PT) na campanha de 2010. "Houve muita procura na época, mas os candidatos desistiram com a dificuldade de filiação às empresas de cartões", relata.

A companhia contratada por Freixo, a Um a mais, demorou quase dois meses para desenvolver o sistema. A empresa, uma startup criada em janeiro para colher contribuições para projetos de esporte e cultura, adaptou o programa para o período eleitoral e negociou com bancos, operadoras de cartão e o TSE. "Investimos cerca de R$ 50 mil, sem contar as horas de trabalho dos três sócios", diz Mariana Spinelli, uma das proprietárias.

No caso de Freixo, como era um projeto experimental, não foi cobrada taxa de implantação e a empresa recebe apenas parte do arrecadado. Dos novos clientes, cobra taxa inicial de R$ 5 mil, mais 10% das doações recebidas - valores que variam para cada candidatura. No último mês, a Um a mais fechou contrato com candidatos do PDT, PT e PSOL, mas a expectativa dos sócios é apenas cobrir o investimento de R$ 50 mil - e aproveitar a experiência para faturar em 2014.

"O valor arrecadado depende de cada candidatura divulgar a ferramenta. Com o Freixo, a expectativa é conseguir entre R$ 200 mil a R$ 300 mil, mas só a mobilização das pessoas para doar já ajuda a campanha", afirma Mariana. O volume é afetado por eventos e campanhas de divulgação do candidato - logo após fazer um grande comício na Lapa na sexta-feira, Freixo recebeu R$ 30 mil em três dias.

Os recursos tendem a crescer também com a proximidade da eleição. Depois de registrar R$ 42 mil nos primeiros dois meses de campanha, as doações pela internet quadruplicaram e chegaram a R$ 166,2 mil ontem, doado por 1686 pessoas -média de R$ 98,58 por contribuição.

O valor é bem próximo ao arrecadado pelas campanhas presidenciais de Dilma Rousseff (PT) e Marina Silva (sem partido) em 2010. A petista, que recebeu apenas 0,13% de sua receita por doações pela internet, foi a que mais arrecadou com o modelo: R$ 174 mil. Já Marina, que foi pioneira no país no uso da internet para conseguir recursos, obteve R$ 167 mil - 0,65% de tudo que recebeu.

Para Freixo, cujo partido não aceita dinheiro de empresas, as doações online representaram parcela mais significativa da arrecadação, 8%, de acordo com a prestação de contas do segundo mês da campanha, o dado mais atualizado disponível. Ainda são, contudo, bem menos representativas do que foram para o político que popularizou essa modalidade, Barack Obama, que elegeu-se presidente dos Estados Unidos em 2009 com dois terços dos recursos doados pela internet, uma fortuna de US$ 500 milhões.

O candidato do PSOL credita o sucesso na arrecadação pela internet a interação com os eleitores pela rede e às restrições do partido e da campanha quantos aos doadores. "Por um lado, teve o investimento nas redes sociais, como antídoto ao horário eleitoral [em que tem pouquíssimo tempo comparado aos adversários], e por outro, é a necessidade, já que não contamos com os outros modelos mais comuns de financiamento, de empreiteiros e empresas", afirma.

O engajamento na internet rendeu simpatizantes - e doadores - por todo o Brasil e até no exterior. Foram 101 contribuições de fora da capital carioca, incluindo de Espoo, na Finlândia. Outras duas tentativas, uma de Nova Iorque e outra de Genebra, foram bloqueadas porque a legislação proíbe doações com cartão internacional. "Deu certo para mim, mas, se não houver reforma política, não vai funcionar", analisa.

Os números mostram que ele está certo e o modelo está longe de suplantar a tradicional ajuda de empresários. Freixo teve receita de R$ 531,5 mil em dois meses, muito aquém do prefeito Eduardo Paes (PMDB), que obteve R$ 12,4 milhões, e até do deputado federal Rodrigo Maia (DEM), R$ 2,3 milhões arrecadados, apesar de ter apenas 4% nas pesquisas.