Título: Em busca do equilíbrio
Autor: Boarini, Margareth
Fonte: Valor Econômico, 26/10/2006, Caderno Especial, p. F1

Mateus ainda não tinha nascido quando sua mãe, Suzete Hirata, já decidira reduzir sua jornada de trabalho em duas horas diárias para dedicar-se ao bebê, na volta de sua licença-maternidade. O novo horário adotado pela gerente de impostos de pessoa física da Ernst & Young não foi uma decisão unilateral, mas uma medida compartilhada entre ela e a empresa, a partir de um benefício oferecido pela consultoria dentro de um plano de promover a qualidade de vida a todos os seus funcionários.

"Não queremos que as pessoas tenham que fazer opção entre vida pessoal e profissional. Principalmente nossas colaboradoras, porque sabemos que para a mulher é muito mais difícil conciliar todas as obrigações. Por este motivo, é que estamos atentos à felicidade de nossos funcionários e tentamos promovê-la através de uma série de ações", afirma Elisa Carra, diretora de recursos humanos da empresa para a América do Sul.

Como a Ernst & Young, muitas empresas no Brasil começaram a intensificar a prática de um conceito mais amplo de qualidade de vida ao longo da última década.

O que no início era visto como antídoto contra o estresse e o prejuízo que ele acarreta para as empresas - no aumento dos custos com planos de saúde ou nos baixos rendimentos, por exemplo - , hoje é reconhecido como benefício que valoriza a imagem da companhia. E que ajuda a aumentar a produtividade entre os colaboradores e a reter talentos. "Até pouco tempo atrás, algumas empresas apenas ofereciam sessões de quick-massage. Mas muitas delas passaram a disponibilizar programas elaborados que contemplam a qualidade de vida de forma mais complexa", admite Alberto Ogata, presidente da Associação Brasileira de Qualidade de Vida (ABQV).

Estimativa da entidade, baseada na Europa e nos EUA, mostra que cada empresa precisaria disponibilizar uma verba de apenas R$ 3,00 por empregado ao mês para iniciar um programa interno de qualidade de vida. Desse total, 20% seriam destinados à avaliação enquanto os 80% restantes à criação do programa em si e de suas ações. "É um valor baixo, mas como no Brasil a grande maioria das empresas é micro, pequenas e médias, a batalha pela sobrevivência do negócio infelizmente dificulta um pouco a disseminação do conceito", diz Ogata.

Numa sociedade onde a vida profissional invade a agenda familiar e pessoal por conta do volume de emails e telefonemas, vale a pena atentar para as inúmeras vantagens colhidas pelas corporações que apostam em qualidade de vida. As duas horas diárias reduzidas do trabalho e redirecionadas hoje ao pequeno Mateus, de oito meses, trouxeram benefícios tanto para a executiva como para a consultoria. "Tinha muito medo de, a partir dessa experiência, começar a ser tratada como "café-com-leite", mas a realidade é completamente outra. Tenho mais foco no trabalho, faço tudo que fazia antes em menos tempo, minha equipe me dá um respaldo muito importante e me sinto muito grata à empresa por me proporcionar essa oportunidade que eu sei que não acontece em outros lugares", reforça Suzete.

Paulo Henrique Jamal, gerente de recursos de consultoria da Microsoft Brasil, está há oito anos na companhia. Quando entrou, pesava 95 quilos, fumava quase um maço de cigarros por dia, tinha a saúde comprometida por causa da hipertensão e era sedentário. Em 2002, motivado pela empresa, inscreveu-se na equipe de corrida e sua vida mudou radicalmente. Não apenas por conta das três maratonas que coleciona, mas porque seu perfil hoje é outro. Deixou de fumar, emagreceu 19 quilos e equilibrou a pressão arterial.

O executivo ainda se considera um workaholic. Mas se sente mais produtivo e dinâmico. Ele agora consegue distribuir melhor o tempo entre trabalho, família e atividades pessoais. Cria e aproveita melhor os momentos de lazer com o filho Lucas, de 11 anos, seja para passear de bicicleta no Parque Ibirapuera, em São Paulo, ir a teatro, cinema, acompanhá-lo nas aulas de tênis ou para jogarem juntos Yu-Gi-Oh, jogo de cartas que faz sucesso entre a garotada.

A guinada na vida de Jamal foi estimulada pela prática esportiva oferecida pela Microsoft quando a empresa ainda não dispunha do programa Ritmo, criado pouco mais de dois anos atrás. Constituído por um comitê de funcionários voluntários para analisar essa questão e sugerir ações, o Ritmo atua nos pilares da saúde, lazer e produtividade no trabalho, segundo Renata Zagatti, gerente de recursos humanos da empresa.

Para ela, o programa de qualidade de vida tem se mostrado eficaz para auxiliar os funcionários a cultivar hábitos saudáveis, o bem-estar físico e emocional, que se refletem no ambiente de trabalho.

Anderson Souza Sant'Anna, professor da área de comportamento organizacional da Fundação Dom Cabral, reforça que qualidade de vida deve começar a fazer parte da vida das organizações de uma forma crescente e permear todas as suas iniciativas. "Tornou-se um componente estratégico de extrema importância e que deve ser percebido como elemento de gestão."

Para o acadêmico, qualidade de vida deve ser percebida pelas companhias não apenas como o bem-estar da pessoa, mas, antes de tudo, a satisfação na execução do seu trabalho.

"Um colaborador sente-se satisfeito com desafios, acesso a conhecimento e conteúdo, proporcionados pela empresa. Afinal, trabalhar também é uma fonte importante de satisfação na vida de uma pessoa. É preciso que as companhias atentem a isso, seja para altos executivos, funcionários do chão de fábrica ou de nível intermediário", diz Sant'Anna. O estresse, segundo ele, deixou de acometer apenas um determinado nível de funcionário. As constantes mudanças de processos, tecnologias e a necessidade de reciclagem favorecem esse clima mais tenso, e a empresa deve ter mecanismos que neutralizem os efeitos negativos disso.

O funcionário tem sua parcela de responsabilidade. "O indivíduo tem a obrigação de calibrar o nível de pressão e mudança e não ficar apenas no discurso".

Para Jean-François Chanlat, PhD em sociologia pela Universidade de Montreal e diretor da Dauphine Executive MBA, na Universidade de Paris, que há 25 anos estuda o assunto, as causas mais importantes do estresse ainda aparecem por problemas estruturais das companhias. Autor do livro "Indivíduos nas Organizações - As dimensões desprezadas (L´ individu dans l´ organisation, Lês dimensions oubliées"), o professor disse em recente entrevista ao Valor que as pessoas mais atingidas não são os dirigentes, mas os executivos com menor autonomia e reconhecimento. "Estresse é uma questão de empenho, filosofia, valores e cultura organizacional".

Mas um termômetro importante de que o colaborador realmente está interessado em alterar hábitos e incorporar qualidade ao seu dia-a-dia pode ser observado através de programas realizados por planos de saúde em empresas-clientes. A Amil, por exemplo, dispõe de um programa de qualidade de vida criado em 2001. De lá para cá, foram acompanhadas perto de 98 mil pessoas, funcionárias das 436 empresas que já participaram do programa. Ele inclui exames laboratoriais, monitoramento para reeducação alimentar e contra o tabagismo.

Cláudio Tafla, coordenador desse programa, conta que desde sua implantação a curva de empresas participantes tem sido sempre ascendente, o que demonstra uma preocupação conjunta entre empregador e empregado para buscar melhores condições de vida. "Percebemos que os colaboradores são bastante receptivos." No Brasil, não há estatísticas de quanto as empresas gastam por ano com absenteísmo gerado por estresse ou problemas de saúde em geral, segundo Ogata, da ABQV. Nos EUA, estima-se que o custo anual com estresse seja de US$ 300 bilhões.

Mais que quantificar custos com questões problemáticas, o mundo corporativo pode e vem demonstrando que o melhor é investir na promoção de qualidade de vida e conseqüente geração de satisfação e aumento da produtividade. A Sul América mantém o seu programa sob a tutela do departamento de recursos humanos e contempla ações para gestantes, acompanhamento nutricional e voltadas para a corrida, entre outras, relata Mônica Damasceno, assistente social da empresa. "O retorno que o funcionário dá para a companhia supera qualquer expectativa. Seu humor melhora, assim como a relação com os colegas, a satisfação em trabalhar na empresa e a percepção de imagem positiva da marca. Os investimentos são pequenos e a relação custo-benefício, extremamente alta", afirma a executiva.

Terezinha Godoi da Silva é técnica de seguro júnior e trabalha na Sul América há 18 anos. Leva para casa não apenas as medalhas que ganhou nas corridas das quais participa pela empresa, mas o dinamismo, o bom humor, a produtividade que viu crescer desde que decidiu melhorar sua qualidade de vida, motivada pela companhia. "Até dois anos atrás, antes de começar a fazer parte do grupo de corrida daqui, estava cansada, mas agora eu sou muito mais disposta. Adoro o meu trabalho", atesta ela, de malas prontas para superar, depois de uma doença séria nos pulmões, um desafio que promete tirar de letra: sua primeira Maratona de Nova York.