Título: Buraco fiscal cresce e ameaça a Espanha
Autor: Dalton , Matthew
Fonte: Valor Econômico, 10/10/2012, Internacional, p. A13

O buraco negro no orçamento da Espanha cresceu mais rápido do que a tentativa do primeiro-ministro Mariano Rajoy de reduzi-lo, pressagiando a mesma turbulência que inferniza a Grécia.

A mais dura austeridade desde o retorno à democracia, em 1978, não foi capaz de conter o déficit e a economia está se afundando cada vez mais em recessão. O déficit cresceu no primeiro semestre do ano, assim como nos últimos 12 meses. Mesmo após um aumento nos impostos sobre o consumo e cortes no atendimento de saúde terem sido postos em prática neste trimestre, o déficit ainda poderá aproximar-se dos 9,4% do Produto Interno Bruto (PIB) registrados no ano passado, disse Ignacio Conde-Ruiz, economista da Fundação de Pesquisa Econômica Aplicada, um instituto independente madrilenho.

As consequências fiscais e políticas da exigência de austeridade em uma economia cada vez menos aquecida ressaltam o dilema de Rajoy. Para receber uma tábua de salvação financeira europeia, ele poderá ter de impor cortes ainda maiores, repetindo o padrão observado na Grécia, Portugal e Irlanda.

"Não há nenhuma chance de que a Espanha alcançará suas metas", disse Megan Greene, diretora de economia europeia na Roubini Global Economics, em uma entrevista por telefone. "As metas para o déficit são um suicídio econômico."

Rajoy conseguiu aprovar mais de € 100 bilhões (US$ 130 bilhões) em aumento de impostos e cortes de gastos em um período de desaquecimento econômico que está esvaziando sua base de receitas e empurrando o desemprego para 25%. O primeiro-ministro de 57 anos também está enfrentando uma ameaça de secessão da Catalunha, crescentes protestos populares e instabilidade em regiões forçadas a conter seus próprios gastos.

Entre julho e setembro, a economia espanhola provavelmente se contraiu pelo quinto trimestre consecutivo, de acordo com o banco central. A produção não retornará ao nível de 2008 até pelo menos 2017, dizem as previsões do Fundo Monetário Internacional (FMI). Em consequência, o programa de consolidação orçamentária que a União Europeia (UE) originalmente definiu para a Espanha em 2009 está indo de marcha a ré.

"Mesmo com os cortes, a diferença entre os gastos e as receitas é cada vez maior", disse Jonathan Tepper, sócio da firma londrina Variant Perception.

No ano passado, quando o governo anterior fixou uma meta de 6% para o déficit, o buraco no orçamento ultrapassou o déficit de 9,3% em 2010, depois que o ministro do Orçamento, Cristobal Montoro contabilizou cerca de € 5 bilhões em prejuízos devido ao socorro aos bancos. Esses custos - que a UE trata como itens excepcionais - mais que dobrarão neste ano, em que a meta é de 6,3%, disse ele.

Em seu relatório "Panorama Econômico Mundial", o FMI prevê que o déficit da Espanha será de 7% neste ano, excluindo o custo do socorro aos bancos. O déficit do próximo ano será de 5,7%, contra uma meta de 4,5%, disse o Fundo.

"O que é importante para o governo espanhol é continuar com seu programa de reformas, reduzir o déficit orçamentário e então dissipar todas as dúvidas sobre o futuro da zona euro", disse ontem o ministro da Economia Luis de Guindos a jornalistas em Luxemburgo, onde se reuniu com colegas europeus. "Essa é a questão fundamental."

A dívida pública vai saltar 17 pontos percentuais, para 85% do PIB, em 2012, depois que o Estado absorver os custos do socorro aos bancos, ao sistema de eletricidade e a empreiteiras contratadas pelo setor público. Isso adicionará pelo menos € 10 bilhões aos custos dos empréstimos da Espanha no próximo ano, anulando os ganhos projetados com o aumento dos impostos sobre o consumo.

"Estamos em uma tendência totalmente insustentável", disse Dario Perkins, diretor para economia mundial na Lombard Street Research, em Londres, em entrevista por telefone. "A economia doméstica implodiu totalmente."

O déficit de 4,3% no primeiro semestre foi 0,5 ponto percentual superior ao do mesmo período no ano anterior, segundo Conde-Ruiz, um assessor econômico no governo socialista anterior e o professor de economia Juan Rubio-Ramirez, na Duke University.

Em média, nos últimos quatro anos, os déficits no segundo semestre ultrapassaram os do primeiro em € 15 bilhões, segundo eles. As projeções (para as contas) do governo central e do sistema de seguridade social em 2013 deverão fazer com que o déficit ultrapasse em 12% os € 35 bilhões previstos no orçamento deste ano.

Os repetidos insucessos no programa de austeridade espanhol colocam em questão a doutrina que a UE e o BCE estão impondo aos países em dificuldades situados na periferia da zona do euro, dizem economistas como Perkins.

Antes de a crise ter provocado o estouro da bolha imobiliária na Espanha, as finanças do país estavam em ordem. Em 2007, a Espanha tinha uma relação dívida/PIB de 36% e um superávit orçamentário de 1,9%.

Por ora, diz Tepper, a única maneira de evitar um desastre na área do euro é o BCE intervir mais agressivamente - uma perspectiva já rejeitada por seu presidente, Mario Draghi, bem como por líderes alemães.

"Tudo depende de quanto dinheiro o BCE quer imprimir", disse Tepper. "A Espanha e os outros países periféricos estarão no mesmo caminho da Grécia, se o BCE não monetizar sua dívida."