Título: China procura retornos maiores para suas reservas de US$ 1 trilhão
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Fonte: Valor Econômico, 30/10/2006, Finanças, p. C8

Neste fim de outubro as reservas internacionais da China provavelmente ultrapassarão US$ 1 trilhão, duas vezes o nível de dois anos atrás e mais de um quinto das reservas mundiais. Esta soma enorme seria suficiente para comprar todo o ouro estocado nos cofres dos bancos centrais (na verdade, duas vezes), ou quase todas as propriedades residenciais de Londres.

A reserva maciça da China é resultado de seu grande superávit em conta corrente, da entrada significativa de investimentos estrangeiros diretos no país e dos grandes fluxos de capital especulativo nos últimos dois anos. Em tese, o capital estrangeiro que entra na China deveria elevar o valor do yuan, mas a China tem resistido a isso, forçando o banco central a comprar o excesso de moeda estrangeira. O crescimento das reservas diminuiu nos últimos meses, mas ainda registra uma média de US$ 16 bilhões por mês.

As reservas oficiais da China já superaram em muito o necessário para garantir a estabilidade financeira do país. Via de regra, um país precisa moedas internacionais suficientes para cobrir três meses de importações ou saldar sua dívida externa de curto prazo. As reservas da China são equivalentes a 15 meses de importações e são seis vezes maiores que a dívida de curto prazo do país. A explosão das reservas é também uma dor-de-cabeça para o banco central. Ela cria um excesso de liquidez que pode alimentar uma inflação maior, bolhas nos preços dos ativos e empréstimos imprudentes da parte dos bancos.

Há duas maneiras simples de conter o crescimento das reservas. A China poderia liberar o câmbio ou relaxar as restrições à saída de capital e permitir aos cidadãos comuns manter ativos estrangeiros. Medidas significativas em qualquer uma dessas hipóteses parecem improváveis num futuro próximo. Enquanto a China continuar com um grande superávit externo (resultado natural de sua elevada taxa de poupança) e se recusar a liberar o câmbio, suas reservas internacionais provavelmente continuarão crescendo.

A maneira como esse dinheiro é investido tem grandes implicações para a economia mundial, e não só para a China. Brad Setser, diretor de análise global da consultoria Roubini Global Economics, estima que cerca de 70% dele é aplicado em dólares, principalmente em títulos do Tesouro dos Estados Unidos. Isso tem dado força ao dólar e reduzido os rendimentos dos bônus americanos - em até 1,5 ponto percentual segundo algumas estimativas. Uma grande saída dos dólares poderia, desse modo, forçar uma alta dos rendimentos dos bônus e, por conseguinte, das taxas das hipotecas, prejudicando o já claudicante mercado imobiliário residencial dos EUA.

Acredita-se que o banco central da China está passando dos títulos do Tesouro dos EUA para os títulos garantidos por hipotecas e os bônus corporativos, numa tentativa de conseguir retornos maiores. Membros do governo chinês também vêm discutindo a portas fechadas a necessidade de diversificar as reservas para além dos dólares, para reduzir a exposição a uma eventual grande desvalorização da moeda americana. O banco poderá alocar uma fatia maior de qualquer aumento das reservas para os euros e moedas de mercados emergentes da Ásia, mas até agora há poucos sinais de que isso esteja acontecendo. Um problema é que os investimentos da China são tão grandes que mexem com os mercados. Transferir dinheiro para euros derrubaria o dólar. A China então não só sofreria uma perda de capital sobre suas reservas em dólar remanescentes, como também seria forçada a comprar ainda mais reservas para manter sua moeda baixa em relação ao dólar mais fraco.

O temor de uma perda de capital e a insatisfação com os rendimentos não compensadores estão desencadeando uma onda de idéias sobre como usar melhor o dinheiro. Uma idéia popular é usar parte das reservas da China para comprar petróleo e outros commodities. O problema é que estocar petróleo levaria a uma alta dos preços, ainda que isso absorvesse apenas uma proporção diminuta das somas à disposição da China. Comprar o equivalente a seis meses de consumo de petróleo, conforme já foi sugerido, demandaria apenas 8% do total das reservas aos preços atuais, mas o petróleo extra adquirido representaria três vezes o crescimento da demanda mundial por petróleo deste ano. Comprar ouro teria resultados parecidos: se a China investisse apenas 5% de suas reservas em ouro, ela poderia comprar toda a produção mundial anual.

Outra proposta é gastar mais dinheiro em investimentos em infra-estrutura, que renderiam um retorno muito maior que os bônus americanos. No entanto, como os investimentos da China já respondem por 40% do PIB, não está claro que a China precise mais disso. Dar baixa em empréstimos bancários vencidos e não pagos parece ser uma coisa mais sensata. Em 2004 e 2005, o Banco Popular da China, o banco central chinês, de fato transferiu US$ 60 bilhões para os bancos estatais. O estoque remanescente de créditos podres está agora em cerca de US$ 250 bilhões, segundo o UBS.

Ao comprar bônus americanos, a China está subsidiando os consumidores ricos americanos, enquanto os setores de saúde, educação e segurança carecem de recursos. Então, por que não usar as reservas para diminuir a pobreza nas áreas rurais, melhorar o sistema de saúde ou injetar dinheiro no sistema previdenciário, que está precisando disso?

Infelizmente, todas essas propostas de gasto do dinheiro em casa interpretam mal a natureza das reservas internacionais. O problema é que a conversão de moeda estrangeira em yuan pressiona para cima o yuan, forçando assim o banco central a comprar mais moedas estrangeiras para mantê-lo em baixa. As reservas, então, retornariam ao nível original.

A única solução real ao fraco retorno sobre as reservas da China é parar de acumular essas reservas. Isso exige reformas políticas para reduzir o grande grau de poupança da China, que leva ao seu superávit em conta corrente, e um sistema cambial mais flexível. Mas, antes que isso aconteça, as reservas da China poderão muito bem chegar nos US$ 2 trilhões.