Título: Espanha deve pedir socorro para receber apoio do BCE
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Fonte: Valor Econômico, 17/10/2012, Opinião, p. A14

Depois de meses de recusas e consultas de bastidores, o governo espanhol está prestes a pedir ajuda formal, vinculada a compromissos de desempenho, às autoridades da zona do euro. Não há outra saída para o governo conservador de Mariano Rajoy, cuja popularidade, um ano após chegar ao poder, despencou com a mesma celeridade dos índices de emprego no país. Os cálculos políticos estão cedendo espaço aos golpes de uma realidade sombria e de consequências imprevisíveis. É possível que Rajoy espere até as eleições na Galícia, em 21 de outubro, para requerer auxílio, mas agora parece líquido e certo que o fará.

Com isso, ocorrerão novos lances no movediço cenário da crise da zona do euro, que completa três anos. O Banco Central Europeu poderá testar o poder de fogo de seu programa ilimitado de compra de títulos da dívida soberana no mercado secundário sobre as asfixiantes taxas de juros de curto prazo pagas pela Espanha. Esses juros recuaram desde que o BCE anunciou o programa, mas isso só ocorreu porque os investidores apostaram que a Espanha apelaria ao socorro em curto prazo.

Dúvidas que habitam os corredores do poder na Espanha existem também em outras capitais da Europa. Há expectativa sobre qual será a reação dos investidores diante da requisição da Espanha. Para alguns analistas, os juros dos títulos da Itália subiriam rapidamente e levariam o país a se abrigar sob o guarda-chuva do BCE. Para outros, deve ocorrer exatamente o contrário: o simples anúncio do pedido seria suficiente para derrubar rapidamente as taxas dos títulos soberanos dos dois países.

Os investidores têm opções, o primeiro ministro espanhol, não. A maré montante de descontentamento chegou a tal ponto de ebulição que ativou os ânimos separatistas. Os movimentos populares nesse sentido são mais expressivos na Catalunha, a segunda região mais rica do país e que cria 20% do Produto Interno Bruto espanhol. Uma arriscada e politicamente explosiva declaração de independência catalã poderia ser seguida rapidamente pelo País Basco e Galícia.

Além disso, a situação econômica se agravou com a fuga de euros para os principais países da união monetária, paralisia do sistema de crédito e o desemprego subiu a 21,7%. Pelas estimativas recentes do Fundo Monetário Internacional, o PIB encolherá 1,5% em 2012 e mais 1,3% no ano que vem, enquanto o desemprego continuará subindo até atingir 25,1% em 2013. Os bancos precisarão ser recapitalizados, em um programa de € 100 bilhões já acertado, cujo início é incerto, e sua capacidade de irrigar com recursos a economia espanhola continua comprometida, enquanto grande parte dos destroços da bolha imobiliária jaz em seus balanços.

O socorro financeiro é a única saída para Rajoy, mas seus efeitos podem não ser tão dramáticos quanto aparentam ser. A soberania espanhola sofreria um golpe, embora o governo conservador, com seu último pacote de corte de gastos e aumento de impostos de € 65 bilhões, já venha seguindo uma receita que seria recomendada. A austeridade seguida pelo Partido Popular certamente levará Rajoy a descumprir as metas de déficit previstas para este ano e o próximo. É, entretanto, menos drástica do que a imposta à Grécia, Portugal e Irlanda.

A situação da Espanha, por outro lado, é diferente. Ela tem dívida pública relativamente baixa, de 69% do PIB em 2011, com um déficit orçamentário galopante, que chegou a 8,9% do PIB. Antes da crise, esses indicadores estavam em 36% e havia superávit público de 1,9% do PIB. Déficit em conta corrente elevado, perda de competitividade e o estouro de uma imponente especulação imobiliária jogaram a economia na recessão, cuja saída não se vislumbra com as receitas ortodoxas.

Costura-se um acordo em que o governo espanhol se comprometeria com as metas existentes em troca da abertura de uma linha de crédito que poderia ou não ser utilizada, segundo o "Financial Times". Tudo isso é precondição para que o BCE use seu dinheiro para cortar o custo dos títulos espanhóis e afastar a ameaça de falência. O pagamento de juros já é o maior item de dispêndio no orçamento espanhol. As chances de que o pedido da Espanha possa estancar por mais tempo as expectativas sobre a solvência do país e de seus bancos não são pequenas. Mas como tudo na zona do euro nos últimos três anos, algo sempre pode dar errado.