Título: Caminho de volta
Autor: Czapski, Silvia
Fonte: Valor Econômico, 22/01/2007, Caderno Especial, p. F1

As operações pós-venda e pós-consumo começam a ganhar peso na agenda corporativa. A organização do caminho de retorno dos bens, de forma a permitir o reuso, reciclagem, ou reaproveitamento dos materiais em nova etapa produtiva está mobilizando as empresas em torno da logística reversa.

É uma nova área decorrente do consumismo e da redução do ciclo de vida dos produtos, explica o consultor Paulo Roberto Leite, professor do Mackenzie e autor do livro "Logística Reversa: Meio Ambiente e Competitividade" (Prentice Hall, 2003). Crescem a produção, o consumo e também o número de retornos, por defeito, desistência do consumidor ou obsolescência antes mesmo do item sair da gôndola. "Nos Estados Unidos, só a Sears tem cinco centros de distribuição reversos para o pós-venda e o e-commerce convive com 35% de devoluções. No Brasil, este índice ainda é de 5%", diz.

Ao avaliar motivos do retorno, a empresa consegue dados para redesenhar o produto, gerando ganhos de competitividade num mercado de forte concorrência, avalia Marcio Dias, titular da MGD Consultoria em Logística e conselheiro da Associação Brasileira de Logística (Aslog). Foi o que ocorreu ante o alto índice de retorno de um tipo de macarrão proveniente de uma unidade fabril recém-incorporada por uma grande companhia. Sem citar nomes, ele descreve a medida radical de interromper a cadeia de produção, retrabalhar a embalagem e reintroduzir o produto, com os esperados patamares de perda.

Casos típicos de retorno pós-consumo, acrescenta Leite, são os itens que contêm materiais lesivos ao meio ambiente, com recolhimento obrigatório no país, como óleos lubrificantes, embalagens de agrotóxicos, pneus, baterias industriais e automotivas. "Bélgica e a Holanda são exemplos de países em que fabricantes têm recolher inclusive da linha branca e marrom", diz ele.

Sem esta obrigatoriedade, as latinhas são campeãs da logística reversa pelo valor do material, que chega, segundo Leite, a 80% do alumínio virgem. "Isto remunera desde os catadores até a indústria recicladora", diz, com base num estudo que comparou o retorno de plásticos, alumínio e óleo lubrificante. Baseado em entrevistas a representantes de vários elos de cada cadeia reversa, o trabalho revela que, o fator econômico está acima de ganhos ambientais, tecnológicos ou de imagem corporativa, como propulsor da logística reversa.

Para lubrificantes, acentua Leite, a obrigatoriedade do retorno foi essencial para agregar valor ao óleo usado e viabilizar economicamente a remanufatura. Anterior à reciclagem, a remanufatura também é adotada para cartuchos para impressoras. "Hoje, há empresas com a certificação ambiental ISO 14.000 que realizam o processo. Apesar disso, ele só é bem aceito por alguns fabricantes de impressoras, como Kodak e Lexmark."

O especialista cita ainda o aluguel de equipamentos, como associado à logística reversa. Após o retorno, a indústria usa os componentes em novos produtos. O caso da locação de copiadoras Xerox consta de outro estudo comandado por ele, que avaliou 44 programas de logística reversa empresariais ou setoriais. Novamente, notou-se que o principal direcionador é econômico, seja pela possibilidade de reparar e revender o produto, remanufaturar, reutilizar componentes, embalagens, ou ainda por ser inerente ao negócio.

É o que ocorre com a Chep, que aluga paletes e contentores retornáveis em 42 países. "A empresa surgiu na Austrália após a II Guerra Mundial. Foi uma revolução em relação ao "one way", mas exige uma logística sofisticada", diz Pedro Moreira, diretor da Chep no Brasil. Dos 200 funcionários distribuídos em 11 plantas no país, conta, cerca de 40 trabalham na gestão dos ativos, que têm peças intercambiáveis para facilitar o desmonte e recomposição. Partes inservíveis são recicladas.

Usar paletes retornáveis é bom para o meio ambiente, concorda Jacinto Manara, gerente de logística da 3M. Mas é um desconforto cobrar a devolução daqueles retidos por semanas em centro de distribuição de grande rede varejista ou atacadista. "Nossa perda física chegava a 20%, sem considerar o custo do transporte, controle, remanufatura. Ao alugarmos, a Chep assume estas responsabilidades."

Para outros produtos, a 3M mantém embalagens próprias, como um rack que acondiciona grandes bobinas adquiridas da unidade argentina. "Usávamos um descartável, em madeira, de 120 kg, desenvolvi um substituto em metal, desmontável e reutilizável. Com isso, só no fluxo Brasil-Argentina, poupamos 400 toneladas anuais de madeira. Na terceira viagem, ele se paga", diz Manara.

Investir em materiais duráveis e ambientalmente corretos é uma tendência, sobretudo no caso da exportação, confirma Mara Dantas, do Laboratório de Embalagem e Acondicionamento do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT). Por outro lado, diz ela, há um mercado paralelo de reaproveitamento da madeira, de paletes descartáveis.

Só a cidade de São Paulo gera 15 mil ton/lixo dia, informa Oscar Spessoto, titular da Spessoto Engenharia Logística, para quem a população deve ser educada para a coleta seletiva. Segundo o IBGE, o país gera 289 mil toneladas diárias de resíduos domiciliares e comerciais. Apenas 92,4 mil têm destinação considerada adequada. E só cerca de 1% é objeto da coleta seletiva.

Trata-se de uma atividade pouco regulada que atrai um exército de excluídos, interpreta Pólita Gonçalves, secretária executiva do Fórum Estadual Lixo e Cidadania do Rio. É um desafio para a administração pública e a sociedade como um todo, diz ela, garantir a viabilização econômica.

Em tramitação desde 1991 no Congresso Nacional, com a sigla PL 203-91, o projeto de lei que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos foi aprovado pelo Senado em meados de 2006, e está pronto para a votação pela Câmara dos Deputados. Na fusão de mais de 100 projetos, ele propõe a preferência à coleta seletiva feita por cooperativas, sem no entanto estabelecer metas para a reciclagem, admitida caso ambientalmente conveniente, tecnicamente possível e economicamente viável. Se o texto, que tem apoio de organizações empresariais como o Compromisso Empresarial para a Reciclagem, se mantiver, municípios e Distrito Federal terão a titularidade pelos serviços de limpeza pública.

Com capítulos especiais para diferentes tipos de resíduos, o projeto equipara os industriais não perigosos aos urbanos, e trata dos co-produtos, desde aparas de papel até derivados gás químicos que poderiam ser absorvidos no processo industrial ou geração de energia. Contra ambientalistas e fabricantes de pneumáticos novos no país, o capítulo que trata da destinação de pneus permite a importação dos usados, hoje defendida pelos remoldadores.

Contrapondo-se a este texto, e defendido por organizações como a Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes-DN), está na Casa Civil um anteprojeto de lei resultante de debates setoriais e subscrito por seis ministros do governo federal. Menos detalhista, ele incorpora novos temas, como a logística reversa, e prioriza a gestão integrada e planejada de resíduos sólidos. A titularidade dos serviços de limpeza também seria dos municípios e Distrito Federal, mas o poder público, em conjunto com setores organizados da sociedade, estabeleceria diretrizes, por exemplo para a prestação de serviços na área.

Pelo anteprojeto governamental, caberia à União, Estados, municípios e Distrito Federal relacionarem quais resíduos sólidos exigiriam procedimentos diferenciados, bem como as providências necessárias, desde a coleta até eventual retorno ao gerador. Fabricantes, importadores, distribuidores e consumidores dividiriam a responsabilidade pelo retorno dos chamados resíduos sólidos reversos. No caso de acidentes, este texto propõe a responsabilidade compartilhada entre quem causou o problema e a fonte geradora do resíduo. Por outro lado, defende programas de coleta seletiva com inclusão social e incentivos para indústrias que trabalhem com reciclados.