Título: Supremo deixa em aberto definição de jurisprudência sobre lavagem
Autor: Prestes, Cristiane
Fonte: Valor Econômico, 18/10/2012, Política, p. A8

Gilmar Mendes: "A Corte quer do MP a prova diabólica, a impossível, e assim escancara a porta da impunidade"

Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) esquivaram-se, ontem, de definir seu entendimento sobre o chamado dolo eventual nos crimes de lavagem de dinheiro - quando o acusado assume o risco de receber valores diante da incerteza de que sua origem seja lícita. Com isso, deixaram em aberto a possibilidade de que futuras ações penais por lavagem, em que não haja provas de que os réus tinham o conhecimento prévio de que o dinheiro recebido era fruto de crimes, tenham um desfecho diverso do caso do mensalão.

O tema começou a ser debatido na quinta-feira da semana passada, quando a Corte começou a julgar o sétimo item do processo do mensalão, que trata das acusações de lavagem de dinheiro contra políticos do PT que receberam repasses de dinheiro provenientes das agências do empresário Marcos Valério, apontado com o operador do esquema de compra de votos denunciado na Ação Penal nº 470.

O debate sobre a lavagem de dinheiro se instalou na Corte logo após o voto do relator do mensalão, Joaquim Barbosa - que pediu a condenação dos três réus - e do revisor Ricardo Lewandowski, que pediu sua absolvição. Logo em seguida o ministro Marco Aurélio Mello pediu um aparte para alertar os ministros do STF sobre o perigo de um entendimento "elástico" da Corte em relação ao crime, pois ele vai balizar a primeira e a segunda instâncias do Poder Judiciário do país na aplicação da Lei de Lavagem de Dinheiro e também a atuação do Ministério Público nas acusações por esse tipo de crime. "Preocupa-me sobremaneira o diapasão que se está dando ao tipo lavagem de dinheiro", afirmou.

Marco Aurélio manifestou seu temor de que, ao aceitar a condenação quando há dolo eventual, comecem a surgir acusações por lavagem de dinheiro contra advogados que atuam para traficantes, por exemplo, já que nesses casos há sempre a possibilidade de que os honorários pagos sejam provenientes do tráfico de drogas. "Assusta-me brandir que, no caso da lavagem de dinheiro, contenta-se o ordenamento jurídico com o dolo eventual", disse.

A dúvida a ser esclarecida pelo Supremo reside na necessidade de que haja provas de que o réu acusado de lavar dinheiro tinha conhecimento de que os valores recebidos têm origem em atividades ilícitas para que seja condenado pelo crime.

Na sessão da quinta-feira passada, cinco ministros concluíram que o Ministério Público Federal não conseguiu provar, na denúncia, que os ex-deputados federais Paulo Rocha (PT-PA) e João Magno (PT-MG) e o ex-ministro dos Transportes Anderson Adauto tinham conhecimento do esquema de corrupção que gerou os recursos que receberam, após terem feito o pedido ao ex-tesoureiro do PT, Delúbio Soares.

Nessa linha seguiram o relator Ricardo Lewandowski e os ministros Rosa Weber, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Marco Aurélio Mello. Joaquim Barbosa e Luiz Fux votaram pela condenação dos acusados. Diante da ausência, naquela sessão, do ministro Gilmar Mendes, o Supremo postergou a conclusão do sétimo item para a sessão seguinte - o que acabou não acontecendo, pois ela foi iniciada sem a presença de alguns integrantes da Corte.

O debate só teve um desfecho ontem, quando votaram os ministros Gilmar Mendes, Celso de Mello e Ayres Britto - todos pela condenação dos réus. Eles, no entanto, negaram que tivessem condenando os acusados com base no dolo eventual. Ao votar, Mendes disse que "é preciso que haja a prova do dolo", mas continua ao afirmar que ela só é possível pela confissão do réu. Segundo ele, "a precária situação do PT na época dos fatos evidencia a origem do dinheiro". "A Corte quer do MP a prova diabólica, a impossível, e assim escancara a porta da impunidade".

Celso de Mello seguiu na mesma linha, afirmando que admite o dolo eventual, diante da aplicação da teoria da "cegueira deliberada", doutrina criada pela Suprema Corte americana para as situações em que um agente finge não enxergar a ilicitude da procedência de bens, direitos e valores com o intuito de auferir vantagens. No entanto, disse que, no caso do mensalão, havia o dolo direto - ou seja, para ele ficou provado que os três acusados sabiam da origem ilícita dos valores que receberam.

Último a votar, o presidente da Corte, Ayres Britto, acompanhou o voto do relator pela condenação dos réus e passou a falar sobre os métodos do julgamento do mensalão. "A partir de agora estamos autorizados a fazer inferências, vamos do particular para o geral e do geral para o particular, até que tenhamos uma reconstituição do fato. Quando as provas diretas iluminam os indícios e vice-versa, eles formam um todo unitário", disse. E concluiu: "Inferências não são conjecturas, são deduções óbvias autorizadas pelo conjunto da obra."

O sétimo item do julgamento terminou empatado em cinco votos pela absolvição de Adauto, Paulo Rocha e João Magno e cinco por sua condenação por lavagem de dinheiro. O Supremo ainda não definiu os critérios de desempate do julgamento do mensalão.