Título: STF condena 10 por crime de formação de quadrilha
Autor: Basile, Juliano; Magro, Maíra; Exman, Fernando
Fonte: Valor Econômico, 23/10/2012, Política, p. A12

O Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu, ontem, que o esquema do mensalão foi montado por uma quadrilha organizada para comprar votos no Congresso e condenou mais dez réus no processo. Na lista dos condenados por quadrilha estão o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, o ex-presidente do PT José Genoino, o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares, o publicitário Marcos Valério, seu advogado Rogério Tolentino, seus sócios Cristiano Paz e Ramon Hollerbach, sua ex-diretora financeira Simone Vasconcelos, a ex-presidente do Banco Rural Katia Rabello e o ex-dirigente da instituição José Roberto Salgado.

Ao todo, a Corte impôs 70 condenações ao longo de 39 sessões de julgamento e ainda há sete empates que vão ser definidos hoje, na 40ª sessão dedicada ao processo do mensalão. A decisão sobre a quadrilha - o último item do processo - foi tomada por seis votos a quatro. O voto pela condenação de 11 réus, que havia sido dado na quinta-feira pelo relator, Joaquim Barbosa, foi seguido, ontem, pelos ministros Luiz Fux, Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello, Celso de Mello e pelo presidente da Corte, Carlos Ayres Britto. A única divergência foi de Marco Aurélio, que, ao invés de absolver a ex-secretária Geiza Dias e a ex-diretora do Rural Ayanna Tenório, como fizeram os demais, votou pela não punição apenas dessa última e do vice-presidente do Rural Vinícius Samarane. Isso levou a um empate quanto a Samarane.

Já o voto do revisor, Ricardo Lewandowski, pela absolvição dos 13 réus acusados de quadrilha foi seguido pelas ministras Rosa Weber, Cármen Lúcia e Dias Toffoli. As duas primeiras fizeram longas teses sobre o que consideram quadrilha para concluir que o que aconteceu no mensalão foi a coatoria de diversos crimes praticados em série. Já Toffoli votou em menos de 20 segundos, sem apresentar justificativas. "Quadrilha é união estável ou permanente para o fim de perpetração de uma série indeterminada de crimes", definiu Rosa. "Não vale um ocasional acordo de vontades para praticar determinado crime", diferenciou.

"O que me leva a absolver", completou Cármen, "é a circunstância de que, para que se caracterize a quadrilha, é necessária a reunião dos elementos do tipo penal". "O que tivemos comprovado foi que pessoas que chegaram ao poder e praticaram atos contrários à lei penal estão respondendo àqueles crimes, e não cumulando, como se tivessem chegado ao poder para cometê-los", entendeu Cármen.

O voto de Rosa deixou Barbosa irritado. "Estou com a impressão de que estamos nos encaminhando para algo que denominaria uma exclusão sociológica em se tratando de crimes de formação de quadrilha", contestou o relator. "A ideia que começo a perceber é que só praticariam crimes aquelas pessoas que se dedicam a sequestros, furtos, latrocínios, roubos, ou seja, os chamados crimes de sangue", continuou. "Houve prática nefasta de compra de parlamentares - crime para o qual não há de se cogitar sem que haja entendimento entre pessoas ou grupos porque dinheiro não nasce em árvores", insistiu.

Barbosa enfatizou que, no mensalão, alguns réus emprestaram dinheiro para outros que não tinham a menor condição de pagá-los para, ao fim, levar à compra de parlamentares. "Usaram dinheiro para a prática de um crime que abala sem dúvida a ordem social. Ou é só o indivíduo que mora no morro e sai atirando loucamente é que abala?", questionou. Ele chamou de "crime horroroso a pecuniarização da vida política". "A prática de crimes por pessoas que usam terno e gravata traz um desassossego maior do que aqueles de pessoas que cometem crimes de sangue", advertiu.

Fux concordou com a irresignação do relator e respondeu diretamente a Rosa, que havia dito que os núcleos do mensalão "jamais formaram uma associação para delinquir". "Esse projeto delinquencial foi assentado pelo plenário como existente", enfatizou Fux. "Essa prática de crimes perdurou por mais de dois anos, o que afasta de maneira irretorquível eventual tese de coatoria", continuou. Para Fux, as provas no processo mostram que "o conluio entre os réus não era transitório". "A intenção da prática de crimes indeterminados configura o delito de quadrilha", afirmou.

Mendes não apenas concordou com a tese de quadrilha como também fez críticas diretas ao PT. "A motivação política não exclui o crime de quadrilha", afirmou. "Não se resolveu apenas o problema do PT ou das agências (de Valério) SMP&B e DNA, ou do Banco Rural e do governo", completou Mendes. "Houve a conformação de uma engrenagem ilícita que atendeu a todos e a cada um".

Mendes criticou ainda o fato de uma agência de publicidade "administrar o caixa criminoso de um partido" e a tese de que o mensalão teria sido um esquema de desvio de verba para campanha. "Na tentativa da desconstrução histórica dos fatos buscou-se a tese do caixa dois para dizer que os crimes não ofenderam a paz pública", apontou. "Não se pode cogitar a manutenção da paz pública quando se tem um partido político corrompendo parlamentares e a máquina do Estado é usada para fins privados, colocando em risco a própria organização social", concluiu Mendes.

Em seguida, Marco Aurélio iniciou o seu voto lembrando que, quando assumiu a Presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em 2006, na época do escândalo do mensalão, criticou a tática de "avestruz" de então presidente Luiz Inácio Lula da Silva de "enterrar a cabeça para deixar o vendaval passar". Ele comparou a quantidade de acusados por quadrilha ao número eleitoral do PT. "Mostraram-se os integrantes afinados, em número sintomático de 13", disse. "Houve uma quadrilha das mais complexas envolvendo os núcleos político, financeiro e publicitário. O entendimento se mostrou perfeito. A sintonia dos integrantes estaria a lembrar a máfia italiana."

Celso de Mello deu um dos votos mais fortes pelas condenações. "O que vejo nesse processo são homens que desconhecem a República e que, atraídos para um projeto de controle de poder, vilipendiaram os signos do Estado democrático de direito", definiu. Para ele, o mensalão revelou "um dos processos mais vergonhosos da história do país", os réus condenados constituem "um grupo de delinquentes que deformou a política" e "as vítimas do crime de quadrilha somos todos nós ao lado do Estado".

O decano do STF defendeu o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, que havia sido criticado por Lewandowski por, segundo esse último, ter confundido o crime de quadrilha com o de organização criminosa. "Em mais de 44 anos de atuação na área jurídica, nunca presenciei caso em que o delito de quadrilha se apresentasse tão nitidamente caracterizado em todos os seus elementos constitutivos", disse. Para Celso de Mello, o Ministério Público não incidiu no erro de confundir quadrilha com coautoria. "Nem se sustente que o crime de quadrilha exigiria para configurar-se que representasse um meio de vida", continuou. "Formou-se na cúpula do poder, à margem da lei e ao arrepio do direito, um estranho e pernicioso sodalício, constituído por dirigentes unidos por um comum desígnio, um vinculo associativo estável que buscava eficácia ao objetivo espúrio por eles estabelecido", criticou Celso de Mello.

Segundo o decano, o julgamento do STF não deve significar uma condenação da política. "Não se está a incriminar a atividade política, mas a punir aqueles que não a exerceram com dignidade, preferindo transgredir as leis penais do país com o objetivo espúrio de controlar o próprio funcionamento do aparelho de Estado", diferenciou. "Não estamos a condenar políticos, mas sim, autores de crimes."

Ao fim da sessão, Ayres Britto afirmou que a quadrilha do mensalão foi evidente, pois os núcleos se entrelaçaram, cada qual com a sua função. "Quadrilha é algo visceral, vertebrado", concluiu.

Em nota divulgada em seu blog e intitulada "Nunca fiz parte nem chefiei quadrilha", José Dirceu afirmou que "mais uma vez a decisão do Supremo de me condenar, agora por formação de quadrilha, mostra total desconsideração às provas contidas nos autos e que atestam minha inocência". Segundo Dirceu, assim como já havia ocorrido há duas semanas, o Supremo o condenou novamente com base em indícios, "uma vez que apenas o corréu Roberto Jefferson sustenta a acusação contra mim em juízo".

O ex-ministro chefe da Casa Civil ainda afirma que as reuniões das quais participou com representantes de bancos e empresários "são compatíveis com a função de ministro e em momento algum, como atestam os testemunhos, foram o fórum para discutir empréstimos". "Todos os depoimentos confirmam a legalidade dos encontros e também são uníssonos em comprovar que, até fevereiro de 2004, eu acumulava a função de ministro da articulação política. Portanto, por dever do ofício, me reunia com as lideranças parlamentares e partidárias para discutir exclusivamente temas de importância do governo tanto na Câmara quanto no Senado, além da relação com os estados e municípios", diz a nota. "Sem provas, o que o Ministério Público fez e a maioria do Supremo acatou foi recorrer às atribuições do cargo para me acusar e me condenar como mentor do esquema financeiro. Fui condenado por ser ministro." Dirceu ainda afirma que o que está em jogo são as liberdades e garantias individuais: "Temo que as premissas usadas neste julgamento, criando uma nova jurisprudência na Suprema Corte brasileira, sirvam de norte para a condenação de outros réus inocentes país afora."

Hoje, os ministros do STF vão definir a situação de sete empates quantos aos crimes de quadrilha em relação ao deputado Valdemar Costa Neto (PR-SP), a Jacinto Lamas, ex-tesoureiro do PL (atual PR), e a Samarane; de lavagem de dinheiro em relação aos ex-deputados José Borba (PMDB-PR), Paulo Rocha (PT-PA) e João Magno (PT-MG) e ao ex-ministro dos Transportes Anderson Adauto. Após o desempate, o STF vai começar a definir as penas para cada um dos condenados.