Título: Pena de Valério é maior que a de Chico Picadinho
Autor: Prestes, Cristine
Fonte: Valor Econômico, 26/10/2012, Política, p. A5

A pena de 40 anos de prisão imposta pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) a Marcos Valério Fernandes de Souza, apontado como o principal operador do mensalão e condenado por cinco tipos de crime, está entre algumas das mais altas já concedidas a réus em ações penais no Brasil. Se confirmada a punição prevista na sessão de quarta-feira do julgamento da Ação Penal nº 470, Valério cumprirá uma pena maior do que a atribuída a criminosos célebres, como a da jovem da classe média alta paulistana Suzane von Richthofen, condenada a 39 anos de prisão por planejar o assassinato de seus pais a pauladas em 2002, enquanto dormiam, e do famigerado Chico Picadinho, condenado a 30 anos de prisão pelo homicídio e esquartejamento de duas mulheres nas décadas de 60 e 70.

Se considerados apenas os chamados crimes do colarinho branco, a pena de Valério possivelmente só perde para a imposta a Eliana Tranchesi, a ex-dona da boutique de luxo Daslu, morta no início deste ano em função de um câncer de pulmão. Em 2005 Tranchesi foi presa preventivamente durante a Operação Narciso da Polícia Federal, acusada de formação de quadrilha, importação irregular e falsidade ideológica. Em 2009, a empresária foi presa novamente após a juíza Maria Isabel do Prado, da 2ª Vara Criminal de Guarulhos, condená-la a 94 anos de prisão.

A decisão que condenou Tranchesi foi considerada absurda até mesmo pelo acusador, o Ministério Público Federal, que pediu a reforma da sentença da primeira instância. Isso porque a juíza estabeleceu uma pena para cada ato de importação fraudulenta cometido pela empresária, somando-as ao final - aplicando a regra prevista no artigo 69 do Código Penal, chamada de concurso material, ao invés da regra do artigo 71, que prevê a imputação de apenas uma pena para o crime que, se repetido sucessivamente, leva a um aumento de um sexto a dois terços da pena.

A regra do crime continuado, também chamado de continuidade delitiva, foi aplicada pelo Supremo para calcular a pena de Valério em relação ao crime de lavagem de dinheiro. Isso porque o réu foi condenado por ter ocultado a origem do dinheiro proveniente de crimes antecedentes por 46 vezes. Se aplicada a pena mínima de lavagem, de 3 anos, para cada um dos crimes, o resultado seria uma pena ainda maior: somente pelo crime de lavagem Valério pegaria 138 anos de prisão. Para se ter uma ideia, a não aplicação da continuidade delitiva leva a extremos como a pena imposta ao coronel Ubiratan Guimarães, que em 1992 coordenou a desastrosa invasão do pavilhão 9 da Casa de Detenção do Complexo do Carandiru, em São Paulo, e que culminou no assassinato de 111 presos. Na época, o Tribunal do Júri condenou o coronel a 632 anos de prisão. Ubiratan, no entanto, nunca foi preso: em 2002 elegeu-se deputado estadual com o número 14.111 e, com foro privilegiado, seu recurso foi julgado pelo órgão especial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), que acabou o absolvendo. O coronel foi assassinato em 2006.

Ainda que no caso de Valério a regra tenha sido aplicada, a pena de 40 anos atribuída a ele foi considerada alta por especialistas. Isso decorre, principalmente, de sua condenação por cinco tipos de crime - ainda que as penas aplicadas em alguns tenham sido altas. No caso de formação de quadrilha, por exemplo, a pena sugerida pelo relator, Joaquim Barbosa, e acatada pelos demais ministros foi de 2 anos e 11 meses, apenas um mês a menos do que a pena máxima para esse crime, que é de 3 anos.

As discrepâncias entre as penas atribuídas a alguns dos mais célebres criminosos do país decorrem do número de crimes que cometeram e da forma como a Justiça aplicou a lei penal. Há, no entanto, incongruências no próprio Código Penal. A pena mínima para quem falsifica remédios, por exemplo, é de 10 anos de prisão - maior do que a pena mínima de homicídio, de 6 anos de prisão.