Título: Em campanha, Kirchner ataca inimigos externos
Autor: Rocha, Janes
Fonte: Valor Econômico, 15/02/2007, Internacional, p. A17

Os organismos internacionais e a influência americana voltaram ao centro do debate político na Argentina, a oito meses das eleições presidenciais. O presidente Néstor Kirchner, candidato (ainda não declarado oficialmente) à reeleição, ganhou munição extra este mês para atacar aqueles que são considerados os "grandes inimigos externos do povo argentino".

Num inflamado discurso ontem na cidade litorânea de Mar del Plata, na inauguração de uma nova estrada, Kirchner não só reafirmou como disse que vai "aprofundar" sua política econômica, em resposta a críticas da Organização Mundial do Comércio (OMC). Em relatório divulgado na segunda, a OMC questionou o modelo heterodoxo adotado pelo governo Kirchner para controlar a inflação, os controles de preços, os subsídios à produção de alimentos e a restrição às exportações, e pediu maior prudência "fiscal e monetária". Na terça, a ministra da Economia, Felisa Miceli, respondeu às críticas da OMC, dizendo que não aceitava pressões e não mudaria o modelo.

No discurso em Mar del Plata, Kirchner apontou diretamente para a vice-presidente para a América Latina do Banco Mundial, Pamela Cox, que está em visita de quatro dias ao país. Cox disse à imprensa local na terça que, apesar do otimismo com a recuperação econômica da Argentina, o país precisa atrair capital privado, e que, para isso, são necessárias "regras estáveis, instituições fortes e previsíveis". E disse que a pobreza ainda é "muito alta para um país de renda média como a Argentina".

Rodeado de ministros e candidatos a governador e prefeito que ele apóia, o presidente argentino disse que "se ainda há pobreza na Argentina, é por culpa dos planos deles [Banco Mundial]".

"O discurso contrário ao Fundo Monetário Internacional (FMI) foi o eixo da campanha de Kirchner em 2003", lembrou o analista político Rosendo Fraga, sócio da consultoria Nueva Mayoria. Kirchner, que ganhou a eleição com apenas 22% dos votos - devido à desistência do ex-presidente Carlos Menen de disputar o segundo turno -, reestruturou a dívida externa da Argentina em 2005 e, em 2006, quitou a dívida com o FMI. "O papel que teve o FMI no passado, agora têm a OMC e os EUA", disse Fraga, referindo-se a outro caso recente.

Na semana passada Kirchner denunciou publicamente uma tentativa do embaixador dos Estados Unidos em Buenos Aires, Earl Anthony Wayne, de interferir em favor de um fundo de investimentos americano em uma transação com as ações da principal empresa de transmissão de energia elétrica do país, a Transener, que foram vendidas pela Petrobras. O presidente argentino respondeu à carta em discurso na Casa Rosada, sede do governo, dizendo que a Argentina não é uma "republiqueta" e que não admite pressões em decisões soberanas - seu governo rejeitou a venda das ações da Transener para o fundo. Isso foi no mesmo dia em que chegavam a Buenos Aires o subsecretário de Estado americano para assuntos políticos, Nicholas Burns, e o secretário-adjunto para a América Latina, Thommas Shannon.

O analista político Hugo Haime, sócio da Haime & Asociados, consultoria de pesquisas de opinião, concorda com Rosendo Fraga: nada cai melhor nos ouvidos dos argentinos hoje que falar mal dos organismos internacionais e dos EUA. "Para os argentinos, de alguma forma existe essa idéia de que grande parte do fracasso do país no passado recente é culpa dos organismos internacionais".

Haime diz que, atacando os inimigos externos, Kirchner responde ainda à oposição interna em sua débil tentativa de ressaltar os pontos fracos do governo, como a intervenção no Instituto Nacional de Estatísticas e Censos (Indec).

Há duas semanas, o Ministério da Economia, a quem o Indec está subordinado, demitiu a chefe da pesquisa de preços e colocou uma pessoa mais ligada à secretaria de Comércio, às vésperas da divulgação do índice de inflação de janeiro. Depois de uma nebulosa ação que colocou os funcionários do instituto em atrito com o governo, o IPC foi divulgado com diferença de um ponto percentual abaixo do que o mercado esperava.