Título: Além da poupança
Autor: Seabra , Luciana
Fonte: Valor Econômico, 29/10/2012, Investimentos, p. D1

Há dois meses o oficial da marinha mercante Celso Muniz, de 47 anos, decidiu mudar o destino de suas reservas de emergência. O fundo de renda fixa, antigo porto seguro para R$ 22 mil, deu lugar à poupança. Quando a taxa básica de juros chegou a 7,5% no fim de agosto, ele percebeu que o retorno adicional do fundo era "comido" pelo Imposto de Renda (IR) e pela taxa de administração da carteira, de 1,5%. "Não estou confortável, porque sei que perco para inflação, mas não tenho para onde correr", diz Muniz. O oficial faz questão da liquidez para não ter que, em uma emergência, vender às pressas ações ou títulos públicos.

"Já corro risco com ações. Para o rendimento de curto prazo sou o mais conservador possível", diz Muniz. Esse não parece ser um raciocínio raro. Em setembro, os depósitos em poupança superaram os saques em R$ 5,95 bilhões, o maior resultado para o mês na série do Banco Central. Em julho, a captação líquida havia atingido o recorde histórico. Donos de bolsos fartos têm aumentado aportes na poupança. O estoque de cadernetas com mais de R$ 20 mil em junho deste ano era 20% superior ao de igual mês de 2011, segundo o Fundo Garantidor de Créditos (FGC). O maior avanço, de 35%, ocorreu em cadernetas com saldo entre R$ 700 mil e R$ 800 mil.

Esse movimento também pode ser visto na Caixa, líder no segmento. De maio, quando foi alterada a regra da remuneração da caderneta, até setembro, o saldo em contas de poupanças de clientes com renda superior a R$ 6 mil cresceu 4,39%. E não se trata de algo temporário, diz Édilo Valadares, diretor de pessoa física da Caixa. "O perfil do poupador é mais estável. Não é do tipo que entra e fica só 30 dias", afirma.

O governo ajustou a caderneta - que passou a render 70% da Selic - para que ela não se tornasse demasiadamente atraente em meio ao novo cenário de juros. Parece que não funcionou. Especialistas afirmam que a caderneta tornou-se rentável demais em relação a seu perfil de liquidez e segurança. Eles sugerem alternativas, entretanto, para quem, como Muniz, tem acesso a produtos mais sofisticados e está desconfortável com o que a caderneta entrega. Com a Selic atual, de 7,25%, ela rende 0,413% ao mês (5,075% ao ano).

Uma primeira alternativa é buscar fundos de renda fixa ou DI que ainda superem a poupança. Para que a alíquota de imposto não elimine o ganho qualquer que seja o prazo, entretanto, é preciso que a taxa de administração seja menor ou igual a 0,5%. Encontrar essa opção na indústria, porém, não é tarefa fácil. "Não são mais de 35 fundos efetivamente disponíveis ao investidor com taxa abaixo de 0,5%", afirma Marcelo d"Agosto, autor do blog "O Consultor Financeiro" no portal Valor.

A base do levantamento são 391 fundos DI e renda fixa não exclusivos, com patrimônio superior a R$ 10 milhões e mais de cem cotistas. Dentre os fundos que batem a poupança, muitos têm aplicação inicial por volta de R$ 500 mil. É bom lembrar que esse tipo de perfil existe - e cresce - na poupança. As cadernetas com estoque superior a R$ 500 mil somavam R$ 44,67 bilhões em julho, 29,84% a mais que em igual mês de 2011.

Para quem pode esperar um ano, a mordida do Leão pesa menos e a taxa de 1% passa a interessar. Rafael Paschoarelli, professor de Finanças da Universidade de São Paulo (USP), fez uma simulação com 130 fundos DI com mais de 500 cotistas. Nesse caso, metade ganha da poupança. Mas esses fundos não são para qualquer bolso. A aplicação mínima média é de R$ 200 mil. Dentre os que perdem para a poupança, o aporte inicial exigido é de, em média, R$ 25 mil.

Para o investidor de alta renda, Paschoarelli considera que a poupança é uma escolha muito ruim. Uma alternativa diferente dos fundos, sugere, é o Certificado de Depósito Bancário. "Para quem tem acesso, um CDB que paga 100% do CDI é uma opção infinitamente melhor", afirma. Segundo simulação do professor, se o investidor puder esperar mais de um ano, o retorno já é superior em CDBs que rendem 85% do CDI ou mais.

Para ter acesso a ganhos mais polpudos, que chegam a 120% do CDI, sem alongar muito o prazo, o vice-presidente da gestora Lecca Investimentos, Francisco Carvalho, sugere que o investidor olhe para papéis de bancos de médio e pequeno porte. Mas problemas recentes com instituições como BVA e Cruzeiro do Sul assustam. Por isso Carvalho sugere limitar esse tipo de aplicação a cerca de R$ 60 mil por instituição. Assim, mesmo depois dos rendimentos, será possível contar com a proteção do FGC - de até R$ 70 mil por CPF por instituição financeira. O mesmo vale para Letras de Crédito Imobiliário (LCIs) e Letras de Crédito Agrícola (LCAs), com isenção de IR.

"O investidor tem mania de liquidez diária", afirma Carvalho. Ele sugere que, mesmo dentro do curto prazo, o aplicador diversifique as opções de resgate. Não é preciso que uma fatia do patrimônio esteja totalmente líquida e a outra alocada no longo prazo. Uma parte dos recursos pode estar disponível para resgate no mesmo dia, outra para 30 dias, outra para até 6 meses - e assim por diante.

"Mesmo investidores com potencial grande, com alguns milhões em conta, ainda têm um fetiche com a caderneta", diz Paulo Bittencourt, diretor técnico da Apogeo Investimentos. Para ele, o brasileiro ainda está orientado ao "monoproduto". Vai demorar pelo menos um ano ainda, estima, para o investidor absorver o estrago que a falta de diversificação fez no patrimônio. "Quando ele fizer as contas do retorno no começo de 2014 é que vai se dar conta."

Para o caixa dos clientes, Bittencourt sugere fundos multimercados juros e moedas sem renda variável. Há prazos para resgate de até um dia, diz, e o retorno, em geral, é melhor do que o do DI. "Já fundos com crédito privado eu não usaria absolutamente para caixa", diz, considerando que uma qualidade de crédito melhor em geral está disponível para prazos de resgate superiores a 30 dias.

Marcelo d"Agosto lembra que há ainda opções no Tesouro Direto com prazos não tão longos e possibilidade de venda todas as quartas-feiras, ainda que haja riscos. No caso da Letra do Tesouro Nacional (LTN), há o risco de alta dos juros básicos, em que a poupança poderia passar a ganhar. Já a Letra Financeira do Tesouro (LFT), como a caderneta, acompanha a Selic.

Alexandre Espírito Santo, economista-chefe da Way Investimentos e professor do Ibmec-RJ, sugere a NTN-B. Há o bônus da proteção contra a inflação, mas também o risco de os juros subirem. "Todos nós vamos precisar correr algum risco se quisermos alguma diferenciação."

A dificuldade de encontrar alternativas à caderneta, porém, revela que o percentual de 70% da Selic escolhido para definir o retorno da poupança ficou alto demais, afirma o matemático José Dutra Sobrinho. "Uma aplicação de segurança quase absoluta e liquidez total deveria ser o produto com menor rentabilidade. É uma clara inversão da lógica das coisas".