Título: Lula deixa tudo prá lá, que falem e pensem
Autor: Bittar, Rosângela
Fonte: Valor Econômico, 14/02/2007, Política, p. A6

O governo, todo mundo viu, não funcionou em 2006. Primeiro, porque os ministros saíram para as eleições e deixaram na gestão provisórios e interinos sem força . Depois, pela campanha eleitoral, que sorveu as energias de todos. O presidente da República, após a vitória, ameaçou iniciar uma reforma ministerial para começar a trabalhar logo, mas resolveu sair primeiro para umas férias de descanso pós-campanha. Em dezembro, o início do novo mandato foi transferido para janeiro, ficando o ministério prometido para depois da eleição dos presidentes da Câmara e do Senado, que ocorreu em fevereiro.

O presidente da República tomou posse e, talvez para reduzir o espaço entre janeiro e fevereiro e driblar cobranças, saiu de férias novamente. Passaram-se as eleições do Congresso e nada. Hoje, três meses depois do primeiro adiamento, constata-se que o governo velho enferrujou e o novo não existe. Mas Lula, o presidente da República, já está pensando em tirar mais umas férias, ainda não confirmadas oficialmente, no período do carnaval. Parece estar fugindo da formação da equipe.

Os índices da Educação, divulgados semana passada, comprovam a ausência de governo nesta área. Pioraram as notas dos alunos, caíram as matrículas, a qualidade se deteriorou, e o ministro Fernando Haddad não foi confirmado mas já recebeu a encomenda de um pacote de medidas para dar ao setor ares de prioridade.

Da Saúde, onde o nome do ministro (Agenor Álvares) é tão desconhecido que já virou charada na tribuna do Senado, nem indicadores ruins há para contar a história. Nos Transportes, o funcionário de carreira Paulo Passos guarda lugar para o partido que vencerá a loteria de verbas tão cobiçadas, enquanto vai tentando explicar o inexplicável: por que os tapa-buracos derreteram todos depois das eleições, antes mesmo das chuvas.

O ministro das Comunicações, Hélio Costa, cotado para ficar como representante do PMDB do Senado, resolveu sair da paralisia e tomar uma iniciativa. Optou por um anúncio bombástico: o cancelamento do contrato da Empresa de Correios e Telégrafos com o Bradesco para a operação do Banco Postal. O balão ficou no ar uns dois dias até que todos caíram em si e o próprio ministro anunciou recuo: "Não foi nestes termos. O Chávez (Hugo) é que faz isto (quebra de contrato), eu não", desconversou, saindo à francesa. Luis Carlos Guedes Pinto, o ministro da Agricultura que chegou ao governo com José Graziano, do festejado Fome Zero, foi abandonado pelo padrinho, não tem autonomia, não tem grupo, não é de corrente nenhuma e não tem condições sequer de pedir verbas.

-------------------------------------------------------------------------------- Os sacos de gatos na casa da mãe Joana --------------------------------------------------------------------------------

Luiz Furlan, do Desenvolvimento, já avisou que não ficará no segundo mandato, mas ainda não conseguiu sair. Já tirou férias três vezes e, na semana passada, participou da encenação do lançamento da Política de Desenvolvimento da Biotecnologia, acompanhado de uma porção de outros ministros-fantasmas.

A situação do ministro Márcio Thomaz Bastos, da Justiça, chega a ser dramática. O ministro já avisou que não fica, protelou a saída algumas vezes a pedido do presidente da República, seu ministério está praticamente desfeito, secretários e assessores já debandaram. Ele vai retomar a advocacia em São Paulo, o escritório está pronto e a mudança já seguiu. Mas não é liberado. Depois de já ter se despedido de todos, Thomaz Bastos foi obrigado a receber a visita oficial ao governo brasileiro do ministro da Justiça americano. Que tipo de acordo poderia honrar nesta situação? O Brasil não tem um ministro da Justiça em condições de exercer o cargo no momento em que a sociedade, o Parlamento e o Judiciário debatem, por causa do assassinato brutal de uma criança, a maioridade penal.

Na Polícia Federal, há uma guerra em torno da substituição de Paulo Lacerda, que acabou se tornando homem da estrita confiança de Thomaz Bastos e que, por isso mesmo, não permanecerá no cargo. O ministro sugeriu ao presidente que mantenha Lacerda por um tempo, até que o novo ministro da Justiça assuma e escolha um substituto. O risco é o PT exigir também a PF para fazer o que mais sabe: abafar escândalos em que petistas são investigados. O PT se atira com ousadia às oportunidades, mas atira-se mais feroz ainda à conquista da impunidade .

A equipe econômica está abalada. Vinha elaborando o Programa de Aceleração do Crescimento, desde o ano passado, para ser uma espécie de Fome Zero do segundo mandato: muita propaganda e promessas, embora nele especialistas não tenham identificado garantias de crescimento, sua razão de ser. Pois esta mesma equipe, ou boa parte dela, está sob fogo do PT, o partido do presidente, e Lula não levantou a voz uma única vez. Para dizer que o bombardeado Henrique Meirelles, por exemplo, continuará no cargo. Deixa que o presidente do Banco Central do Brasil vá sendo fritado pelos petistas de terceiro escalão, sem problemas.

Mas não deixa de contabilizar, como resultados do trabalho árduo que acha que vem empreendendo, o PAC, o assembleísmo contínuo, a instalação de fóruns, como o da Previdência, que vai "estudar" soluções para o problema nos próximos 40 ou 50 anos, e reuniões do Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, o fórum do primeiro mandato que sobreviveu à reeleição.

É nesta casa de Joana que os partidos políticos querem abrigar, cada um, os seus gatos, cujos nomes começaram esta semana a levar oficialmente ao presidente. Pelo que se viu, se nomeados, não mudarão a paisagem. O PT, que nos critérios iniciais, perderia postos para os aliados da grande coalizão, agora quer os cargos dos outros, pois precisa armar-se para as eleições municipais de 2008 e para a sucessão de Lula em 2010. O PMDB sai contente de uma reunião em que soube apenas que "o esboço do novo ministério sai em 20 dias". Se sair. Assessores do presidente dizem que "tudo pode ficar para depois da escolha do novo presidente do PMDB". Em março. Ou para depois de formalizado o racha do PTB. Ou para quando o PR receber todos os neo-governistas da oposição. Depois da votação do novo salário mínimo, ou para depois das votações das medidas provisórias polêmicas do PAC, ou para depois da Semana Santa, do Corpus Christi, ou do recesso de julho. O governo federal nunca esteve tão parecido com uma imensa reunião do PT, onde há muito barulho, por nada.

Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras