Título: Brasil muda correção da dívida de Itaipu
Autor: Rittner, Daniel e Landim, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 19/01/2007, Brasil, p. A6

O governo brasileiro concordou em atender uma reivindicação antiga do Paraguai e mudar o indexador da dívida do país com o Brasil, contraída na época da construção da usina hidrelétrica de Itaipu. "Será possível atender esse pleito", assegurou o ministro da Fazenda, Guido Mantega. O Brasil apresentou sua proposta ao Paraguai ontem, na reunião de cúpula do Mercosul, no Rio de Janeiro. Se a resposta paraguaia for positiva, o acordo pode ser selado nesta sexta-feira.

O Brasil está disposto a retirar do indexador da dívida o impacto da inflação americana. Instalado a pedido do Paraguai, o mecanismo chamado de "fator de reajuste" acrescenta aos juros da dívida da empresa o impacto da inflação americana, utilizando a média de variação dos preços no varejo e no atacado dos Estados Unidos. É uma maneira de corrigir a variação da moeda americana, já que a dívida está em dólar.

Esse indexador chegou a significar, no máximo, uma sobretaxa de 6 pontos percentuais nos juros. A dívida de Itaipu é de cerca de US$ 19 bilhões. Os paraguaios se arrependeram da medida e hoje consideram que o fator de reajuste é uma dupla tributação. "As condições de mercado mudaram bastante desde aquela época. As taxas de juros caíram", observou Mantega, explicando os motivos da decisão brasileira.

Para evitar que a Eletrobrás perca recursos, já que a estatal é credora de dois terços da dívida de Itaipu, o governo brasileiro pretende retirar esse indexador extra da dívida da usina e transportá-lo para as contas dos consumidores. Mas será apenas uma manobra contábil, já que na prática 98% da energia de Itaipu, cujos preços já embutem esse custo extra, são comprados pelo Brasil.

"O efeito para o consumidor brasileiro é nulo", garantiu ao Valor o ministro de Minas e Energia, Silas Rondeau. Os preços da energia da usina são calculados com base no custo do serviço e na potência da usina - 70% do custo do serviço corresponde à dívida do Paraguai com o Brasil.

Além da inflação americana, corrigem a dívida os juros cobrados sobre três tranches de dívidas contraídas para a construção da usina. A maior tranche tem juros de 7,5% ao ano. Com a recente alta da inflação nos Estados Unidos, o serviço da dívida chegou a ter correção anual de 12% a 13%.

O pagamento dos juros da dívida de Itaipu, junto com uma pequena amortização anual, soma cerca de US$ 1,5 bilhão todos os anos. Isso é considerado essencial para fechar as contas do governo brasileiro - daí a resistência do Tesouro Nacional, durante as negociações, para dar um sinal verde ao acordo. Em 2005, o valor representou quase 6% do superávit primário do governo central, que alcançou R$ 52,4 bilhões.

Os técnicos que acompanham a discussão ainda têm dúvidas quanto à implementação do acordo bilateral. De acordo com o Tratado de Itaipu, assinado em 1973 para permitir a construção da hidrelétrica, qualquer redução no pagamento da dívida da empresa binacional deve ser acompanhada de uma redução também das tarifas de energia, proporcionalmente à economia financeira feita com os juros.

O Paraguai defende que as tarifas de Itaipu sejam mantidas tal como estão. Dessa forma, haveria um importante reforço no caixa da binacional, com a economia gerada pela redução do serviço da dívida. Na distribuição dos resultados, tanto o Paraguai quanto o Brasil ficariam com mais recursos. O problema detectado pelos técnicos é que, para adotar essa medida, o tratado precisa ser revisto. Mas isso é como "abrir uma caixa de Pandora", nas palavras de um funcionário do governo, que teme mudanças na gestão da usina caso haja uma revisão do acordo.

Uma alternativa apresentada pela área técnica do governo é o aumento do preço que o Brasil paga pela energia de Itaipu - o Paraguai tem direito a 50% do total, mas consome apenas 4%. Se essa solução for adotada, a transferência de recursos para o país vizinho pode passar de US$ 250 milhões para US$ 350 milhões - um reforço nada desprezível para as combalidas finanças paraguaias.