Título: A importação paralela e a licença de marca
Autor: Oikawa, Alysson Hautsch
Fonte: Valor Econômico, 19/01/2007, Legislação & Tributos, p. E2

A feição cosmopolita cada vez mais característica do mundo corporativo instiga as multinacionais a continuarem expandido sua atuação para fronteiras anteriormente impenetráveis. Não obstante, um dos efeitos colaterais desse caráter globalizado resulta justamente da expansão do comércio de artigos para novas regiões. Trata-se de uma conduta conhecida como importação paralela, que consiste na introdução de produtos legítimos em determinado mercado, à revelia de seu fabricante ou do titular dos direitos de propriedade intelectual relacionados a tais produtos. Especificamente quanto aos efeitos da importação paralela em relação a direitos sobre marcas, cabe esclarecer que o licenciado exclusivo no território nacional poderá requerer a coibição daquela conduta, uma vez atendidos certos requisitos legais.

O artigo 140 da Lei de Propriedade Industrial - a Lei nº 9.279, de 1996 - estabelece a necessidade de averbação prévia pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) para que os termos e condições da contratação sejam válidos perante terceiros. Para os fins destes apontamentos, a importância da chancela oficial reside em proporcionar que terceiros tomem ciência do teor da licença, incluindo a exclusividade de uso da marca licenciada em determinado território.

As regras trazidas pela Lei de Propriedade Industrial no tocante à licença de uso de marca são complementadas por atos normativos e pelos chamados entendimentos do INPI, que também estabelecem o requisito da averbação prévia. Embora a lei possa ser interpretada no sentido de que as partes possuem ampla liberdade na determinação da forma contratual, o INPI somente realizará a averbação se a licença for apresentada por escrito, indicando os requisitos trazidos pelo Ato Normativo INPI n° 135, de 1997.

Uma vez averbado e dependendo do que dispuser a licença em questão, a cláusula de exclusividade poderá não só impedir a importação paralela como também restringir a atuação do próprio licenciante no território exclusivo. Ressalte-se que a exclusividade só poderá ser plenamente exercida depois que o INPI publicar a averbação da licença na Revista da Propriedade Industrial (RPI).

A obrigatoriedade de averbação para que o contrato seja oponível contra terceiros e, portanto, possa-se exigir a exclusividade da licença, foi acolhida em diversas decisões judiciais relacionadas à importação paralela. A título exemplificativo, destaca-se uma decisão proferida em fevereiro de 1999 pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) no Agravo de Instrumento nº 80.264-4/4-00 admitindo a possibilidade de tutela antecipada visando à cessação da introdução não-autorizada de peças no mercado interno, em um caso que envolvia licença de uso exclusivo de marca que foi averbada pelo INPI.

Atendido o requisito da averbação devidamente publicada, o principal argumento legal para barrar a importação paralela relaciona-se com o artigo 132, inciso III da Lei de Propriedade Industrial. Embora uma interpretação restritiva desse dispositivo possa levar à equivocada conclusão de que o titular da marca não seria capaz de impedir a entrada não-autorizada de produtos originais no mercado brasileiro, o que se deve atentar é para a sua parte final, que traz a ressalva "com o seu consentimento". A leitura "contrario sensu" desse inciso III demonstra que está proibida a importação de produtos, mesmo que não sejam artigos falsificados, se não foram introduzidos no mercado brasileiro com autorização do titular.

-------------------------------------------------------------------------------- O licenciado exclusivo de marcas dispõe de meios jurídicos para inibir a entrada não-autorizada de produtos no país --------------------------------------------------------------------------------

A concordância por parte do titular do direito é, portanto, aspecto fundamental para se determinar a licitude ou não das importações paralelas. Não obstante, será necessário analisar o caso concreto para verificar se houve ou não consentimento, ainda que tácito, entre o titular da marca e o que vende o produto no estrangeiro. Nossos tribunais tendem a considerar legítima a importação paralela quando há autorização tácita.

A importação paralela é legal do ponto de vista de direitos marcários, pois não há reprodução ou imitação ilícita de marca registrada (sobre a tipificação do crime contra registro de marca, segundo os artigos 189 e 190 da Lei de Propriedade Industrial). Embora não lhe restem sanções na esfera penal, por não estar configurado crime de violação de registro de marca, o prejudicado com a importação paralela poderá intentar as ações cíveis que considerar cabíveis na forma do Código de Processo Civil, segundo o artigo 207 da mesma lei.

Além da garantia de exclusividade comercial no território da licença, a averbação no INPI é também necessária para a legitimação do licenciado como parte em ações judiciais relativas à marca, seja isoladamente, se o contrato assim permitir, seja como litisconsorte do licenciante. Não obstante, independentemente de um consentimento contratual expresso, o licenciado tem a faculdade de atuar como assistente do licenciante em processos judiciais, auxiliando este último na defesa dos seus interesses sobre a marca licenciada.

Como argumento subsidiário à interpretação "contrario sensu" do artigo 132, inciso III da Lei de Propriedade Industrial, o licenciado exclusivo poderá optar por uma tese de concorrência desleal. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) teve a oportunidade de se manifestar a respeito do sentido legal de concorrência desleal em diversas oportunidades. Por exemplo, nos termos de acórdão proferido em 1997 no Recurso Especial nº 70.015-SP, que diz que "a concorrência desleal supõe o objetivo e a potencialidade de criar-se confusão quanto a origem do produto, desviando-se clientela."

Transpondo o conceito de concorrência desleal para a presente discussão, ao licenciado exclusivo restaria demonstrar que o importador paralelo se aproveita indevidamente de todo o investimento realizado na construção da rede autorizada de distribuição, comprometendo o sucesso da licença exclusiva. Colocada dessa forma, a conduta configuraria ato de concorrência desleal na modalidade de desvio de clientela, tipificado pelo artigo 195, inciso III da Lei de Propriedade Industrial.

O licenciado exclusivo de marcas dispõe, portanto, de meios jurídicos para inibir a entrada não-autorizada de produtos em território nacional, desde que atendidos determinados requisitos de nosso ordenamento. Notadamente, deverá necessariamente obter a averbação do contrato perante o INPI, além de ficar atento à possibilidade de consentimento, entre o titular da marca e o fabricante ou distribuidor estrangeiro, para a introdução de mercadorias no mercado interno.

Alysson Hautsch Oikawa é advogado especialista em propriedade intelectual do escritório Bhering Advogados e mestre em direito pela Universidade de Illinois

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