Título: Inclusão passa por incentivos fiscais e por investimentos
Autor: Lovatelli , Carlo
Fonte: Valor Econômico, 27/11/2012, Opinião, p. A16

O Brasil necessita prosseguir em sua trajetória de desenvolvimento, via expansão de investimentos, para garantir a continuidade da inclusão social e da redução dos desequilíbrios regionais. Praticamente se esgotou o modelo de crescimento econômico baseado apenas em consumo e renda. O país precisa tirar das pranchetas e levar para os canteiros de obras bilhões de reais em empreendimentos, que assegurem mais emprego, mais valor adicionado, aumento da renda e da arrecadação tributária. Para tanto, os Estados da federação necessitam da manutenção dos programas de incentivos fiscais e de desenvolvimento regional.

É pernicioso para a trajetória de desenvolvimento brasileiro acabar com qualquer tipo de incentivo via Imposto sobre Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços (ICMS). Nesse sentido, é preocupante o que pode advir da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), adotada no ano passado, tornando inconstitucionais leis estaduais que concedem benefícios fiscais de ICMS sem prévio convênio aprovado pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz).

Para a concessão de benefício fiscal de ICMS, a Constituição Federal exige celebração de convênio aprovado pelos 26 Estados e o distrito federal, sem dissidência. Diversos Estados, porém, concedem benefícios fiscais relativos a ICMS sem celebrar convênios com outros, de forma unilateral, por ser muito difícil obter a unanimidade dos votos nessa matéria.

O que se chama de guerra fiscal não é o incentivo em si, mas a inobservância das regras vigentes

Os outros Estados, em contrapartida, discordando das concessões unilaterais de benefícios fiscais e, preocupados com a sua competitividade fiscal na captação e manutenção de investimentos produtivos, acabam por editar normas que determinam a glosa de créditos de ICMS relativos às operações beneficiadas no Estado de origem.

Em abril, o STF publicou edital para a manifestação de interessados a respeito de uma súmula vinculante que tem a seguinte redação: "Qualquer isenção, incentivo, redução de alíquota ou de base de cálculo, crédito presumido, dispensa de pagamento ou outro benefício fiscal relativo ao ICMS, concedido sem prévia aprovação em convênio celebrado no âmbito do Confaz, é inconstitucional".

A súmula vinculante do STF obrigaria, também, as empresas a devolver bilhões de reais aos cofres públicos, já que muitos incentivos fiscais concedidos pelas unidades da federação para instalação de investimentos seriam considerados inconstitucionais, pois não foram aprovados pelo Confaz.

Como é do jogo democrático, a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), cujas associadas têm contribuído para as economias de vários Estados, proporcionando empregos, renda e arrecadação tributária decorrentes de suas atividades de processamento de soja, transformando o grão em farelo e óleo, se manifesta sobre esse tema com três mensagens principais:

1) Os programas de incentivo promoveram a diversificação da economia, com desenvolvimento econômico e social de regiões no interior do país, as quais apresentam sérias deficiências de infraestrutura, menor qualificação profissional da mão de obra e custo logístico mais elevado. O Estado do Mato Grosso, por exemplo, tornou-se o principal polo processador de soja, sendo que há algumas décadas era um Estado agrícola voltado à exportação da commodity.

2) Não faz sentido obrigar as empresas a restituir valores aos Estados pois não houve prejuízo ao fisco estadual, ao contrário. Entendemos que foi ampliada a base da arrecadação tributária pelo desenvolvimento de novas atividades econômicas que não existiam. Ocorreram contrapartidas de investimento e geração de emprego. Se as empresas forem obrigadas a devolver os benefícios que receberam sob a forma de redução do ICMS, elas serão fechadas, pois os investimentos produtivos se inviabilizarão. Quem pagará por isso será a população, pois haverá desemprego e o aumento da carga tributária será repassado nos preços.

3) Os impactos futuros precisam ser modulados (planejados), em um período para transição harmoniosa e gradual, a fim de não se reverter o desenvolvimento regional nem se criarem situações de perda de isonomia entre as empresas do setor.

Sabe-se que, entre as várias propostas que circulam no Congresso, toma corpo a ideia de se aprovar um projeto de lei - já em discussão no Senado - que acaba com a necessidade de unanimidade no Confaz para a aprovação de um benefício fiscal, antes que possa ser aprovada a súmula vinculante 69.

O que se chama de guerra fiscal não é o incentivo em si, mas a inobservância das regras vigentes, e isso porque a Constituição estabeleceu a necessidade de unanimidade do Confaz em relação a benefícios fiscais, o que é impossível. Nessa matéria, sempre haverá discordância entre as unidades da federação.

Entendemos que o sistema de votação unânime pelo Confaz precisa ser reavaliado para assegurar a competição fiscal lícita. Seria importante haver um quórum de 3/5 para o Confaz (apoio de 21 governadores), cumulado com a anuência de ao menos um Estado de cada região, de modo a viabilizar o debate federativo acerca da conveniência das desonerações de ICMS.

O problema dos incentivos fiscais é emergencial, pois a súmula vinculante poderá torná-los inconstitucionais. Urge uma solução negociada para que Estados, empresas, trabalhadores e consumidores não saiam prejudicados.

Carlo Lovatelli é presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove).