Título: Nervosismo acompanha a reacomodação dos mercados
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 14/03/2007, Opinião, p. A16

A desmontagem geral das posições de maior risco continua a provocar turbulências nos mercados financeiros ao redor do mundo. Não há resposta precisa ainda para a pergunta de se a instabilidade que pegou carona na bolsa de Xangai foi apenas um susto ou o preâmbulo de uma grave crise futura. A própria freada de arrumação promovida pela fuga das posições mais arriscadas pôs no radar dos investidores hipóteses que eles desdenhavam - um recuo forte da economia americana - após quatro anos seguidos de recuperação econômica e performances notáveis das bolsas de valores nos quatro cantos do mundo, da Argentina ao Vietnã. As avaliações de risco a partir de agora levarão isso em consideração, o que indica que a volatilidade tende a se reduzir ao longo do tempo, assim como deve ocorrer o ajuste dos ativos a uma posição mais conservadora, que leve em conta a possibilidade de uma desaceleração americana maior que a esperada.

A imprudência na concessão de crédito sempre faz vítimas quando um ciclo de alta liquidez é substituído por outro de elevação de taxas de juros. O velho filme se repete agora com a possível quebra da New Century Financial, uma das empresas mais atuantes no chamado mercado de empréstimos "subprime" - crédito para clientes de alto risco e com a ficha suja que querem comprar imóveis e estão dispostos a pagar taxas mais altas. Bancarrotas no crédito subprime espalharão prejuízos assimiláveis aos bancos e por si só é incapaz de detonar uma cadeia de falências, pois esse segmento do mercado movimenta 20% do dinheiro canalizado para comercialização de imóveis.

As chances de uma recessão americana ocorrer ainda são pequenas. A economia americana é movida pelo consumo, que representa mais de dois terços do PIB e ele não arrefeceu significativamente. Os dados revisados do quarto trimestre apontaram um aumento da demanda global de 3,6%, acima dos 2,2% do PIB. O que jogou a economia para baixo foi a desova de estoques, que retirou 1,4 ponto percentual de crescimento. Analistas prevêem que a redução continuará no primeiro trimestre deste ano, o que abre espaço para mais crescimento da produção a partir daí. A localização desses estoques mostra os setores em dificuldades no momento - eles se concentram na indústria automobilística, nos bens para construção e no varejo de materiais para casa e construção, segundo a revista "BusinessWeek". Excluídos carros e construção, a economia americana teria crescido não os 2,1% no segundo semestre de 2006, mas robustos 3,8%.

Embora a ênfase dos analistas se volte para o déficit comercial americano, as exportações do país continuam crescendo a dois dígitos para mercados em expansão em todo o mundo. Até agora o desemprego se mantém baixo, em 4,5%, o que estimulou expansão da massa salarial ao redor dos 4% e ganhos reais nos salários acima de 3,5%. Enquanto a situação do mercado de trabalho não piorar, o consumo continuará encontrando sustentação.

O problema maior pode vir de uma retração dos investimentos. Em janeiro as encomendas de bens de capital caíram ao menor nível em três anos. Seu ritmo será determinado, por sua vez, pelos lucros dos balanços, cuja tendência de queda não está cristalizada, nem é inexorável. O que parece claro até agora é que o declínio no mercado de residências machucou mais a indústria que gira ao seu redor, mas não provocou estragos na capacidade de consumo dos americanos. Os pessimistas dizem que isto é uma questão de tempo, mas essas previsões se repetem desde que o mercado imobiliário começou a desaquecer, há um ano.

Se o desemprego aumentar, o consumo der sinais de estagnação e os investimentos seguirem o mesmo rumo, então o caminho para um pouso nada suave estará aberto. O Fed continua de olho nos pontos cardinais de sua bússola - os índices de gastos pessoais de consumo, a evolução dos salários e do emprego. Se existir a possibilidade de uma recessão o Banco Central americano mudará o rumo de sua política. Não precisou fazê-lo até agora, pois a inflação ainda é maior do que a que o Fed persegue, e provavelmente não o fará no primeiro semestre.