Título: Haddad dará prioridade à renegociação da dívida
Autor: Agostine , Cristiane
Fonte: Valor Econômico, 02/01/2013, Política, p. A7

"Temos uma dívida insustentável e isso tem que ser dito. Não podemos conviver com uma dívida de 200% da nossa capacidade de arrecadação"

O novo prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), de 49 anos, afirmou ontem em seu discurso de posse que a renegociação da dívida com a União, estimada em mais de R$ 50 bilhões, será prioridade de sua gestão, assim como as parcerias com a iniciativa privada e com os governos federal e estadual para aumentar a capacidade de investimento da prefeitura. Com mais recursos, Haddad disse que o primeiro problema a ser enfrentado será o da miséria extrema.

O prefeito prometeu também melhorar a qualidade do serviço público, sobretudo nas áreas de saúde e educação, e conciliar os projetos habitacionais à preservação ambiental.

Ao discursar ontem, na sede da Prefeitura de São Paulo, durante a cerimônia de posse, Haddad disse que é urgente a renegociação da dívida municipal, que afeta a capacidade de investimento: "Temos uma dívida literalmente insustentável, e isso tem que ser dito com todas as letras", declarou. "Não podemos conviver com uma dívida de 200% da nossa capacidade de arrecadação."

Segundo o prefeito, "no mínimo entre 20% e 30%" das necessidades de financiamento da cidade "estarão resolvidas com esse equacionamento da dívida". O petista se reunirá nesta semana com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, para tratar do assunto. Será a terceira reunião com Mantega para discutir o tema desde sua vitória.

Em um longo discurso na cerimônia de transmissão de cargo de prefeito, Gilberto Kassab (PSD) também falou da dívida e alertou Haddad: "A situação financeira é extremamente difícil. A dívida com a União representa 200% da arrecadação, é impagável. É preciso concluir a renegociação que começamos", disse. De acordo com Kassab, Haddad vai assumir a prefeitura com R$ 6 bilhões em recursos, mas "todos eles vinculados" a obras já denominadas.

Apesar do alerta de Kassab e da preocupação de Haddad em renegociar a dívida, o PT voltou ontem ao comando da maior cidade do país em uma situação mais favorável economicamente do que nas gestões de Marta Suplicy (2001-2004) e de Luiza Erundina (1989-1992). O cenário político também é mais confortável a Haddad.

Marta assumiu a prefeitura com um caixa comprometido depois da gestão de Celso Pitta. Erundina teve extrema dificuldade na relação com a Câmara Municipal e, entre as sucessivas derrotas no Legislativo, teve sua capacidade de remanejar o Orçamento reduzida a 1%. Haddad, em contrapartida, terá uma margem de remanejamento de 15% do Orçamento de R$ 42 bilhões, podendo alterar o destino de R$ 6,3 bilhões sem consultar os vereadores.

Tanto Marta quanto Erundina comandaram a cidade sem o apoio dos governos estadual e federal, governados por opositores ao PT. Já Haddad, alinhado com a gestão Dilma Rousseff, recebeu ontem acenos do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), que participou da cerimônia de posse.

Alckmin disse que a capital está acima de interesses partidários. "Saiba, prefeito, que poderá sempre contar com apoio do governo do Estado naquilo que for de interesse de São Paulo, que não conhece interesses de partidos", afirmou o governador.

O prefeito mostrou-se favorável às parcerias com o tucano e dirigiu-se a Alckmin para pedir cooperação. "Quero dar as mãos ao senhor para trazer benefícios [para a cidade]", disse. "Governador, para o senhor, que falou em atitude suprapartidária, não recusarei um único centavo do governo do Estado e da União que pertença ao povo paulistano, independentemente da bandeira partidária. A democracia já amadureceu para sabermos a hora de discutirmos divergências e somarmos forças".

Ao governo federal, Haddad disse que pretende não só renegociar a dívida com a União, mas também captar mais recursos para a capital. "Não basta apenas a troca do indexador. Vamos buscar as parcerias necessárias para recuperar investimentos", disse, em cerimônia com a presença dos ministros José Eduardo Cardozo (Justiça), Eleonora Menicucci (Políticas para as Mulheres) e José Paim (secretário-executivo de Educação, no lugar de Aloizio Mercadante). O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, padrinho político de Haddad, não participou da cerimônia, nem a ex-prefeita e ministra da Cultura, Marta Suplicy.

Na Câmara Municipal, o prefeito conseguiu eleger sem dificuldades o vereador José Américo (PT), um dos dirigentes de sua campanha, para comandar a Casa. A equipe de Haddad disse ter a expectativa de apoio de 42 dos 55 vereadores, número suficiente para aprovar os projetos do Executivo.

Pouco antes da cerimônia na prefeitura, Haddad participou da posse dos 55 vereadores e, em seu discurso, disse que quer manter uma relação harmoniosa com a bancada de vereadores eleita. O petista reforçou que o Legislativo "não é um obstáculo" ao Executivo. "Queremos manter bom relacionamento", afirmou.

O prefeito garantiu que "as portas da prefeitura e das subprefeituras" estarão abertas não só aos vereadores que compõem a base do governo, mas a todos os eleitos. Com essa declaração, procurou minimizar as críticas de parlamentares sobre a falta de participação na nomeação dos subprefeitos. Haddad recusou indicações políticas e optou por técnicos e engenheiros.

Na Câmara, o novo presidente destacou que após o recesso os vereadores devem se debruçar sobre a reforma da inspeção veicular. "Esse debate deve começar já no primeiro dia de trabalho [1º de fevereiro]", afirmou Américo. "Creio que hoje há maioria na Casa para aprovar a reforma da inspeção veicular da melhor maneira para a cidade". Américo destacou outros grandes projetos a serem debatidos na Câmara durante 2013, na sua avaliação, entre eles a revisão do Plano Diretor da cidade de São Paulo, o código de obras e a lei de uso e ocupação do solo. "Vamos ter uma verdadeira reforma urbana na cidade. Para isso organizaremos audiências públicas para milhares de pessoas, porque a população precisa ter acesso a esse debate".

Na mesa diretora estarão Marco Aurélio Cunha (PSD) como primeiro vice-presidente; Aurélio Miguel (PR), como segundo vice-presidente; Claudinho de Souza (PSDB), como primeiro secretário; e Adilson Amadeu (PTB), como segundo secretário.

O presidente da Câmara criticou a forma como as audiências públicas foram conduzidas na gestão de Gilberto Kassab. "Havia uma postura defensiva em relação às audiências públicas. Isso foi muito ruim no governo anterior", disse o vereador petista.

Haddad, no entanto, evitou fazer qualquer crítica a seu antecessor e Kassab, ao discursar na prefeitura, disse que deixará o cargo "com a cabeça erguida".

O petista, na cerimônia de posse na prefeitura, fez um discurso marcado pela defesa de uma cidade mais solidária e agradável para se viver. "Existe amor em São Paulo", disse. Após o evento, Haddad cumprimentou populares que acompanhavam o evento na frente da sede do governo e disse que não irá se afastar da população. "Um poder público que não dialoga com o povo é morto, é inerte".