Título: Gesto de Dilma inspira distensão entre Poderes
Autor: Costa, Raymundo
Fonte: Valor Econômico, 17/12/2012, Política, p. A11

Num momento de tensão entre o STF e a Câmara, a presidente Dilma Rousseff deu um exemplo de respeito à autonomia dos Poderes, ao admitir que acatará sem discussão eventual derrubada, pelo Congresso, do veto presidencial às novas regras de distribuição dos royalties do petróleo. A maioria do parlamentares já decidiu votar os vetos da presidente à nova fórmula de divisão dos royalties, julgada prejudicial ao Rio e Espírito Santo, mas benéfica aos outros 24 Estados e Distrito Federal.

A derrubada do veto é ruim para a presidente, na medida em que ela termina o ano com uma derrota expressiva no Congresso. Mas, além de se livrar das pressões políticas dos Estados, Dilma mostra respeito ao equilíbrio dos Poderes. Vetar é prerrogativa da presidente da República; derrubar o veto, do Congresso.

O exemplo de Dilma teve repercussão na cúpula do Legislativo, em queda de braço com o Supremo Tribunal Federal (STF) em torno de quem tem a competência para declarar a perda de mandato de deputado federal. O presidente da Câmara, Marco Maia, inclusive acenou com a possibilidade de não cumprir eventual decisão do STF, nesse sentido, no julgamento do mensalão. A perda de mandatos de três condenados no processo está pelo voto do ministro Celso de Mello.

Mello deveria ter votado na semana passada, o que não ocorreu por motivos de saúde. O Supremo pode retomar o julgamento ainda hoje, mas, independentemente do voto de Mello, a disputa entre o STF e a Câmara somente deve ter um desfecho em 2013. Primeiro porque, definida a sentença, ela ainda terá de ser publicada. Isso feito, será aberto prazo para os recursos dos réus.

Numa primeira etapa, os advogados podem apresentar os embargos de declaração, o que só deve ocorrer em fevereiro, após o recesso do Judiciário e do Legislativo. A previsão entre os juristas é que essa nova etapa não acaba antes de julho do próximo ano. Só com a sentença "transitado em julgado" é que o Supremo deve pedir para a Câmara declarar a perda de mandato dos três deputados - João Paulo Cunha (PT-SP), Valdemar da Costa Neto (PR-SP), e Pedro Henry (PP-MT).

A previsão é que, a esta altura, Supremo e Câmara tenham chegado a um entendimento, especialmente por causa da troca de comando no Congresso. O momento atual também é tenso porque as pessoas acabaram de ser condenadas, "a discussão ainda está dominada pela paixão", como observa o cientista político Cristiano Noronha, da consultoria Arko Advice.

Por acordo com o PT, o PMDB comandará as duas Casas do Congresso, a partir de fevereiro de 2013. A tendência do partido é procurar uma saída política para a crise com o Supremo. "Trata-se de uma questão política, que diz respeito ao equilíbrio entre os poderes, e não de uma questão jurídica ou de mérito sobre o mensalão", diz um dirigente pemedebista.

O vice-presidente da República e presidente licenciado do PMDB Michel Temer já afirmou que acredita em possibilidade de entendimento entre STF e Câmara. Professor de direito constitucional, Temer passou por experiências parecidas quando presidiu a Câmara. E acha possível uma interpretação da Constituição que permita a convivência harmônica entre os dois Poderes.

O conflito, aliás, pode ter influência na eleição para a Presidência da Câmara. O líder da bancada do PMDB, deputado Henrique Alves, atualmente é favorito para ocupar a cadeira do petista Marco Maia (PT-RS). Henrique Alves já fechou acordo com praticamente todos os partidos com representação na Câmara, inclusive seis legendas que estavam conversando com o deputado Júlio Delgado (PSB), que também cobiça a Presidência da Casa. E a promessa de defesa da autonomia da Câmara está agora também colocada na mesa de negociação entre os partidos.

Este é o roteiro previsto no Congresso e entre setores do PT ligados aos ministros do Supremo, a menos que ocorra algum imprevisto ou "provocação", como se diz na Câmara. Exemplo: o STF pedir a declaração da perda de mandato dos deputados - se esse for o voto de Celso de Mello, como é esperado - antes do "trânsito em julgado" das sentenças. A tendência do atual presidente da Câmara é rejeitar o pedido, com o argumento de que só a Casa cabe decidir sobre o tema.

No limite, a oposição, que prestou solidariedade a Maia no primeiro momento, pode aproveitar-se da situação para pedir que o Supremo cumpra sua decisão ou para acusar o presidente da Câmara de corporativismo e de proteger mensaleiros, jogando ainda mais a opinião pública contra a classe política. Esse seria o pior dos mundos.