Título: Efeitos do aquecimento global chegam antes do previsto
Autor: Moreira, Assis
Fonte: Valor Econômico, 09/04/2007, Brasil, p. A2

Nós estávamos certos o tempo todo. Esta é a essência do relatório divulgado pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), órgão da ONU encarregado de avaliar as consequências do aquecimento global. Em 2001, o IPCC já previa que o aquecimento global iria provocar extinção de espécies, escassez de água, maior incidência de doenças tropicais e queda de produção na agricultura, pesca e atividades florestais em algumas regiões. Agora, os cientistas dizem ter evidências ainda mais fortes de que essas calamidades estão ocorrendo, em muitos casos, mais rapidamente do que eles imaginavam.

O relatório anterior do IPCC, divulgado em fevereiro, examinou evidências de que o planeta estava ficando mais quente. O novo relatório trata dos prováveis impactos do aquecimento global. Foi divulgado sexta-feira passada, depois de uma semana de negociações entre cientistas e governos sobre o texto final do documento. Representantes da China, Rússia, Arábia Saudita e EUA teriam tentado amenizar o relatório, o que provocou uma noite inteira de debates antes de se chegar a um acordo.

O documento faz previsões semelhantes às do relatório de 2001, mas com grau maior de precisão, diz Camille Parmesan, professora da Universidade do Texas. Segundo ela, o capítulo sobre os impactos atuais do aquecimento está apoiado em uma revisão de mais de mil estudos acadêmicos, a maior parte deles já publicados. No documento anterior foram utilizados cerca de cem estudos.

Em "paper" publicado em 2003, Parmesan havia concluído que metade de todas as espécies do planeta estava mudando de hábitos e migrando das áreas de origem por causa do aquecimento global. Outros autores descobriram que cerca de 26% dos recifes de corais haviam morrido por causa do aquecimento das águas, e que o restante provavelmente desaparecerá - assim como a pesca e o turismo ligados a eles - se a temperatura média da água subir mais um grau Celsius. Em uma síntese desses estudos, o relatório do IPCC afirma que 30% das espécies enfrentam risco de extinção se a temperatura subir dois graus.

Esse tipo de descoberta sugere que os efeitos do aquecimento serão "não-lineares", afirma Paul Epstein, professor da Harvard University . A maior parte das projeções de impacto deriva de estimativas de mudanças na temperatura média. Porém, muitas das catástrofes previstas estão ligadas a alterações na temperatura mínima, que tem subido duas vezes mais rápido. A tendência é forte perto dos pólos, onde o clima está mudando mais depressa.

Os invernos já não são frios o suficiente para eliminar certas pragas e doenças. Com isso, espécies nocivas de formigas e abelhas cruzam os EUA em direção ao norte, carrapatos que provocam a doença de Lyme proliferam na Escandinávia e regiões tropicais enfrentam invasões de mosquitos que trazem malária e dengue. "O inverno é uma invenção maravilhosa para a saúde pública", diz Epstein, "e nós o estamos perdendo".

Múltiplos fatores amplificam os efeitos do aquecimento global. Climas mais quentes e mais secos vão reduzir colheitas em muitas regiões. Besouros predadores de árvores e fungos que exterminam safras aumentarão seu raio de ação e se reproduzirão mais rapidamente. Uma incidência maior de temperaturas extremas irão prejudicar as colheitas e facilitar o desenvolvimento das espécies que as atacam. Os pobres, principalmente em regiões de clima tropical, serão os mais atingidos, porque têm poucos meios de se adaptar à situação.

As assustadoras estatísticas do relatório devem, segundo um dos autores, fazer com que os políticos se mobilizem para enfrentar as calamidades previstas. E também acabar com o debate entre aqueles que acreditam que o principal esforço da humanidade deveria ser o de tentar reverter as mudanças climáticas, e os que preferem se concentrar em medidas de adaptação aos efeitos das mudanças. As duas estratégias, de acordo com o relatório, são urgentes e necessárias.