Título: Acerto político pode viabilizar Ceará Steel
Autor: Felício, César
Fonte: Valor Econômico, 24/04/2007, Especial, p. A16

O empenho do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em desarmar a oposição fez com que o Planalto intensificasse a pressão para que a Petrobras ceda nas negociações sobre a instalação de uma siderúrgica no Ceará. Desde dezembro, há um impasse entre a estatal, investidores privados e o governo cearense em relação ao fornecimento do gás natural para o empreendimento. A ação presidencial começou um dia antes da garantia dada ao presidente nacional do PSDB, senador Tasso Jereissati (CE), de que o governo iria se empenhar na instalação da Ceará Steel, em audiência na quinta-feira.

Na viagem de volta da Ilha Margarita (Venezuela), onde se realizou a Cúpula Energética da Comunidade Sul-Americana de Nações, Lula teria orientado o ministro das Minas e Energia, Silas Rondeau, a "tomar o problema para si", segundo relato da senadora Patricia Saboya Gomes (PSB). A conversa teria sido seguida de um encontro entre Rondeau e os investidores privados, a sul-coreana Dongkuk e a italiana Danielli ."As coisas mudaram de figura e evoluíram muito", disse a senadora cearense. Procurada por este jornal, a Petrobras não se manifestou. Em compromisso ontem fora de Brasília, o ministro Silas Rondeau não respondeu ao pedido de entrevista.

O impasse em relação à instalação da siderúrgica começou quando a Petrobras recalculou o preço do gás natural para os investidores. O cenário cada vez mais provável de fracasso na instalação da siderúrgica em Pecém, 80 km de Fortaleza, ameaça se transformar em crise política. Não seria a primeira má notícia que o governo federal petista proporciona ao Estado.

O Ceará já perdeu uma refinaria de petróleo para Pernambuco, em 2005. Principal projeto econômico incluído no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) a beneficiar o Estado, a transposição do rio São Francisco envolve R$ 6,6 bilhões de investimentos e deve ser revista pelo novo ministro da Integração Nacional, o pemedebista baiano Geddel Vieira Lima.

"Se a siderúrgica não sai, o presidente está queimado e desmoralizado no Ceará", diz o líder do governo de Cid Gomes na Assembléia Legislativa, Nelson Martins (PT). Apesar do desgaste, ainda que a siderúrgica não saia o desfecho não será o rompimento do governo estadual com o federal.

Cid Gomes e seu irmão, o deputado federal Ciro Gomes contam com compensações em outros projetos ainda não torpedeados: a instalação de uma Zona de Processamento de Exportações em Pecém e a construção da ferrovia Transnordestina, ligando o Ceará à Pernambuco. Relatado por Tasso , o projeto das ZPEs é combatido pela equipe econômica do governo. De acordo com relato do tucano a interlocutores, o presidente assumiu o compromisso de não criar obstáculos para a proposta.

A fragilidade econômica do Estado também é um fator de dependência política. Do Orçamento de R$ 9,3 bilhões - equivalente a pouco menos que um terço do lucro da Petrobras no ano passado - 47% são transferências da União. "É verdade que nossos projetos estão todos amarrados em Brasília, mas eu tenho total identidade com o projeto nacional do presidente, e isso não começou agora. Além da siderúrgica, há outros eixos na estratégia de crescimento do Estado", afirma o governador.

A parte técnica da negociação entre a Petrobras, o governo do Ceará e os investidores internacionais para o fornecimento de gás está encerrada. A avaliação do governo cearense é que uma nova postura do governo federal já estaria levando a Petrobras aceitar descontar no preço do combustível investimentos que o governo do Ceará fez para viabilizar o projeto, em troca de um compromisso dos investidores em aceitar pagar mais pela fonte de energia.

Cid Gomes e Patricia Gomes , sua ex-cunhada, afirmaram que a diferença entre os benefícios concedidos pelo governo cearense já reconhecidos pela Petrobras e o preço que a estatal quer cobrar pelo fornecimento de gás natural nos próximos 20 anos está entre US$ 100 milhões e 120 milhões. É um número muito menor do que o anunciado no final das negociações técnicas. Ao expor o problema em uma audiência pública na Assembléia Legislativa do Estado, no dia 17, o presidente do Conselho de Desenvolvimento Econômico, Ivan Bezerra, mencionou uma diferença de US$ 310 milhões.

De forma sutil, o governo cearense pede flexibilidade por parte da siderúrgica sul-coreana Dongkuk, a italiana Danielli e a Vale do Rio Doce, sócias do empreendimento. "Estamos no fio da navalha. O investimento é importante para o Estado, mas a negociação final se dará entre todas as empresas", diz o governador Cid Gomes (PSB). "Para um ceder, o outro também tem que ceder", diz Bezerra.

O impasse está instalado desde dezembro, quando a Petrobras manifestou a intenção de cobrar pelo gás natural preços de mercado, rompendo o compromisso anterior. Na audiência pública da Assembléia Legislativa , Bezerra disse que a solução política era a única para o impasse. Pediu que Lula "dê a sua canetada, use a caneta mágica" para resolver o impasse.

Segundo os dados expostos pelo secretário terça, o investimento consumirá US$ 850,9 milhões nos 20 anos de duração do contrato, entre 2010 e 2030, com o gás a US$ 5,80 o BTU (Unidade Térmica Britânica). Seguindo um contrato preliminar assinado em 1996, os investidores acertaram pagar US$ 320 milhões, soma resultante de US$ 3,20 o BTU de gás.

Esse valor é insuficiente para pagar o gás hoje importado da Bolívia, que custa cerca de US$ 4,60 em São Paulo. O fornecimento do Ceará ainda dependeria da construção de dois gasodutos, o Gasene e o Nordestão II, em fase de projeto.

O governo do Ceará afirmou que irá investir US$ 441 milhões em incentivos e investimentos, a serem compensados pela Petrobras. Sobraria uma diferença de U$ 87 milhões a ser equacionada. Mas a Petrobras teria reconhecido, segundo divulgado na audiência, apenas US$ 224 milhões dos investimentos cearenses.

Esta estratégia de reduzir o preço do gás levando em conta investimentos feitos pelo Ceará pode terminar na Justiça. O Instituto Brasileiro de Siderurgia (IBS), que reúne as potenciais concorrentes da Ceará Steel, anunciou que irá tentar bloquear judicialmente o acerto e o Ministério Público de São Paulo examina a hipótese de questionar a legalidade dos investimentos cearenses.

(Colaborou Claudia Schüffner, do Rio)