Título: Greenhalgh teme reforma ministerial
Autor: Maria Lúcia Delgado e Cristiano Romero
Fonte: Valor Econômico, 10/01/2005, Política, p. A5

Parecia uma daquelas assembléias do velho PT, com direito a choro, palmas, e, claro, muito ranger de dentes. Acreditava-se numa decisão de consenso, refletindo o momento de maturidade de uma bancada que sentia na pele a necessidade de se unir novamente e reencontrar a sintonia com o governo. Só que as dinâmicas do PT surpreendem até mesmo o PT, as relações do governo petista com sua base aliada não são nenhum exemplo político, e o deputado Luiz Eduardo Greenhalgh (SP), escolhido por aclamação naquele encontro como candidato oficial de seu partido para disputar a presidência da Câmara, ficou perdido no meio do tiroteio. Em plena campanha, Greenhalgh tenta a duras penas conquistar a simpatia dos parlamentares, vencendo uma resistência por dia. Ainda não contornou a pior delas, o imbróglio com o colega petista Virgílio Guimarães (MG), que ameaçou lançar uma candidatura independente à revelia da bancada. Esse obstáculo, no entanto, acredita que será superado em breve. Greenhalgh, Virgílio e Lula já dividiram, na Constituinte, o mesmo apartamento. O presidente atuou para unir de novo os velhos amigos. Nas conversas por telefone com os colegas, e que chegam às vezes a durar mais de uma hora com cada parlamentar, Greenhalgh já ouviu confissões reveladoras. "Oitenta por cento das pedras que estamos atirando em você não é por sua causa, mas por causa do governo", disse um deputado ao candidato do PT. O maior temor de Greenhalgh agora - isso depois de tentar superar uma avalanche de críticas de parlamentares da base e de lutar para contornar supostas traições e deslealdades dentro do próprio PT - é com a reforma ministerial. Há fortes sinais vindos do Palácio do Planalto de que a reforma será anunciada no dia 17. Se isso ocorrer, ninguém duvida que haverá mais insatisfeitos que satisfeitos na base aliada. E, aí, a candidatura de Greenhalgh pode sofrer novo revés. Por enquanto, o candidato do PT diz que vive um momento de ambigüidade: é um dos períodos de maior satisfação dentro do partido, em que sua capacidade e militância foram reconhecidos, mas, por outro lado, enfrenta o sofrimento de ouvir críticas que considera injustas. Greenhalgh não consegue aceitar as pechas de antipático, elitista, quatrocentão, parlamentar sem trânsito na Casa e desprovido de "traquejo social", esta última uma crítica do presidente do PTB, Roberto Jefferson. "Do jeito que vai a coisa, o importante são os atributos rasos, se você ri ou não ri, se você cumprimenta ou não cumprimenta; e se deixa de lado a discussão de propostas e sobre a capacidade parlamentar de coordenar os trabalhos na Câmara", desabafou o petista. "Eu sou votado na periferia de São Paulo, na Zona Leste, nos bairros pobres da Zona Sul. Fui advogado de sem-terra, sem-teto, presos políticos, torturados. Devo ser o único arrogante que vai em favela", acrescenta. Com nome imponente e uma certa aura de lorde inglês - a origem da família é britânica -, Greenhalgh está disposto a se desconstruir. "Eu sou cabeça chata. Meu pai é sergipano", conta. "A minha vida não foi fácil, e houve muito sofrimento na trajetória", argumenta, dando justificativas para a cara meio sisuda. A atuação profissional, como advogado de presos políticos, torturados, sem-terra, sem-casa, sindicalistas, obrigou-o a ser circunspecto, diz ele. "Para enfrentar isso tem que ter cara de sério. Quando me conhecem melhor, me acham legal. É como uma cebola. Sou só coração", garante. Nesse primeiro momento, Greenhalgh quer conversar com todos os deputados. "Estou me apresentando, mostrando que não sou bicho-papão", brinca. Depois, vai ouvir pleitos, mostrar propostas. Ao baixo clero, garantiu que não mudará a estrutura dos gabinetes. Havia um certo temor de que ele pudesse cortar cargos comissionados. Nas análises que tem feito com colegas do PT, Greenhalgh diz que qualquer um do partido ia ser vítima de artilharia pesada. Não é novidade que há descontentamento com a execução orçamentária, e que promessas de nomeações nos escalões inferiores não foram cumpridas. Isso deixa a base nervosa. Qualquer momento político crucial serve para dar recados ao governo. O próprio Greenhalgh reconhece que faltou habilidade política na condução do processo. Antes de fechar o nome no PT, teria sido de bom tom conversar com os líderes aliados. Para Greenhalgh, o presidente Lula não interferiu na decisão da bancada. "Eu fui eleito porque sou do centro da bancada, converso com a esquerda do PT, com a direita do PT, e sou fiel ao governo. Mantenho minhas posições políticas sem confronto com o governo. Sou pelo convencimento sem confronto. Foi assim na questão da abertura dos arquivos da ditadura", exemplifica. Lula ligou para Greenhalgh algumas horas depois de oficializada a escolha da bancada. O presidente disse ter a certeza de que era o melhor nome para presidir a Câmara. Durante o processo de escolha, e depois de se surpreender com a postura de Virgílio, Greenhalgh confidenciou a amigos íntimos que pensou por vários momentos em ter uma conversa reservada com Lula, para que o presidente fizesse uma análise sincera dos fatos políticos. Conteve-se. Enquanto diz estar testando sua tolerância, resistência e humildade, Greenhalgh se firma em apoios importantes, como os do presidente do Senado, José Sarney, dos ministros Márcio Thomaz Bastos, Roberto Rodrigues e Aldo Rebelo. Greenhalgh diz estar surpreso com algumas manifestações de solidariedade, como a do líder do PP, Pedro Henry. Agradece o empenho do ministro do Turismo, Walfrido dos Mares Guia, para ganhar a simpatia da bancada do PTB à sua candidatura. Com a oposição, as coisas caminham até bem. Greenhalgh conversa com o prefeito de São Paulo, José Serra, e com os tucanos paulistas mais próximos a ele. A relação com o líder do PSDB na Câmara, Custódio de Mattos (MG), é boa. O diálogo com o futuro líder do PFL, Rodrigo Maia (RJ), é receptivo. E nesta semana, tem agendado encontro com o presidente do PFL, senador Jorge Bornhausen (SC). Nos mapeamentos do PT, a candidatura oficial da bancada será vitoriosa. Os critérios de avaliação, porém, não consideram o risco embutido numa votação secreta.