Título: Vontade política reduz emissões, diz cientista
Autor: Chiaretti, Daniela
Fonte: Valor Econômico, 01/05/2007, Brasil, p. A4

Entre os pesquisadores brasileiros que trabalharam nos três grupos do relatório 2007 do IPCC, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças do Clima, que reúne mais de mil cientistas de todo o mundo, há uma única mulher - a carioca Suzana Kahn Ribeiro. Engenheira mecânica, com mestrado em planejamento energético e doutorado em engenharia de produção, Suzana está há uma semana em Bancoc. Nada de férias: ela tem discutido com um seleto grupo de colegas estrangeiros os detalhes finais do documento de 20 páginas que será divulgado na sexta-feira sobre como os governos podem atuar para reduzir a emissão de gases de efeito estufa na atmosfera. "A maior parte das medidas de mitigação vai ter mais ou menos sucesso em função de como a sociedade vai evoluir, de como vai se desenvolver, de como vai consumir", disse Suzana ao Valor antes de partir para a Tailândia. "Depende de políticas públicas."

Trata-se da última rodada da trilogia de reuniões internacionais que jogou a sigla IPCC, o braço científico das Nações Unidas, na boca do povo. Em fevereiro, em Paris, a divulgação da primeira parte do relatório detonou o susto com a responsabilidade humana diante do quanto a temperatura do planeta subirá. O segundo, em abril, em Bruxelas, deu ciência a uma provável sucessão de pragas bíblicas (fome, seca, inundações, insetos), apontou os pontos mais sensíveis do mapa-múndi aos efeitos das mudanças climáticas e a urgência de adaptações ao inevitável; agora, na Tailândia, a última edição do evento este ano deve indicar que é possível fazer muito, imediatamente, e com base em muita tecnologia disponível. Só depende de vontade política.

É mais fácil, por exemplo, convencer consumidores a utilizar lâmpadas mais eficientes, que custam mais, mas depois pesam menos na conta e exigem menos produção energética. Bem mais difícil falar aos consumidores de carros de luxo a esquecer veículos potentes e pesados, onde o ganho tecnológico de eficiência acaba anulado. "Será que precisa de um super jipe para andar na cidade?", sugere Suzana. Sem falar do custo político de implantar um sistema BRT (Bus Rapid Transit), a faixa exclusiva de ônibus que existe em Curitiba, em Bogotá e na Turquia, mas restringindo-se também o uso de carros particulares. Para diminuir a emissão de CO2 do setor de transportes, (a que mais cresce em termos mundiais, embora o setor energético seja o que mais emite) nas cidades, um sistema público eficiente teria que vir embalado com pedágios urbanos. Foi assim, cobrando para quem quer circular no centro, que Estocolmo reduziu em 13% suas emissões de CO2 em um ano, e Londres em 20%. Cingapura cortou pela metade seu volume de tráfego com taxação. "Mas não é uma medida populista", diz ela.

Igualmente ruim para o potencial de votos, mas bom para o clima seria fiscalizar a emissão dos carros velhos. Este é um dos problemas do cenário do que é possível fazer. "Algumas medidas baratas e eficientes não têm o lobby de ninguém", diz. "Quem vai ser o patrono do pedágio urbano? Quem vai levantar a bandeira da inspeção veicular?".

Outra grande dúvida, neste contexto, é o comportamento da China. "Se a China tiver um padrão de consumo igual ao americano, temos um quadro; se adotar o europeu, temos outro", diz ela. Talvez a discussão mais explosiva seja a do retorno da energia nuclear. Nenhum país conseguiu ainda equacionar satisfatoriamente o lixo das usinas. Mas para combater a mudança do clima, trata-se de uma opção limpa.

Hoje já estão em Bancoc as delegações de uma centena de países para discutir palavra a palavra o "sumário para tomadores de decisão" do relatório sobre medidas de redução de gases estufa - "mitigação", no jargão científico. Trata-se do resumo da ópera do grupo 3 do IPCC, um calhamaço que deve ter mil páginas, recolhe a literatura científica produzida nos últimos 4 anos e que os cientistas trataram de condensar para a aprovação dos governos. Ali, Suzana atua com seu conhecimento técnico, não representa a posição do país.

Se no próximo dia 4 o resumo for divulgado conforme versões preliminares que vazaram na imprensa, e não for muito alterado no filtro dos governos, sua arquitetura trará uma análise setorial - energia, transporte, residências e comércio, indústrias, agricultura, florestas e resíduos -, um diagnóstico das tecnologias disponíveis e seus custos. "Nenhuma tecnologia sozinha é capaz de fazer com que as reduções das emissões de CO2 desçam aos níveis de 1990", diz. "Tem que ser um mix de técnicas, de políticas e de setores", continua. "O grande impacto em Bancoc será mostrar o papel fundamental que os governos têm. Não se trata só de mais pesquisa. O importante é o estabelecimento de ações com o que já existe."

Nos trabalhos do grupo 3 do IPCC participaram como autores cinco brasileiros. Suzana é a única do quinteto que foi a Bancoc fechar o sumário aos governos. Na hierarquia do órgão ela é uma "coordinating lead author" do capítulo de transporte e infra-estrutura. Por capítulo há uns dez autores e dois coordenadores. O par de Suzana neste tópico vem do Japão.

Energia e transporte são áreas onde ela transita desde o início da carreira. Trabalhou dez anos na Promon Engenharia com energia e depois com planejamento energético na Shell e Aracruz. Fez concurso para a COPPE, o instituto de pesquisa e pós-graduação da UFRJ, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Desde janeiro divide a atividade acadêmica com uma função pioneira na secretaria estadual de ambiente do Rio, de Carlos Minc. É um cargo único no Brasil: ela é superintendente de Mudanças Climáticas e de Carbono.

Suzana tem intimidade com uma lógica contábil nova que surge em tempos de mudanças de clima. Quando relaciona tecnologias e custos, fala em dólares por toneladas de carbono. Etanol de cana de açúcar, por exemplo, está abaixo de US$ 20 por tonelada de carbono. O equivalente celulósico, que vem sendo pesquisado nos EUA e na Europa, tem custo bem superior. A célula de combustível, a hidrogênio, pode ter um custo de US$ 100 por tonelada. Uma tecnologia nova, cara e experimental, as CCS (ou Carbon Capture and Storage) tentam seqüestrar o CO2 emitido pelas termoelétricas e aprisoná-lo em minas desativadas de sal e carvão.

A agricultura também pode ser mais eficiente e emitir menos gases-estufa. Há desafios nas plantações de arroz alagadas que lançam metano, assim como na pecuária. Fertilizantes à base de nitrogênio são nocivos. "Metano ou gases de nitrogênio têm um GWP elevado", diz Suzana, apontando seu potencial de aquecimento global, o Global Warming Potencial. Em português: se o GWP do CO2, o principal gás de efeito-estufa, é 1 (o grau de dificuldade que representa para a passagem de radiação de volta ao espaço), o do metano é 23 e o do N20 maior ainda. "Já existem fertilizantes não nitrogenados", diz.

Na construção civil há muita gordura de emissão de carbono. Criatividade, materiais renováveis e baixo gasto de energia garantem boas reduções. "Basta olhar para estes prédios todos. São estufas que não aproveitam luz solar e usam materiais intensivos em energia". Há muita pesquisa sobre reduzir o gasto energético em tijolos e telhas, estimular o uso de bambu e madeiras certificadas para alternar com cimento, por exemplo. E as indústrias? "A concorrência, os acionistas e os consumidores pressionam para que elas se tornem mais eficientes." É isso que deve saltar da reunião em Bancoc. "Mostramos a tecnologia que está aí. Depende dos governos."

Suzana tem idéias para o Rio. Já está encomendando o inventário estadual das emissões ("Antes de tudo é preciso conhecer o quadro") para enxergar quem, quanto, como e onde lança CO2 . Começa a desenhar uma Câmara de Compensações de emissões. Seria uma forma de atrair indústrias para o Rio e permitir que reduzam carbono investindo em aterros sanitários, por exemplo. Antes de ir a Bancoc, participou do lançamento da produção de biodiesel na refinaria de Manguinhos a partir da coleta de óleo usado de cozinha, que costuma ter a pia como destino. A iniciativa já existe na Itália e em Portugal. "Quando se falou que a mudança climática produziria uma revolução, não estavam brincando", diz. Suzana quer voltar para passar em casa, com o marido, o físico Luiz Pinguelli Rosa, o aniversário do caçula, de 9 anos. Os outros dois filhos tem 27 e 23 anos.