Título: Empresas de alto nível
Autor: Monteiro, Luciana
Fonte: Valor Econômico, 01/05/2007, EU & Investimentos, p. D1

Estar em um dos níveis diferenciados de governança corporativa da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) é visto hoje quase como um selo de qualidade de que a empresa está comprometida com os direitos dos acionistas minoritários. Mas será que as empresas que aderiram ao Nível 1, 2 ou Novo Mercado realmente melhoram as práticas de governança ao migrar? Estudo do Instituto Coppead, do Rio, mostra que nem sempre isso ocorre, principalmente quando se trata de uma empresa que muda do pregão tradicional para o Nível 1, o mais básico de todos.

Os níveis de governança foram criados em dezembro de 2000 e, neles, as empresas listadas oferecem melhorias nas práticas de governança que ampliam os direitos societários dos minoritários e aumentam a transparência, com divulgação de maior volume e mais qualidade nas informações, facilitando o acompanhamento de sua performance.

O trabalho elaborado pelo aluno de mestrado em administração Quilherme Quental analisou todas as empresas que migraram para um dos níveis de governança desde a criação desses segmentos até o início do ano passado. A proposta era avaliar, numa primeira etapa, se uma empresa, ao aderir a um dos níveis, imediatamente apresentava aumento de liquidez e retorno, além de menor volatilidade. Num segundo momento, foi medido se essas companhias melhoraram as práticas de governança corporativa. No total, 32 empresas que migraram para um dos níveis foram avaliadas.

O resultado mostra que, quando uma empresa migra para o Nível 2 ou para o Novo Mercado, há aumento de liquidez dos papéis e diminuição da volatilidade das ações. Já quando a companhia decide ir para o Nível 1, essas duas variáveis praticamente não se alteram, diz André Carvalhal, professor de Finanças do Coppead e orientador do trabalho. "Isso quer dizer que estar no Nível 1 hoje é o mínimo que a empresa tem de fazer na percepção do mercado", avalia Carvalhal. "Daqui a alguns anos, o Nível 1 será equivalente ao que chamamos hoje de pregão tradicional", diz o professor.

Para cada um dos níveis, há regras que as companhias se comprometem a cumprir. No Nível 1, a empresa deve melhorar a prestação de informações ao mercado, com demonstrações financeiras padronizadas e uma parcela mínima de 25% do capital social em circulação. Já no Nível 2, a companhia se dispõe também a estender aos detentores de ações preferenciais (PN, sem voto) o direto de receber no mínimo 80% do prêmio de controle em caso de venda da empresa. No Novo Mercado, além dessas regras e muitas outras, a companhia tem só ações ordinárias (ON, com voto) em circulação.

Segundo os cálculos de Quental, na data em que a empresa anuncia a adesão a um dos segmentos, a média de retorno diário do papel aumenta. No caso das que vão para o Nível 2, a ação sobre, em média, 2% no dia. Já as companhias que vão para o Novo Mercado são mais premiadas e o papel se valoriza, em média, 2,7% no dia. Para o Nível 1, esse retorno é de 0,3%.

O mercado funciona como uma máquina de prêmios e descontos, determinados muito em função da percepção de risco envolvida em cada situação, diz josé Guimarães Monforte, presidente do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). Para ele, as exigências do Nível 1 são entendidas como que quase obrigatórias para qualquer empresa que deseja receber recursos de terceiros minoritários e, em razão disso, a sua adoção resulta em alguma redução do desconto. "A transparência, porém, está um nível acima e representa a atitude de desejar prestar informações", diz. "A transparência, sim, é percebida pelos agentes e valorizada."

O estudo mostra ainda que, ao fazer o anúncio da migração para o Nível 2 ou Novo Mercado, as ações ordinárias são mais beneficiadas. Mas quando a empresa efetivamente adere a um dos dois segmentos, as preferenciais se valorizam. Para Quental, isso reflete uma expectativa dos investidores por uma oferta de troca de PNs por ONs após a migração.

Quando se avalia se as empresas ao ingressar a um dos níveis melhoram as práticas de governança, o resultado é o mesmo: há o aperfeiçoamento de algumas medidas para as que vão para o Nível 2 e Novo Mercado, mas isso não ocorre para as companhias que vão para o Nível 1. Para fazer esse cálculo, Quental utilizou um questionário desenvolvido em 2002 por Carvalhal em parceria com o professor Ricardo Leal.

No total, são 15 perguntas que tratam sobre a composição do conselho da empresa, transparência na divulgação de informações, percentual que o controlador tem no capital votante, fatia de ações preferenciais (PN, sem voto) e ON (com voto) em circulação, etc. A partir daí, é composto um índice que vai de 0 a 15. Para cada pergunta é conferido o valor 1 caso a resposta seja "sim" e é interpretada como uma provisão ou atitude em favor da boa governança corporativa. No caso de "não", a empresa deixa de pontuar.

Para as companhias que foram para o Novo Mercado, essa pontuação subiu de 8 para 13, em média. No caso do Nível 2, passou de 6 para 10 e, no Nível 1, não houve alteração. As empresas que foram para o Nível 1 não melhoraram em nada o que já estavam fazendo quando listadas no pregão tradicional.

Hoje, 417 empresas têm ações listadas em bolsa. Dessas, somente 27% estão num dos níveis diferenciados de governança da Bovespa. O mercado olha para as empresas que têm governança diferenciada de outra forma, avalia que há mais qualidade, diz Alexandre Espírito Santo, sócio da Avanti Gestão de Recursos e chefe do departamento de Finanças da ESPM-RJ.

No total, são 38 companhias no Nível 1, outras 15 no Nível 2 e 62 no Novo Mercado. Apesar do grande número de empresas listadas no Novo Mercado, somente 11 efetivamente migraram. As outras já fizeram a abertura de capital com ações nesse segmento. "É muito mais difícil para uma empresa que já está na bolsa migrar para o Novo Mercado, por exemplo, do que uma nova", diz Santo. "Há custos para tirar as ações PN de circulação, é preciso convencer os acionistas da relação de troca e fazer assembléias."

A companhia que assume maiores compromissos societários atrai mais investidores e suas ações ficam mais valorizadas, diz João Batista Fraga, superintendente de Relação com Empresas da Bovespa. "Com isso, o custo de capital diminui, o que é fundamental para investimentos, capital de giro e melhor competitividade", afirma. Em 2004, a Bovespa estudava estender as exigências do Nível 1 para todas as empresas que estavam fora dos segmentos diferenciados, o que provocou forte reação contrária das companhias. "A idéia não está na pauta, não houve avanços na proposta", resume Fraga.