Título: Saneado, Rural entra em nova fase
Autor: Balarin, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 09/03/2007, Finanças, p. C1

Ela voltou a fazer balé clássico. Sempre que pode, dá uma escapada do banco na hora do almoço para ter aulas com a mesma professora de 25 anos atrás. Também já não precisa mais da ajuda de remédios para controlar a ansiedade e dormir tranqüila. E seu semblante não lembra em nada o rosto preocupado de quando prestou declarações à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do mensalão, há um ano e meio.

"Já passei a fase do alívio. Agora, estou animada", diz Kátia Rabello, 45 anos, principal acionista e presidente do Banco Rural, em sua primeira entrevista desde que o nome do banco foi envolvido na crise política de 2005.

A empolgação de Kátia pode ser explicada pela recuperação do banco, depois de uma reestruturação que levou o número de funcionários de 2,35 mil para 550, cortou as despesas anuais de R$ 480 milhões para R$ 140 milhões e reduziu o número de agências de 85 para 21. O trabalho, segundo apurou o Valor, foi dividido em três etapas. Em um primeiro momento, foi feita uma limpeza dos ativos e colocou-se em prática um processo de enxugamento. Na segunda etapa, no ano passado, o objetivo era voltar a captar recursos e acabar com o problema de funding para as operações de crédito do banco. Esses dois estágios já estão concluídos. Agora, deve vir a fase da reestruturação societária.

Embora reconheça que o telefone "voltou a tocar" com pessoas interessadas no banco, Kátia diz que não chegou nem a ouvir propostas sobre os dois focos de negócios da instituição - crédito consignado (com desconto em folha de pagamento) e financiamento a pequenas e médias empresas. Com seu genuíno sotaque mineiro, fala pausada, desconversa sobre uma possível venda do banco. Primeiro, rindo, diz que dependendo do preço dá pra conversar. Depois, mais séria, explica que pretende manter o controle sobre os dois focos de negócio. Mas que há outros ativos que podem ser negociados.

"A gente costuma dizer Banco Rural. Mas o grupo vai muito além do banco", explica Kátia, revelando que outros ativos estão à venda. Entre as empresas financeiras da holding Trapézio há duas seguradoras, três bandeiras (além do Rural, o Banco Simples e o Rural Mais) e uma carteira de R$ 300 milhões de créditos em liquidação. Na área não-financeira há, entre outros, duas construtoras (a construção está na origem do grupo) e uma mineradora de nióbio.

"A carteira de CL (crédito em liquidação) já está em negociação e sua venda deve sair em no máximo um mês. E estamos monetizando um ativo não-financeiro de R$ 200 milhões. Esse é o valor de venda do ativo [uma construtora], à vista", diz a executiva. O uso de termos financeiros mostra que a bailarina e empresária de dança Kátia aprendeu muito de banco nos últimos anos. Não exatamente porque tenha escolhido esse caminho. Mas porque as circunstâncias a levaram a ser a principal figura do Banco Rural.

Kátia entrou no banco em 1995, convidada pela irmã mais velha Júnia, que tinha uma ótima cabeça para números e já era presidente da instituição e braço direito do pai, Sabino, fundador do grupo. Começou a carreira no Rural como superintendente de comunicação. Quatro anos depois, Júnia morreu. Kátia ficou desnorteada e admite que, naquele momento, pensou muito em deixar o banco.

"Mas resolvi encarar de frente e assumir a presidência do banco. Não sou covarde, embora tenha medo", diz, em tom seguro. As fatalidades não pararam por aí. Em 2004, morreu em um acidente de carro José Augusto Dumont, vice-presidente do banco e considerado o executivo de fato que tocava o Rural. A responsabilidade dos acordos e empréstimos que acabaram levando o nome do banco à CPI recaiu sobre o vice-presidente. "Ele (Dumont) tinha relações pessoais com Valério (Marcos Valério, um dos sócios da agência de publicidade SMPB), por quem fomos usados", chegou a declarar Kátia, na época da crise política.

Com a morte de Dumont, Kátia tomou as rédeas de fato e partiu para colocar em prática um trabalho de reorientação do Rural feito pela McKinsey e complementado pela Accenture. No meio do caminho, foi atropelada pela quebra do Banco Santos, que gerou uma crise de confiança em bancos de menor porte e que levou a uma queda drástica dos depósitos. Só no último trimestre de 2004, os resgates superaram as aplicações no Rural em R$ 1,4 bilhão.

Logo no início de 2005, veio a morte do pai de Kátia, Sabino. Era a última de suas principais referências para o negócio bancário. Em menos de seis anos, ela havia se tornado a referência. "Muitas vezes sinto como se meu pai ainda estivesse vivo. A verdade é que não tive tempo para o meu luto", diz, em referência ao turbilhão que se seguiu à morte de Sabino, com o envolvimento do Rural na crise e as denúncias de que os empréstimos concedidos pelo banco ao PT e à SMPB foram usados para corromper políticos.

Na crise, Kátia abandonou sua vida pessoal. "Apenas dava notícias para meus filhos." Ela tem dois, um de 20 anos, que não mora com ela, e outro de 15. Para ajudar na empreitada, em agosto de 2005, a holding Trapézio contratou um grupo de quatro especialistas: Gustavo Loyola, ex-presidente do Banco Central, Paolo Zaghen, ex-presidente do Banco do Brasil, Nelson Eizirik (ex-Comissão de Valores Mobiliários) e o advogado Caetano Vasconcellos Neto.

Na área operacional do banco, o grupo começou a trabalhar em duas frentes: o corte de gastos e a recuperação da captação. No fim de 2005, adquiriram 49% da RS Financeira (hoje Simples Serviços Financeiros), da qual já possuíam 51%. A Simples é a promotora de vendas para o consignado, eleito uma das prioridades do Rural.

A produção mensal de novos empréstimos consignados, que, em julho de 2006 atingiu seu menor patamar, de R$ 13,3 milhões, ultrapassou R$ 30 milhões em dezembro. A expectativa é de que, neste ano, os novos empréstimos de consignado (especialmente para servidores públicos da ativa e funcionários do setor privado) alcancem R$ 500 milhões.

Se a meta for atingida, Kátia diz que o banco poderá fechar 2007 com seu primeiro lucro desde 2004. Os dados de 2006 ainda não foram divulgados, mas o Valor apurou que deverá ser registrado prejuízo na casa dos R$ 50 milhões, embora a executiva não confirme o número. Em 2005, o prejuízo superou R$ 200 milhões.

É muito cedo para dizer se o Rural vai chegar lá, mas a esperança de Kátia sobre o resultado deste ano está baseada nos recursos que o banco tem à disposição para tocar seus projetos. O salto no consignado, por exemplo, foi possível com dois Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC). Um de R$ 130 milhões (mais R$ 30 milhões de cotas subordinadas), com o JP Morgan, e outro de R$ 133 milhões, com o Credit Suisse. O total de concessão de crédito para preencher o primeiro já foi alcançado e o segundo deve ser completado no próximo mês.

Outro foco do banco é o financiamento de pequenas e médias empresas. A instituição acaba de fechar com a Integral Capitânia (de ex-funcionários do Bank of America) um FIDC de R$ 240 milhões, com prazo de 18 meses. E Kátia diz que acaba de fechar com uma instituição (que ela se nega a revelar o nome) uma operação de R$ 500 milhões de funding para a conta garantida, espécie de cheque especial de empresas.

Para Kátia, a captação representa hoje mais uma questão de preço do que de necessidade de caixa. Com recursos garantidos para as operações, o banco está voltando a contratar. "É o que me deixa mais feliz." As demissões a abalaram muito, mas hoje ela diz que aprendeu a valorizar a questão da eficiência. O processo de enxugamento foi acompanhado por mudança no perfil das agências (que foram substituídas por agências de andar, ou aéreas) e por medidas como o uso de crachás para abrir portas.