Título: Desenvolvimento do setor requer a mão do governo
Autor: Francisco Góes
Fonte: Valor Econômico, 11/01/2005, Empresas, p. B7

A tentativa do governo Lula de reerguer a indústria naval brasileira encontra paralelo com a política dos anos 50, do ex-presidente Juscelino Kubitschek. No Programa de Metas lançado em 1956, JK definiu objetivos para a Marinha Mercante e para aumento da robustez da indústria de construção naval do país. Quem lembra bem disso e defende maior envolvimento do governo na retomada do setor é o engenheiro naval Nobuo Oguri, que trabalha na área desde 1959. "Um plano de construção naval precisa de envolvimento de governo. É assim em todos os países, porque senão não deslancha. Essa não é uma atividade que depende só da construção naval, mas de uma série de fatores, como da Marinha Mercante, que é o principal cliente", diz Oguri, que integrou a primeira turma de engenharia naval criada no Rio na Universidade do Brasil, hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). "Por isso o país tem que ter uma Marinha Mercante forte. Sem ela os estaleiros não conseguem sobreviver. Para termos a vantagem nos estaleiros nacionais é preciso ter componentes nacionais: temos o principal, que é o aço", destaca. A definição de um plano para o setor, com linhas de financiamento definidas, permitiu que, entre 1958 e 1959, surgissem no Rio de Janeiro três novos estaleiros e fosse aprovada a ampliação da primeira unidade surgida no país, o estaleiro Mauá, fundado pelo Barão de Mauá. Os outros três foram o Ishikawajima do Brasil (Ishibrás) - construído pela gigante japonesa Ishikawajima Harima Heavy Industries (IHI) com financiamento do BNDES -, o Verolme, de capital holandês; e o Emaq, único fundado por empresários brasileiros. Oguri ocupou a vice-presidência-executiva do Ishibrás e presidiu o Emaq, atual Estaleiro Ilha (Eisa), na Ilha do Governador (RJ). Hoje, aos 79 anos, presta assessoria para o Eisa, que tem como principal acionista o empresário German Efromovich. Nascido em Tóquio, em 1925, migrou com os pais para o Brasil aos dois anos de idade. De tão brasileiro, explica que fala "muito mal o japonês". Ele lembra que nos tempos áureos, pós-JK, o Brasil buscou implantar a indústria de naval de peças, quando o país chegou a produzir motores de 20 mil HP e 30 mil HP. "Hoje precisamos importar motores de 5 mil HP. O desenvolvimento da indústria de motores foi criticada na época, mas nunca se fez um balanço da economia de divisas, da agregação de tecnologia e do ganho social social", relembra. Nas décadas de 50, 60 e 70, o governo estipulou as regras de implantação da construção naval e assegurou o mercado estimulando, não só com a Marinha Mercante - na época do Lloyd Brasileiro - mas também via criação de empresas privadas, que ajudaram a impulsionar as encomendas dos estaleiros. É baseado nesse exemplo que Oguri acha que o setor não pode funcionar apenas ao sabor do mercado. "Para isso, é preciso a ação do governo para disciplinar e reorganizar o sistema", observa. Ele lamenta o atual estágio da indústria, e ressalta que atualmente o país exporta divisas com o pagamento de fretes para navios estrangeiros. No passado, participou das conferências de fretes, aproveitando para garantir espaço na navegação mundial com navios próprios. "Hoje a Nigéria busca fazer isso, não tem nada de mais." Sobre o edital da Transpetro, Oguri disse que o edital não deveria ser tão detalhista ao estipular uma série de regras que determinam pontuações conforme a capacidade técnica e financeira dos estaleiros. "É preciso pôr tudo na balança e ver o que é melhor para o país: estimular os estaleiros locais, que levaram quase vinte anos para adquirir capacitação tecnológica ou atrair pessoal de fora", afirma.